Tempo para pensar
As águas, as luas, as marés e o sonho. Assim faz sentido caminhar. Conhecer do mar o sussurro. Espreitar e tentar ver para lá do horizonte. Sabemos que o horizonte é inatingível. Vamos, no entanto, para a proa do barco na esperança de chegar mais cedo. As âncoras prontas para o que der e vier. Um piloto na ponte de comando. Uma sereia vai cortando o mar na frente do barco.
Caminhar na vida é uma experiência única. Um aprender constante. Um tentar entender. Um tentar entender-se. Sempre algo de novo a acontecer, porque a nossa imaginação não pára. Ir sabendo da vida e da morte. Ir conhecendo os imponderáveis acontecimentos. Aprender a resistir. Aprender a dizer não. Conhecer o mal e o bem. Ouvir as vozes que nos falam. Aprender as letras e os números. Ser capaz de juntar as coisas. O caderno de duas linhas. A letra a querer crescer. As folhas quadriculadas. Os números a quererem falar. Um livro, uma equação. A resolução que necessita de ser explicada. A teimosia de tornar complicado o que é simples. Os especialistas para tudo. As máquinas a perfilarem-se para substituírem tudo. É o tempo de regressarmos à contemplação. Deixem as máquinas trabalhar!
Ter tempo para ler, escrever e pensar. Crescer por dentro. Tentar entender o que se segue. Pensar no futuro, no que aí vem. Pensar no imediato, ou ir buscar coisas ao passado, é perder tempo. Tudo vai ser diferente. A história não se repete. A história também nunca irá acabar. Vai haver sempre história. Mesmo quando contamos outras estórias.
Voltemos à proa do navio. Ouve-se um estranho barulho nas correntes que prendem as âncoras. A sereia que nos indica o caminho mostra alguma agitação. As sua cores são belas. Os seios uma tentação. Uma boca cheia de beijos. O horizonte vai mudando. Não se avista nenhum porto. Estamos no meio da vida. Estamos cheios de tudo, no meio do nada. Continuamos a navegar.
Uma onda inesperada. Uma rajada de vento. Uma zanga sem aparente razão. Aguentamos esta “fúria” inesperada dos elementos. Também isto faz parte da vida. Também a terra se faz sentir. Algo que talvez venha da sua mania de atrair tudo o que lhe passa perto. Um amigo diz-me que na sua cidade a terra anda zangada. Treme e volta a tremer e ele vai tremendo com ela. Diz que é coisa que vem do interior mais fundo da esfera. É com convicção que me diz:
«Se ela pensa que eu vou fugir com medo destes tremores, está enganada.»
Põe de novo o chapéu na cabeça e vai ler o jornal para o café. Vai direito. Fazendo frente a todas as intempéries. Não é de tremeliques este meu amigo. A terra treme de novo. Ele deixa de ler o jornal, quando a coisa termina recomeça a leitura na letra seguinte. Os que jogavam bilhar recomeçam o jogo com uma bola de saída.
A nossa sereia já tem algum salitre vestido. A viagem já vai longa. O barco vai em piloto automático. É a história a acontecer enquanto viajamos. Há um novo satélite que nos indica mais correctamente a nossa posição. Os que queriam navegar sem rumo definido ficam insatisfeitos. Nota-se um brilho especial nos olhos da sereia.
É enorme esta viagem. Ninguém sabe quanto tempo vai durar. Esta é uma viagem com o porto de chegada desconhecido. Da vida só conhecemos a partida e não nos lembramos dela. Sabemos como acabamos, não sabemos como nem quando. Sem este mistério seria muito diferente o viver.
Vamos pensar. Deixem trabalhar as máquinas.
«Olha que tu! Eu é que ando aqui com as máquinas na mão e a carregar nos botões.»
Voz de Isaurinda.
«Por enquanto, minha querida, por enquanto.»
Respondo.
«Só quando vir!»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Fev/2018(156)
oferecemos o peito e enfrentamos os medos. é bom de dizer vamos lá para a frente da onda grande a maior de todas, a que provem de uma falha na crosta terrestre, meu corpo e meu chão…feito de água, de sal. como eu te temo acima de tudo. não sei se te consigo enfrentar tais são os medos que residem dentro dele e os tremores nascem daí, tenho a certeza, dos medos, minha irmã terra, meu irmão mar somos corpo dentro do mesmo corpo até que um dia nos fundiremos num corpo só. Abraço. Obrigada por nos dares prosa tão inspiradora.
Obrigado Fernanda. Que belo o que escreveste. Tão bom seres presença neste espaço. Abraço
A vida é um livro por abrir. Abrimos e viajamos, sonhamos ,aprendemos.
Na vida só não sabemos como e quando será o fim.
Obrigado Isabel. Sim, tanta verdade nas suas palavras. Grato. Abraço
Atrevo- me a pôr um título a este texto: O ” Sonho” para mim é isso faz- me ficar a sonhar. As suas palavras têm esse dom… Boa tarde Jorge, abraço alcina batista batista.alcina@gmail
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Obrigado Alcina. O sonho, sonhar, que bom! Que bom ler o seu comentário. Abraço
Viajar, sempre e muito. Desde que nos desatam do nó umbilical, passamos a aprender a fazer e desfazer os nós da barca da vida que nos leva por ventos, marés, bonanças, tempestades e luares… bravos marinheiros, capitães de nau, náufragos ou piratas, almejamos o sol poente do outro lado do horizonte.
Viajante convicto, a partilha dos teus diários de bordo são sempre um privilégio. Bem hajas, meu amigo.
Obrigado Ana. Que bom que gostas de me ler. Que orgulho ter i, comentário teu. Nem calculas como é gratificante. Como gostamos de viajar! Abraço.
“Tempo para pensar”… A viagem da vida iniciando com a constante aprendizagem, os sonhos , a poesia e todo o seu encanto. Mais uma excelente crónica de poesia, sensibilidade, carinho e afectos. A Isaurinda com o “seu pano na mão” maravilhada e orgulhosa de ” seu menino” . Quão é delicioso lê-lo , Mestre ! Um abraço.
Obrigado Ana. Viajar através dos sonhos. Levar e trazer vida. Pensar no futuro.
Uma viagem fascinante que nunca sabemos quando nem como acaba. Uma navegação que exige coragem para enfrentar tempestades.
Tu, eterno viajante, conheces a arte de viver!
Já dizia o Vinicius “a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”
E é tão bom, ao longo desta viagem, encontrarmos gente de bem, gente de afectos, gente como tu. Obrigada, meu Amigo!
Obrigado Maria. Viajar é um desígnio. Uma vontade que não se deixa dominar. Ir em busca de gente para amar. Abraço-te
Amei Poeta. Este caminhar, este navegar no meio da vida, no meio do nada. e ter tempo para ler, escrever e pensar. Crescer por dentro. Fantástico! Obrigada, amigo Jorge.
Obrigado Ana Bela. É semprr gratificante ler palavras como.as suas. Abraço
A vida tem caminhos fantasticos floridos, cheios de frutis coridos e riachos para nos refrescarmos!!!!….Depois tem outros, muito tortuosos, cgeios de precipícios que por vezes nis teixam devastados, sem vontade de terminar a viagem……só com muita força….muita coragem, passamos o cabo das tormentas…..
Apesar de tudo, temos uma missão a cumprir, temos de fazer valer a pena chegar ao termo desta viagem, com muita dignidade, se possível com alegria…..em busca de alguma felicidade…para nós e para os companheiros desta viagem!!!
Um abraço e obrigada por mais im excelente texto!!!!!!
Obrigado Raquel. Sim, a vida por bezes é cruel. Mas há o sol e o mar e podemos inventat futuros. Um abraço enorme.
O caminhar da vida descrito na forma mais perfeita. Pura poesia que encanta e me faz crescer e acreditar num mundo melhor.
A Isaurinda refila, mas tu sabes que és a Luz dos olhos dela. E o nosso poeta, o nosso mágico, o nosso mestre. Tão bela esta crónica Jorge. Obrigada.
Obrigado Cristina. Que generosas são as tuas palavras. É tão gratificante. Abraço.
Maravilhoso texto, uma magnífica reflexão sobre os tempos que, mais permanentemente agora, se vivem. E tudo explicado numa estória ( história?) bela, do ” caminhar na vida “, em mares, barcos e marés, sereias que os encaminham procurando alcançar o horizonte. E de uma forma afectiva falas no aprender, crescer, viver o agora, pensando num mundo melhor.
Às vezes sucedem-se tempestades, zangas, ventanias, que vêm e passam, pois tudo é viver. Saber das amizades, ter amigos sinceros, unirmo-nos à volta de ideias e ideais. Sabermos pensar e falar sobre o mundo e ultrapassar as diferenças. Somos ” pequeninos” de repente. Aproveitemos, então, as marés mais tranquilas para ultrapassar qualquer tempestade.Às vezes, depois da ” borrasca” vem o Sol de dia e as estrelas da noite para iluminarem os nossos caminhos.” Da vida só conhecemos que chegámos e que partiremos. Não nos lembramos de uma e não sabemos da outra.
” Sem este mistério seria diferente o viver” , dizes. Concordo, sim.
Vou aproveitar a Isaurinda e, de pano na mão, caminharei com ela.
Gostei desta crónica sobre a vida de cada um de nós e de todos. Caminharemos unidos na luta pelo tal horizonte que nos desafia, mas nos impele a percorrer terras e mares. E todos chegaremos ao dia em que, partindo, deixamos somente o que fomos enquanto ” gente”. Até ao próximo dia.
Obrigado Ivone. Tu és indispensável em qualquer biagem. Caminhar contigo é obrigatório. Sempre tão generosa. Abraço.
Caminhar na vida é uma experiência única, é mesmo e passamos uma vida inteira a aprender e chegamos a velhos com a perfeita noção de que precisávamos de nascer outra vez porque toda a vida apenas chegou para termos consciência de que nada sabemos.Grande abraço Jorge e até para a semana.
Obrigado Maria da Conceição. É tão curta e tão longa esta vida. O caminhar. O descobrir o caminho. Abraço.
Gostei muito. Uma crónica fantástica. Obrigada amigo.
Obrigado Rsmeralda. Grato pelas suas palavras. Abraço.
Essa mania de viver o lado bom da vida mesmo com intempéries não é para todos. Costumo dizer que são seres iluminados,tipo ” Os Últimos Samurais” um código de honra entre a terra,o mar e o céu.a triologia perfeita para quem sabe admirar o horizonte.Abraço meu querido amigo.
Obrigado Célia. Há sempre um lado da vida que bale a pena. Belas as tuas palavtas. Palavras que valem a pena. Abraço.