Saudade
Somos os fundadores da saudade. Dela somos pais, mães, padrastos, madrastas, irmãos, irmãs, filhos, bastardos sem nome. Até há quem se chame Saudade. Acho que a inventámos quando inventámos a aventura. Usamos e abusamos dela. Somos sôfregos e sofremos com a sua melancolia. Porque isto de inventar uma palavra, não é apenas uma questão de juntar letras. Há significados, categorias, definições, sentimentos envolvidos. Um ror de teimosas características que umas vezes nos encantam e outras nos enfadam. Fui amigo da fada da saudade. Zangámo-nos num dia de nevoeiro em que o menino-rei não apareceu. Uma saudade que perdura.
Tenho saudades tuas! Quantas vezes já ouvimos e dissemos esta frase. Quanta vezes chorámos ao lê-la, ou escrevê-la. Quantas vezes nos dispusemos a matar a saudade e ela ressuscitou sempre antes do terceiro dia. Porque a saudade nunca morre. É coisa que nasce connosco, connosco vive e vai. É fado. É canção. É um marinheiro bêbado, com uma garrafa partida na mão, num bar obscuro. É a prostituta que perdeu o filho. Os barcos sem amarração. Uma viagem sem destino. Uma âncora enferrujada.
Há saudades que matam. Há saudades que nos fazem viver. Tudo depende da esperança que temos em quebrar o enguiço. Corremos à volta de uma placa, fugimos aos carros e procuramos o nosso desejo. Assim suamos gotas de suor saudade. Gotas de um gosto amargo. Nunca sabemos quando vem a gota que nos alegra a vida. Nunca sabemos quando aparece o corpo esperado. Nunca sabemos do anjo que nos pode tocar e mudar o nosso mundo.
Quando aparece o ambicionado desígnio, há quem passe a ter saudades das saudades perdidas, e assim inventa uma nova saudade. Está, então, criado um circuito fechado. Um labirinto sem saída. Ficamos isolados numa ilha sem ruas e onde nem os piratas chegam. Somos os eremitas em buca da descoberta impossível. Vivemos na saudade contínua. Vivemos quase sem vida. Apenas umas abertas de céu e todas as asas perdidas. A saudade feita sacrifício. Assim arrastamos o corpo. Um branco níveo, o imenso descolorido.
A prostituta recuperou o filho e agora, por vezes, tem saudade do vestido de lantejoulas que deitou fora. O marinheiro ficou sóbrio e encontrou o rumo e tem, agora, saudades da navegação sem rumo, de se perder nos Oceanos. Porque a saudade é também uma insatisfação permanente. Um barco fantasma. Um mar sem fim. O horizonte onde nunca chegamos. Uma rocha a aparecer do nada. Um vulcão a cuspir ansiedades.
Há quem diga que só tem saudades do futuro. Do que ainda não viveu, do que não sabe se o vão deixar viver. Do sem-fim que teima em ficar cada vez mais longe. Porque dizem que, para tudo, há um fim. Ter saudades de um corpo volátil. De um transporte no tempo. De uma cama definida no espaço. Ter saudades de viver mais e saber mais, de alcançar esse dom que só os sábios atingem. No final voltar a viver numa caverna e pensar com as pedras.
Tenho saudades tuas. Outra vez a mesma frase. Agora noutra carta. Uma carta escrita a sangue. Um papel lustroso. Um envelope de boa gramagem. Um luxo de saudade. Um luxo sofrido. Uma violência assumida. No fim os versos de um fado antigo guardados nos seios de uma fadista.
Chega de saudade!
«Olha, eu também acho que sim. Sabes, por vezes tenho “sôdade” da minha ilha.»
Voz de Isaurinda.
«Eu sei, está prometida a viagem. Havemos de ir ao Fogo.»
Respondo.
«Promessas e a saudade a roer…»
Isaurinda de novo e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Nov/2017(146)
Excelente texto.
Obrigado Isabel. Que bom ter gostado. Abraço.
Saudade,esse sentimento tão forte
Quem nao sente
Temos saudades dos que partiram
Saudades dos que estão longe
Quantas vezes sentimos essa dor no coração
Vamos vivendo a saudade
Vamos sentindo de forma nostálgica
Tao bem que nos faz recordar
Obrigada,Jorge!!!
Obrigado Maria Helena. As saudades da saudade. A vida presa por uma nostálgica palavra. Abraço.
Nada mais há a dizer sobre Saudade que não esteja contemplado neste maravilhoso texto.
quanto a mim, gosto de sentir saudades, o mesmo será dizer que se gostou do que se viveu . E do futuro? Poeticamente podemos dizê- lo como Teixeira de Pascoaes .
Gostei muito da tua crónica, meu amigo. Sinto saudades tuas .
Beijinho
Obrigado Lénea. Ai as saudades que nos dão vida. Saudades. Abraço
Saudade tenho saudades de ter saudades. Obrigada mais uma vez pelo texo ,,fico com saudades para o próximo
Obrigado Isabel. Tantas as saudades que a saudade tem. Abraço
Saudade, nas entranhadas da nossa cultura. País de marinheiros, pescadores, emigrantes, de tantos vivos ausentes, por séculos.
Sinto saudades, sim, dos que amo, me fazem bem e não estão à mão. Assumo a saudade das carícias, do riso, das cumplicidades…
Não sinto saudades do seu oposto e tenho raiva a certos saudosismos.
Gostei da sua Saudade. Obrigada.
Obrigado Fernanda. Saudades de nós a maior saudade que vive connosco. Assim fomos talhados, Abraço
Quanto mais vivemos mais saudades temos. De quem partiu, dos amores que se perderam, do que ficou por viver, dos sonhos que se esfumaram, da inocência…
Gosto de guardar algumas saudades. Cuidar delas com delicadeza, para que não se percam. Gosto da saudade que muitos momentos me deixaram. Quer dizer que os vivi!
Sei que, também tu, guardas saudades boas! Das pessoas, dos momentos, das viagens que tens feito… só assim poderias escrever da saudade com esta enorme ternura e beleza, sem qualquer ponta de vulgaridade.
Obrigada, Jorge! E diz à Isaurinda que eu também tenho “sôdade” dessa ilha onde ainda não fui.
Obrigado Maria. Saudades das coisas feitas e por fazer. Saudade da vertigem, da quase loucura, Saudades bravas. Abraço.
Escreves aqui sobre a saudade sem lamechices e conseguindo evitar um texto de tipo lugar-comum.
Lembra-me a “Sôdade” na voz de Cesária Évora, ou “O Labirinto da Saudade” de Eduardo Lourenço.
A propósito: tenho saudades tuas. Até quando? 🙂
Beijos, meu amigo.
Obrigado Sofia. Sempre a saudade presente no nosso caminhar. Imensa a saudade do abraço amigo. Abraço.
Brilhante dissertação sobre a saudade. Palavra muito nossa e triste. Normalmente temos saudade de tudo que já foi. Mas tudo foi focado no seu texto. Excelente. Obrigada. Parabéns.
Obrigado Isabel. Ter saudades do futuro, a eterna magia. Abraço
E quando dizemos: – vou sentir saudades. O sentimento antecipa-se já com dor. Partir com a certeza na alma. A vida ja nos ensina a defender-nos. Pois se já sabíamos que iria ser assim, nao nos custa tanto. A própria palavra em si ja contém essa tristeza tão nossa, tão portuguesa. Cabe-nos a nós saber lidar com ela. ‘Adeus tristeza até depois’…..diz Fernando Tordo….
Obrigado Ana Bela. Dizer adeus à saudade e fivar com saudades. Abraço
‘Saudade, palavra triste, quando se perde um grande amor’… ‘tenho saudades de tu, meu desejo’… ‘sôdade, oh sôdade, sôdade es ‘nha terra S. Nicolau’… assim me ocorre imediata e musicalmente a eterna saudade, tão cantada nesta língua de Camões.
Que excelente explanação teceste sobre este sentimento tão nosso.
Quando mato saudades… não me condeno!
Recebe saudades minhas, meu amigo.
Obrigado Ana. Saudade palavra nossa. Nosdo fado saudades de ti. Abraço
Maravilhoso texto sobre um tema que muito me diz, Jorge.
Toda eu sou saudade. Desde que me conheço, sempre senti saudade. De quê? De quem? De tudo.
Obrigada e um abraço com saudade.
Obrigado. Manuela. Tanta saudade aprendida, tanta saudade esquecida. Tanta a nossa saudade. Abraço
Um texto nostálgico de saudade imensa.Muito é demais, quando embrenhamos no papel dessa saudade por vezes ruidosa.Como sempre,e não me canso de escrever que anseio pela segunda feira, para virar mais uma folha deste teu escrevinhar.Abraço meu amigo.Até que a saudade chegue na próxima segunda…
Obrigado Célia. Como.se mede a saudade? Como se gasta e nos desgasta. Saudade viva. Abraço
Olá amigo/ irmão. Estás melancólico e lembraste a saudade. O que será, verdadeiramente a ” saudade”? Um estado de espírito? Uma dor ? Um prazer ? Um magoado acordar?Saudades de ser menina eu tenho, porque fui muito feliz. Crescer é bom, mas que mal sabemos o que às vezes custa.
Depois vêm os primeiros amores e as saudades quando se afastam. Saudade de trabalhar e ser reconhecida pelos doentes, quando tudo fazia com o coração e ainda era paga para isso. Saudade de quem já partiu. Saudades de quem demora a chegar.
Não tenho saudades de quem não tem afectos, só vive para o seu umbigo. Queria não ter saudades de quem não merece. Não quero ter saudades de ter saudades.
Jorge, meu amigo/irmão, tenho saudades de ti. Desculpa a criatividade estar afectada por um mal.estar passageiro e ter saudades das palavras que brotavam com facilidade.
Vou com a Isaurinda e o seu pano na mão. Àmanhã vou ler-te e ” mato saudades” Beijinhos com muita ternura.
Obrigado Ivone. Tantos e tão variados são os movitos que trazem a saudade. A saudade imensa de um afecto. Abraço.
Sentimos saudade de algo ou de alguém que outrora nos trouxe felicidade. Saudade é um sentimento muito doloroso, que nos remete a lembranças de tempos passados e seus contextos. Grata pela sua maravilhosa crónica de um tema muito sofrido, a “Saudade”. Um abraço.
Obrigado Ana. Viver e reviver na saudade a melancolia dos sentidos. Saber matar saudades. Abraço
Obrigada por esta bela crónica. “Saudade” é uma das palavras mais usadas, descreve sentimentos de perda, distância e amor. “Quem nunca a usou”
Obrigado Ana. Viver e reviver na saudade a melancolia dos sentidos. Saber matar saudades. Abraço.
Obrigado Esmeralda. Saber da saudafe. Essa palavra nossa. Esse mando e desmando. Abraço
Absolutamente encantada com esta arrebatadora crónica!
Querido Jorge, dizes tanto e tudo tão bem dito sobre este sentimento tão poderoso.
“Saudade” – Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! de que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…
dizia a enorme Clarice Lispector em relação à saudade. “Esta palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos”.
Partilho, claro, esta maravilhosa “Saudade”.
A ti e à minha querida Isaurinda deixo um enorme abraço de “sôdade”.
Obrigado Cristina. Citaste Clarice, essa minha paixão. Fiquei com a saudade em brasa. Um fado onteiro enrolado na garganta. Abraço
Saudade a todos chega, a todos toca.
Saudades de pessoas, de momentos felizes, de cheiros e, tantas vezes, daquele abraço.
Obrigada pela excelente crónica. Um abraço.
Obrigado Idalina. Saudades vão, saudades vêm. Embalo de tormentos. Abraço