Crónicas de Jorge C Ferreira | O Pântano

O Pântano

 

A indecência da decadência. O arrastar do mal viver. O lodaçal. A lama. Houve quem lhe chamasse “O Pântano” e se demitisse numa longa e antiga noite. A degradação cada vez mais acentuada, os conluios de um bloco central  de interesses há muito tempo a partilhar o poder. O tal “Arco do Poder”. Gente que se arrasta de falsidade em falsidade. Gente apanhada em flagrante mentira. Gente que não resiste ao som do vil metal. Muito amesendado do orçamento. Muitos a saltitar de lugar em lugar. A entrar e a sair de governos e entre eles a gerirem empresas que tutelaram enquanto governantes. Um regabofe.

Assistimos a todos os ingredientes do que chamo: Uma monarquia republicana. Uma república que importa tudo o que a monarquia tem de pior. Os negócios em família. Os maridos, as mulheres, as amantes, os filhos, as filhas e os enteados. Uma trança que de tão entrançada se vai comendo a si própria. Uma autofagia. Uma gentinha que nunca se farta de nada. Tudo é sempre pouco! Não me venham dizer que este é um preço que temos a pagar pela democracia. Não! Isto é o verdadeiro perigo que pode pôr em causa a democracia.

São teias de infindáveis interesses. Coisas que, por vezes, cheiram a outras “famílias”. Se há nomes que me incomodam de forma solene, são: “Os Pais das Pátrias” e os “Imprescindíveis”. Tudo balelas para encher o olho aos menos avisados. Calhou-nos nascer neste rectângulo, sofremos, sobrevivemos, hoje podemos, olhando para o que se vê pelo mundo, considerar que somos pessoas com alguma sorte. Mas, como se usa dizer, a sorte dá muito trabalho e temos de cuidar do que temos.

A coisa pública merece melhores servidores, dão-nos a possibilidade de escolher. Não podemos sacudir as mãos e passar ao lado da nossa responsabilidade. Temos de ter sempre presente que é entre a humana gente que temos que escolher. Não esperemos, nunca, providenciais criaturas. Esse é um erro que sai caro. Não é tempo de esperar por um D. Sebastião a surgir do nevoeiro. Dizem que somos um País de Poetas, talvez esteja aí o nosso caminho. Fazer da vida um belo Poema. Dar a volta às falsas palavras.

Podem não acreditar, mas custa-me ver ministros, secretários de estado, deputados, a arrastarem-se como se levassem grilhetas nos pés. Os interesses e o poder pelo poder. Sinto uma dor que não sei explicar ao ver determinadas entrevistas. Os lábios a tremerem. A tez a perder cor. As perguntas fatais. Quase o caminho para um matadouro.

Não entendo como o valor que se dá ao dinheiro parece tão diferente, quando se fala do “Rendimento Social de Inserção” ou dos chorudos subsídios para determinadas instituições, ou do que nos roubam para salvar os bancos. Não me venham falar dos problemas sistémicos. Eu quero é olhar para as pessoas.  De que tem servido salvar os bancos e apaparicar os falsos banqueiros, para a vida dos sem-abrigo?

É que isto cansa! Cheira a podridão. Não estamos no carnaval e ninguém estoirou garrafinhas de mau cheiro. São determinadas pessoas a passar. É o tal “Pântano”. Vamos ser corajosos. Vamos ser exigentes. Vamos conseguir acabar com o faz de conta, com a feira de vaidades.

«Hoje dou-te razão. É tempo de exigirmos a liberdade e a justiça toda a que temos direito.»

Voz de Isaurinda.

«Sim, minha querida, mas tudo sempre em liberdade. Nunca largar mão desse bem precioso.»

Respondo.

«Liberdade sempre!»

Diz Isaurinda e vai. O pano na mão como se fosse uma bandeira.

Jorge C Ferreira Dez/2017(150)

 

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24 Thoughts to “Crónicas de Jorge C Ferreira | O Pântano”

  1. Branca Maria Ruas

    Sou (sempre fui!) pela transparência, pela honestidade, pela seriedade, pela responsabilidade.
    Só assim entendo a LIBERDADE!
    Fui educada nestes princípios. A importância do SER perante a insignificância do TER.
    Penso que sempre houve gente desonesta mas agora dá-se mais por isso. Não percebo como é que ainda há quem tenha “a lata” de ser vigarista quando sabe que tudo se descobre… é uma questão de tempo! Provavelmente acham que o crime compensa. E a consciência? E a vergonha? E o respeito por si mesmo? E a imagem que dão os filhos?
    Há coisas que me fazem muita confusão…
    Mas também sei da facilidade que existe em “queimar” uma pessoa. Não estou a personalizar nem a desculpar ninguém. Apenas sei que há gente sem o mínimo de escrúpulos, que não olha a meios para atingir os objectivos. E, como tenho a tendência para me colocar no lugar dos outros, penso que deve ser um sufoco impossível de aguentar quando alguém, que tem a consciência tranquila, é acusado(a) do que não fez!
    Por isso, devemos ter os olhos bem abertos, pensar pela própria cabeça e não entrar na “onda” mais fácil.
    E depois, temos a poesia que nos faz acreditar nos sonhos. Temos as utopias que nos ajudam a continuar o nosso caminho. E temos filhos, netos, sobrinhos, alunos, ,… a quem devemos dar o exemplo do que fazemos e não do que dizemos que deve ser feito. Penso que é por aí, pela educação e pela arte, que conseguimos mudar as coisas.
    Desculpa ter-me alongado no comentário.
    Um grande abraço, querido Amigo!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria. Sabes o ter, o dinheiro, o poder, torna-se numa adicção. Uma droga dura que faz esquecer todos os princípios. Há gente que cria verdades a partir de falsidades e passa a vivê-las. Temos de ser mais exigentes. Abraço

  2. Afonso valente batista

    Está tudo dito. Gastastes as palavras todas, aquelas que denunciam a verruga maléfica onde nos despenhámos. Mas uma esperança ainda vai germinando por ai porque, por mais canalhas que eles sejam não sabem como matar a utopia.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Afonso. É a utopia que nos faz caminhar. Chegaremos. A canalha a devorar-se. Abraço

  3. Ana Pais

    Uma incisiva crónica e tão assertiva acerca dos sucessivos governos que nos colocam em risco de perdermos a Liberdade. A ganância pelo poder, vaidade , desrespeito pelos cidadãos e sobretudo o egocentrismo , toda esta triste realidade, é preciso dizermos basta. Faremos como a Isaurinda , de pano na mão, sua bandeira , lutaremos pela preciosa Liberdade. sempre… Bem haja poeta Jorge por tão belas crónicas que nos presenteia. Um abraço e seja feliz.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ana. Acordar e desfraldar bandeiras. Ser exigente. Saber os nossos direitos. Abraço.

  4. Isabel Pires

    Viva a Liberdade com justiça. Abraço de quem também desceu a avenida om a bandeira da Isaurinha na mão.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Vamos encher as avenidas. Vamos gritar justiça, liberdade

  5. O início do texto, associei-o à decadência de algumas idades cujo peso foi aumentado por factores de saúde.
    Depois, vi que se tratava de outro contexto.
    Um texto que me pareceu levemente diferente do teu registo habitual. E certeiro, incisivo. Sempre fiel à verdade e em busca de justiça.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Sofia. A justiça essa busca incessante. Lutar até ao fim. A liberdade sempre.

  6. Fernanda Luís

    Pântano. Crónica genial. Faço minhas as palavras da Isaurinda e não só. Aliás, subscrevo na íntegra.
    Não exercemos a cidadania, demitimo-nos… Passividade, comodismo, individualismo…
    Permitimos esta promiscuidade escandalosa.
    Pois é, não podemos baixar a guarda.
    Viva a liberdade.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Fernanda. Minha generosa amiga. Sim, a liberdade sempre. Abraço

  7. Maria da Conceição Martins

    Pois é Jorge todos os dias somos surpreendidos por gente como esta , políticos e não políticos , que se servem dos seus lugares, dos seus cargos para se aproveitarem dos outros. Como é possível não terem pudor em apresentar sinais exteriores de riqueza numa sociedade em que tantos lutam pelo mínimo da. sobrevivência. Não sei se isto terá solução. É mesmo um pântano o mundo em que vivemos. Abraço Jorge.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria da Conceição. Muito depende de nós. De sermos mais exigentes, de não deitarmos fora os nossos direitos. Exercer a cidadania. Abraço

  8. Regina Conde

    Gente que se deslumbra apenas por números e dinheiro tem cheiro pestilento. De corpo e alma é feita a Liberdade. Magnífico texto. Deixo-te um abraço Jorge.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina.Liberdade sempre.

  9. Ivone Teles

    O pântano, sim. Que crónica tão lúcida, real, tão verdadeira. A feira de vaidades num país que começa a cheirar mal.Cheira apodre, como dizes. Não há carácter, vergonha, dignidade. Só o dinheiro, roupa cara, grandes e potentes carros para mostrar que se é rico, serve. Parece que poucos se lembram de como temos de olhar para quem mais necessita para viver.Quem se lembra que só livres podemos ser dignos ? Onde estão os valores gritados por poetas naquela madrugada inteira e livre? Tu, querido amigo,que também desceste as avenidas, como podes estar contente com as trafulhices que vês,ouves e lês? Tão triste para quem ama as gentes deste chão.Mas vamos lutar por um mundo melhor, querido amigo. Não vamos deixar morrer os nossos sonhos. E, livres, com a Isaurinda e o seu pano, sua bandeira, voltaremos a lutar. beijinhos

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone. Criar novas mentalidades. Ser mais exigente. cuidar da liberdade. Esssa nossa eterna amante. Desmascarar os falsos profetas. Abraço.

  10. Célia M Cavaco

    Ao ler o texto,lembrei-me de um grande actor que numa visita a Portugal enalteceu a alma lusa e a grandeza de valores no nosso país.Actor bem humorado respondeu a toda a entrevista sem comparar o nosso com o dele.Até que a jornalista,afirmou,o seu país tem toda a beleza natural,até as pessoas gostam de sorrir e levar a vida sem preocupações.O cavalheiro olhou-a e disse-lhe: Alguém reclamou com Deus,porque tem aquele país tudo melhor que o resto do mundo? Deus na sua infinita paciência respondeu: Espera pra ver a gentinha que eu vou colocar lá para viver…
    Não sei se não fomos nós,melhor,os feios porcos e maus que deixaram raízes de mau carácter por lá ,o certo,é que nós um pais à beira mar plantado deixa muito a desejar com tanta gentinha de formação de carácter.Tanta corrupção,tanta ânsia de poder…que tenho dias de pensar,como será a democracia…Sonho? Utopia?…

    Um abraço querido amigo,já agora,um democrático feliz natal

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Célia. A culpa não é do povo. Culpo mais as medíocres elites. Viva a Democracia inteira. Liberdade sempre. Abraço.

  11. Esmeralda Machado

    Gostei muito da sua crónica amigo Jorge.
    Boa Isaurinda !!! Viva a Liberdade e à Justiça que temos direito.
    Um abraço amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Esmeralda. Liberdade sempre.Abraço

  12. Idalina Pereira

    “Uma gentinha que nunca se farta de nada “.
    E vão “passeando” pelo poder como se fosse tudo deles.
    Isto não é o preço da liberdade.
    Crónica muito atual.
    Não se canse de escrever. Um abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Idalina. Cansa-me uma certa noção de impunidade que reina em certas cabeças. Gente imbecil que nos quer fazer de parvos. Abraço

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