Este País
Sofro ao ver as mulheres do meu País à porta das fábricas, as caras sofridas, os olhos magoados, a vida a fugir. Tenho nojo dos ordenados em atraso. Tenho nojo de quem usa o trabalho de alguém e não paga. Vem-me um nome à cabeça: escravatura. O cutelo do despedimento sobre a cabeça. A selvajaria das multinacionais. O capital sem nome. Os fundos abutres. Gente sem princípios. O dinheiro sujo.
Ao mesmo tempo sinto orgulho ao ver a capacidade de luta dessas mulheres. A sua capacidade de resistência. A sua vontade. A sua generosa entrega. Os turnos de vinte e quatro sobre vinte e quatro horas para tentarem evitar o roubo do seu trabalho e dos seus instrumentos de labuta. Bens que sabem que, possivelmente, não irão chegar para pagar o que lhes é devido. Porque elas não são as primeiras a ser ressarcidas. Uma enorme injustiça!
“A lingerie de luxo. As rendas e as sedosas fitas. O cuidado e o desvelo na obra acabada. Um cinto de ligas. Um longo e vaporoso robe. Os bordados. O minucioso trabalho de quem fez. A luxúria de quem usa. “
Sou de um tempo em que vi acontecer muita coisa. Todos sabemos que as multinacionais não têm as mínimas regras de ética. São salteadores de mão de obra barata. Criam e destroem sociedades, países, gente com e sem nome. Interferem nos poderes políticos, muitas vezes, através de serviços secretos de países sem escrúpulos. Lembram-se dos “Tigres Asiáticos”? Lembram-se dos boicotes a Países com governos eleitos democraticamente? Convém não esquecer. Eles não perdoam. São aves de rapina, vestidas de fatos feitos por medida e gravatas de seda. Têm os seus serventuários espalhados pelos governos. Compram gente em todo o lado. Todo o cuidado é pouco.
Custa-me ver mulheres, com anos e anos de trabalho, serem postas na rua sem nada nem porquê. As contas por pagar. Os empréstimos, a casa, os filhos na escola. Nada disto interessa a quem toma essas decisões. São pagos para isso. Recebem, para fazerem tal trabalho, chorudas maquias. São os gatos pingados, os coveiros, de uma sociedade que vai admitindo a sua nefasta presença. Há quem diga que alguns caem para dentro das covas que abrem para os outros. Ninguém os irá salvar. Porque esta gente nunca olha para ninguém. Não tem amigos. Vive enredada numa teia de interesses. Numa compra e venda de favores. Irão ficar sós a lamber o dinheiro com que serão enterrados.
“ As camisolas com a marca exposta. O luxo e a qualidade. O orgulho de fazer bem. As calças da moda. A ganga rasgada e puída. Tudo para vestir de cima a baixo. O sofrimento de quem faz. A vaidade de quem veste”
Dizem que estamos a crescer. Vendem-nos alguma euforia. Convém, no entanto, ter presentes alguns sinais que me parecem preocupantes:
– Fecho de empresas;
– Ordenados em atraso;
– Ameaças de deslocalização;
– Bolha imobiliária;
– Crescimento do crédito para consumo a níveis preocupantes;
– Anúncio do possível aumento das taxas de juro;
– Suspeitas sobre o sistema de justiça;
– Etc…
Todos sabemos como explodem as coisas. Todos sabemos que, se houver contas a pagar, seremos sempre os mesmos a fazê-lo.
Já não consigo ouvir as piranhas, que vêm para a televisão, meter medo sobre a deslocalização das empresas. Gente que, sabemos, ocupa cargos em sítios onde quem deslocaliza manda. Lugares onde foram postos pela sua canina obediência e não por qualquer mérito.
Devemos estar atentos às cíclicas crises, ao que vamos ser chamados a pagar de novo!
«Tu nem me fales em mais crises! Estou farta. Já me falta pachorra para tanta estória mal contada.»
Voz de Isaurinda.
«Temos de estar alerta. Há sinais que me preocupam. Só isso.»
Respondo.
«Tu, quando falas, parece que agoiras. Cuidado contigo.»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Mar/2018(160)
Como dizia E.A. as palavras já estão gastas, meu amor. Mas não podemos calar. As mulheres continuam a ser vítimas de empresários que lhes sugam o sangue e as vísceras, que as deixam curvadas de tantas horas vergadas a trabalhar com máquinas e as mãos com que deviam afagar seus filhos pela noite estão doridas das tesouras e picadas das agulhas. Os olhos estão cansados e nem uma pequena estória lhes conseguem ler para os adormecer. Enquanto isso, pavoneiam-se pelas cidades e pelos carros de luxo até descapitalizarem completamente as empresas.Acordam um dia pela manhã, vão ao banco e com a maior das calmas chegam à fábrica e dizem que não dá. Sem dó nem piedade vai assim o mundo e o nosso pais para onde quer que a gente se vire. Vergonha. MULHERES AO COMBATE! Levem as máquinas para casa, no mínimo…
Obrigado Fernanda. Tu és mulher. Tu sabes. Tu sentes. No que escreveste está tudo dito. Começaste com uma alma enorme. A voz única de EuGénio. Que bom. Abraço
Um texto de, derradeira, verdade. De lucidez e revolta. As palavras feitas vísceras. Muito bom!
Obrigado Isabel. A revolta nunca nos deve tolher o raciocínio. Eles tudo fazem para nos roubar o pensamento. Não serão capazes. Abraço
Que assunto tão na ordem do dia Jorge!!! E comoo o jorge descreve tido tãio bem!!!
Infelizmente é tal e qual o Jorge descreve…..
Um abraço!!!! Obrigada por mais um alerta a despertar consciências!!!!
Obrigado Raquel. Vamos acordar e dar a volta à vida. Abraço
Na semana em que se celebra as conquistas sociais, econômicas e políticas das mulheres , tu dás voz através das tuas sábias palavras a estas mulheres lutadoras . Tão bem descrito o que sentimos. Depois, o teu olhar sempre atento , mostra-nos de uma forma extremamente lúcida esta falsa facilidade do crédito – quantas famílias destruídas eu tenho conhecimento por se terem deixado iludir. Obrigada, querido Jorge pelo teu olhar sempre tão atento e oportuno. Abraço.
Obrigado Cristina. Este problema é de homens e mulheres. É uma sociedade onde os valores se vão esboroando. As mulheres contonuam a sofrer mais. Abraço.
Gostei de ler esta crónica como gosto de todas, simplesmente a de hoje calou mais fundo na minha alma .
O sofrimento das mulheres que lutam por manter o seu posto de trabalho e enfrentam o mundo com a sua coragem . A coragem das mulheres é a melhor homenagem que se poderia fazer nesta semana em que se festeja o seu dia- 8 de Março . E ele é precisamente festejado para lembrarmos outras mulheres que no passado derramaram o seu sangue por lutas iguais .
Bem hajas, Jorge, meu amigo .
Abraço
Obrigado Lénea. As mulheres são o pilar mais importante da sociedade. Elas são a maioria. Será deles o enorme grito da liberdade. Abraço
A palavra mais usada neste século é a palavra terrorismo,e,nem sempre terrorismo é a granada ou o explosivo mais mortífero.Há o terrorismo encapuçado por esses senhores de fato e gravata que tiram a alma das gentes que lhes deu o maior lucro que lhe serviu para a tal mansão,o tal carro amarelo de velocidade tanta que é preciso milhares para a sua manutenção.Terrorismo é também despir a vida de todas essas mulheres que ficam com a alma por vestir tal os sentimentos que ficam a nu na raiva e nas lágrimas impotentes perante esses abutres que mais não são terrorista vestidos de Yves Saint Laurent ou outro…
Obrigado Célia. Que leitura a tua! Que bom ler o teu comentário. Abraço.
Obrigada amigo pelos seus alertas. Tempos bons não virão. Ler com atenção tudo o que o meu amigo escreveu. Obrigada
Obrigado Esmeralda. Vamos acreditar. Bamos fazer por isso. Abraço
Partilho por inteiro das suas preocupações tão pertinentes.
Na qualidade de mulher, gostei e agradeço imenso de que se tivesse lembrado das trabalhadoras em grande sofrimento, lutando pelos seus direitos. Será que nesta selva ainda poderemos falar de direitos? Enfim!
A espada sempre apontada à cabeça pelos tiranos, um sufoco.
“Eles comem tudo” – saudade do querido Zeca Afonso, grande lutador, sempre ao lado dos oprimidos.
Alerta sempre.
Escrita brilhante. Abraço.
Obrigado Fernanda. A falsa de regulamentação dos direitos no trabalho. O trabalho precário. . A lei do mais forte. É necessário dar a volta às coisas. Abraço
Tão verdade Jorge. Dói ver tanta gente sem trabalho e muitos que trabalham e com medo do nada aceitam o menor de tudo, como muito bem disse a nossa amiga Ivone, no seu comentário. E não me parece que as coisas estejam a melhorar.Enfim,não percamos a esperança… Abraço Jorge.
Obrigado Maria da Conceição. Sim, nunca perder a esperança. Acreditar e fazer acontecer. Abraço.
Como vai mal ” Este País “. E como tens razão. Lemos-te a doem-nos as palavras tuas. As trabalhadoras que lutam,porque numa decisão de desemprego serão as primeiras . Fortes estas mulheres que não cruzam os braços. Tantas têm os companheiros na mesma situação que parece ainda mais difícil. Elas acumulam as tarefas caseiras, o cuidar dos filhos e, assim, apesar de cansadas não cruzam os braços. Há que lutar por todos e há muitas mulheres guerreiras.
Gostei dos alertas que deixaste para os que, iludidos com falsas novas oportunidades, se aventuram em empréstimos convencidos que os ajudam. Leiam o que tão bem disseste com as tuas sábias palavras.
E assim vai morrendo o tecido produtivo de quem quer trabalhar. E se alguém tiver que pagar não são os que beneficiam de benesses que o fazem. São os que tentam equilibrar” este mundo que não é para Velhos, nem para novos, nem para os de meia-idade .” As crianças crescem em famílias desorientadas, com pais que lutam e desanimam com tanto ” não, não, não ” à porta dos Centros de Emprego. E só não vê, quem procura” tapar o Sol com a peneira ” Porque convém que, com o receio do nada, se aceita o menor de tudo.
Obrigada querido Jorge, meu amigo/ irmão, por trazeres estas preocupações a quem necessita não ser enganado. Lutar é necessário e nunca se pode esquecer o que a canção nos grita ” Lutaremos, lutaremos, com as armas que temos na mão, ”
Agora acompanho a Isaurinda, fiel como poucas. Beijinhos Jorge e muito obrigada.
Obrigado Ivone. Tu dizes sempre tudo. A mim só me resta agradecer-te. Tu entendes tão bem o qu tento dizer. Abraço
Obrigado António. Que bom vê-lo por aqui. Nunca perder a esperança. Acreditar sempre que a verdade é mais forte. Abraço.
Numa guerra em que uns têm o dinheiro e o chicote na mão não pode ser ganha por quem precisa de pão sem ter como o ganhar.
A força do trabalho de muitos só tem peso nas contas bancárias de uns poucos.
Sonhar, é fácil, porém isto tem que ter um fim!
Um dia se verá.
Um abraço, Jorge.
Obrigado António. Que bom vê-lo por aqui. Nunca perder a esperança. Acreditar sempre que a verdade é mais forte. Abraço.