Divagar
Saber do que vos devia falar e não me apetecer. Optar pela divagação. Falar de tudo e de nada. Falar das ausências que magoam. Falar dos livros que nos amarram ao sonho. Das telas que nos levam os sentidos para sítios estranhos. Da diva que canta num teatro repleto de gente estupefacta e que parece só cantar para nós. Do monólogo intenso, num palco quase sem cenário, que nos faz chorar. Do choro de um piano. Depois, escrever mais um texto e morrer de overdose. As palavras assassinas. Os longos períodos. O cio. O desafio. A tentação. A abstracção.
Nunca terminar nada. Porque nada acaba. “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” – disse Lavoisier. A renovação escrita na nossa inquietação. Esperar todos os acontecimentos e nada acontecer. O desgosto. Um colapso em marcha. A taquicardia. Uma ponte e uma vertigem. O abismo. A água gelada. Uma vontade sem razão. Um nada e um não. Um nunca acabar de ser outro. Os tantos outros que nos desinquietam. O querer experimentar o impossível. O desabar de todas as certezas.
Assobia-me o papagaio que mora numa vivenda perto de mim. Assobia a toda a gente que passa. Muitos assobiam-lhe de volta. São assobiados os dias naquela rua. Tem vários assobios o plumoso animal. O assobio do piropo, o guinchado, o alvoraçado, o indignado. Vai mudando conforme quem passa e as respostas que recebe. O meu neto responde-lhe sempre e ele não o deixa sem resposta. Eu não gosto de assobiar. Não tenho ouvido para qualquer tipo de música. Mais um desgosto que tenho. Surdo do ouvido esquerdo me confesso.
Tanto que já escrevi e tão pouco disse. Esta mania de juntar e ir brincando com as palavras ainda um dia acaba mal. Porque as palavras também têm a sua personalidade. Podem-se aborrecer de tanta jogatana e sair de jogo. Voltar a trazê-las à mesa com tampo de mármore pode ser difícil. Há palavras difíceis de domar. Palavras que destilam força e amor. Palavras fêmeas que não deixam de parar de parir outras palavras. Palavras encantadas que nos adormecem as noites. Palavras que voam como aves de largos voos.
Vou gastando o tempo numa história que não sei se alguém vai contar. Porque nem todas as histórias merecem as boas vontades da tristemente chamada “indústria da cultura”. Um nome horroroso para quem ama o belo e a arte. Caminhos bastardos de gente que só vê cifrões. Por isso amo os artesãos, os iluminados, os desvairados criadores, os malvados, os que têm asas de anjo e sabem voar, os que encafuam em si e se desdobram em endeusadas aventuras, os que gostam de amar, adoram o inesperado e se entregam sem nada pedirem em troca. Sim, eu amo a utopia. É ela que me faz viver. Sou seu amante. Podem escrever em todos os editais. Estou pronto para correr todos os riscos.
Não dever nada a ninguém. Apenas aceitar algo dos que julgamos pensar como nós. Estar sempre pronto para dar. Não recear nada. Amar os amigos. Não ter nem pertencer a listas de interesses. Viver numa solidão criativa. Gastar a ponta dos dedos num martelar constante. Saber apreciar os outros. Um bloco e uma caneta. Um teclado em que as letras mais usadas já não se vêem. Um gosto de que vale a pena gostar. Nunca ceder. Nunca dobrar a cerviz.
Amar viver em liberdade.
«Como gosto de ti como és! Nunca mudes, sempre te conheci assim.»
Voz da Isaurinda.
«Sabes que já não mudo. Se algum dia vires o menor sinal disso é porque não estou bom. Manda-me internar.»
Respondo.
«Sei que não mudas. És casmurro! Mas és leal, por isso gosto de ti.»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Abr/2018(166)
Gosto tanto deste teu divagar. Desta forma como tratas as palavras. Como delas pões e dispões ao ritmo dos sinais de pontuação. E das emoções. Palavras sem zangas nem tropeços, sem atropelos nem rabugices, palavras que deslizam, que dançam, que vão e vêm ao sabor das pulsações, escritas com aparos de pontas de estrelas. Palavras que reluzem e brilham e nos iluminam… o que eu gosto deste teu divagar, meu querido amigo Jorge. Segue esse trilho. Abraço-te.
Obrigado Ana. Sabes, são estas palavras que me alimentam, que me dão vida. Caminham comigo. Que bom que gostaste. Também te abraço.
Adorei as tuas divagações. Nelas passeei livremente, despretenciosamente . Vagueei sem rumo pelo mundo, pela vida , pela beleza ritmada das tuas palavras, pelas emoções que expressam…
Um texto lindo de morrer, para não esquecer, Jorge.
Beijo, meu amigo, e obrigada.
Obrigado Manuela. Viajar nas palavras e no tempo, uma geografia de vida. Beijinho
Quando se forma um novelo no peito que vai enrolando, enrolando as palavras como se tivesses uma dobadeira dentro de ti, aparecem as tuas, as tuas palavras a desenrolá-las, a fazer com que elas se soltem e venham cá para fora. Depois juntam-se todas, as de uns e as de outros, fazem uma nova coreografia em que os corpos se contorcem ora de dor ora de medo, ora de prazer. Um bailado diferente. Tu lanças o mote e cada bailarina/palavra dá uma forma diferente, uma expressão nova à performance e a plateia enche-se, o balcão esgota-se e nós à espera sempre da sessão seguinte. Fazes milagres. Puseste-me a escrever num dia em que eu acordei a pensar que não escreveria sequer uma letra, quanto mais uma palavra ou uma pequena resposta ao teu belo texto. Abraço.
Obrigado Fernanda. Que belo é este teu texto. Que gratificante é tê-lo como comentário. Abraço
Que belo jogo de palavras! Talento vivo numa folha de papel! Publique, meu amigo, estamos à espera que nos anuncie isso, um dia destes…Estes devaneios fizeram-me bem à alma. Fala solta que tanto nos entristece como faz sorrir ou sentir fortes….As ausências que magoam…ou …nunca ceder! E ….papagaios com muitas vozes e inúmeros assobios, eheh. Adorei! Um grande abraço
Obrigado Madalena. De tudo um pouco, como na vida. Os vários trajectos da vida. Um abraço
Fiz companhia ao autor nestas maravilhosa divagações . Porque não se quer ir directo ao assunto, embrenhamo- nos em mundos fascinantes de belos pensamentos de que as palavras bem escolhidas dão o suporte.
Não nos perdemos nestas divagações. Pelo contrário! Abriram- se caminhos que desembocaram na liberdade de escolhas .
Obrigada, meu amigo Jorge! É sempre um prazer passear contigo.
Beijos
Obrigado Lénea. Abraçar a Liberdade com as palavras que nos percorrem. Abraço
Tão lindo … É um gosto ler- te!
Obrigado. Outro abraço
Adoro as tuas divagações!
As palavras contigo dançam, libertam-se e fazes música com elas.
Cuidas das palavras com tanto amor que elas se iluminam e nos encantam.
Falas de tudo e de muita coisa. Nunca de nada!
Obrigado Maria. És uma leitora especial. Conheces a vida das palavras. Com elas nos libertamos. Abraço
As palavras que citas demonstram o quanto és invulgar. Confesso que me apaixonei pelo texto. Abrangente, rico, generoso. Utopia é vida. Não receies mudanças, não reconhecerias as palavras. Obrigada meu Amigo. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Palavras que vivem dentro de mim. Sentimentos que guardo. A utopia. A liberdade toda. Abraço.
Que belo é o teu texto e como gosto dele. As palavras que tanto amas e te amam retribuem em estórias que contas e escreves para te encantares e encantar amigos. Palavras de desencantos, também te procuram. A essas embrulhas em papeis de estrelas que brilham e fá-las voar pelo espaço deixando um SOL, as ilumine e as encantas. Só, então as soltas em frases com a magia . Procuras que as palavras assassinas se percam e não tenham força para resistirem ao embuste com que enganam. Não deixes de ser quem és. ” Um gosto de que vala a pena gostar”. Não vergar a cerviz nunca. A Isaurinda sabe e com ela me retiro. Volta sempre. Beijinhos amigos. <3 <3
Obrigado Ivone. Belo e generoso como.sempre o teu comentário. As palavras são uma parte importante da minha vida. Grande abraço.
Sempre belo o jogo que faz com as palavras, Jorge!!! E a voz da Isaurinda está certa!!!
Um texto de Liberdade em Abril vale a dobrar!!!
Abraço!!!
Obrigado Raquel. As palavras são um jogo apetecido. Um jogo que nos alimenta. Abraço
A sanidade e o poder das divagações,abençoada memória que consegue reter as intemporalidades do muito bom e as reservas menos boas,gosto dessa personalidade de boa fé que dá uma personalidade forte onde o lado humano sobrepõe-se nas causas justas.Tanto neste texto meu querido amigo de muitos afectos.Abraço!
Obrigado Célia. Os afectos são a nossa arma mais importante. Com eles derrotaremos todas as ignomínias. Abraço
Que nunca deixe de divagar nas belas palavras que nos fazem encantar e sonhar. Sou solidária com a Isaurinda no gostar de si da sua lealdade de seus valores. ” Nunca ceder”.
” Amar viver em Liberdade” …Sempre. Muito grata por mais uma excelente crónica. Um abraço , poeta Jorge.
Obrigado Ana. Viva a Liberdade, sempre. Esse bem tão importante, tão especial e raro. Com ela deixamos as palavras voar. Abraço
Continue a divagar à vontade, sem vergar.
Sei que é dos que se mantêm fieis aos princípios/valores. Amante da utopia!
Bem haja.
Abraço.
Obrigado Fernanda. Muito obrigado por confiar em mim, me ler e comentar. Abraço
Amar Viver em Liberdade
Palavras soltas que tudo sabem dizer.
Obrigada amigo, continue assim. Um abraço
Obrigado Esmeralda. Deixar vadiar as palavras. Deixar a liberdade à solta. Abraço
Nunca ceder, nunca dobrar ser igual a si próprio. Até para a semana.
Obrigado Isabel. Dobrar nunca. Abraço
Mudam-se os tempos…mudam-se as vontades…o mundo é composto de mudança”, mas quem é fiel aos seus principios e valores não muda.
Que nunca lhe doam os dedos de tanto teclar. Esta crónica “diz” tanto…
Obrigada por mais um excelente texto.
Obrigado Idalina. Manter a verticalidade. Viver as palavras. Amar a liberdade. Abraço
“Mudam-se os tempos…mudam-se as vontades…o mundo é composto de mudança”, mas quem é fiel aos seus principios e valores não muda.
Que nunca lhe doam os dedos de tanto teclar. Esta crónica “diz” tanto…
Obrigada por mais um excelente texto.
Obrigado. Já respondido.
Não mude não meu amigo. Nós queremos que continue sempre assim a jogar com as palavras como tao bem sabe fazer. Um abraço e até para a semana.
Obrigado Maria da Conceição. Espero nunca a desiludir. Abraço