Cofres
Chega um tempo em que nos transformamos em cofres das coisas que fomos ou vivemos. Um cofre com segredo e chave. Um cofre à antiga. Um cofre de todos os truques. Uma caixa forte. Uma casa onde só nós entramos. É aí que guardamos tempos vividos, momentos únicos, beijos e abraços, amores perdidos, noites de espanto, farrapos de corpos que passaram por nós, um quadro que um dia nos fascinou e incitou a voar, um livro que está sempre por ler, um fato feito por medida, uns sapatos ingleses, contos de encantar e um coração pequenino de uma amizade que chegou a ser cantada por um poeta de coração enorme.
Por vezes perdemo-nos neste labirinto de recordações. Chegamos a duvidar de quem somos. Como conseguimos ser o que fomos? Como conseguimos sofrer e ter momentos tão felizes. Que mãos são aquelas que nos teimam em fazer festas, alisar os cabelos, acordar os sentidos. Que roupas são aquelas que cheiram a perfumes estranhos. De repente um beijo, um banco, um jardim. Nós às voltas, as sebes a crescerem. O caminho perdido, as voltas esquecidas. Histórias muito antigas a bailarem na nossa cabeça.
Como em quase todas as histórias, há sempre uma fada boa e uma bruxa má. Por vezes não sabia por quem estar (este meu gosto pelos malvados). É como um jogo que vamos jogando, tentando esmagar a batota, de batota em batota vamos sobrevivendo. Muitas vezes tentamos enganar a banca, apesar de sabermos da sua força, do seu imenso poder. Apesar de tudo o jogo continua. A vida também. Sabemos que a banca ganha sempre. Porque teimamos em jogar. A vida não é um Casino. O dinheiro não é chinês. É,
no entanto, dinheiro falso que compra falsas esperanças. Dinheiro sujo, como quase todo o dinheiro.
Dançamos com a fada. Voamos com a bruxa na sua bela vassoura. Conhecemos palácios e noites de fogueiras em sítios ermos de cansadas floresta. Aprendemos a cuspir fogo e a deitar búzios. Nunca conseguiremos adivinhar o futuro. É apenas o passado que temos no cofre. Um cofre em actualização contínua. Chaves cifradas. Um tempo que corre de forma infernal. Uma roda que não pára.
Guardamos as chaves num fio muito antigo que nos foi oferecido por um alquimista. É de pele de cobra o estojo que o guarda. Um estojo tão pequeno que custa a encontrar. Foi uma cobra, que incentivou a todos os pecados, que deu a pele para tal resguardo. Coisas das florestas. Nos palácios é outro o “decore”, as sedas, os tules, os sapatos de cristal, histórias de outros tempos. Uma orquestra e uma valsa. É nesta dicotomia que vivemos. Reza quem sabe, chora quem consegue, ajoelha-se quem se verga. Continuar de pé é o caminho certo. Enfrentar todos os trapaceiros.
Andar a vida toda e nunca comprar ou vender a banha da cobra. “Compre dois frasquinhos e leva três.” Há quem se venda por tuta e meia. Há quem não valha nem meia tuta. Muita desta gente vai sobrevivendo. Têm clãs onde trocam interesses e favores. Tudo mais que secreto, e eu só com a chave do cofre das minhas memórias.
Antes assim!
«Olha que tu demoraste, mas vens com umas histórias que não sei que te diga!»
Voz de Isaurinda
«Minha querida, são histórias da vida. Reflexões. Dúvidas. Eu sei lá…»
Respondo.
«Olha quem não sabe sou eu. Acho que isto ainda acaba mal.»
Isaurinda de novo e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Dez/2017(151)
Fiz meu comentário, apenas estou retificando o meu nome.
Obrigado Flávia. Abraço.
Belíssimo texto!
Sabe meu caro, sou apenas uma mulher tentando organizar os tesouros, colocá-los em alguma ordem.
Quando vôo com as bruxas, estas me bagunçam e quando danço com as fadas, passo dias inventando melodias.
Então, meu cofre vai ficando cada vez mais desarrumado, exatamente do jeito que gosto, cheio de tesouros misturados, uns completando outros e outros chegando repletos de novidades.
Pronto; fechei a porta do cofre por hoje.
Obs: gostei muito da sua escrita, antecipo minhas desculpas, estou longe de dominar as palavras.
Obrigada.
Flávia
Obrigado Flávia. Que bom ler as suas palavras. Que belas as suas danças. Abraço
Belíssimo texto. Que prazer lê-lo.
Obrigado Isabel. É tão bom saber que me lê e faz o favor de comentar. Abraço
A magia de um cofre quando abre e solta palavras mágicas. Gostei muito!
Feliz 2018 com a magia das palavras.
Um abraço
Obrigado Otília. Vamos fazer de 2018 um ano mágico. Um excelente ano. Abraço
Hoje é um dia especial, faz anos que nasceste. Eras tão pequenino. Como tu cresceste rápido. Lembras-te? Até aos 15 anos querias que o tempo passasse rápido para seres homem. E não é que o tempo te fez a vontade? A seguir vem tudo o que todos os dias nos contas, como se tivéssemos crescido contigo. Divertimo-nos nas tuas tonterias, chorámos nas tuas amarguras, sofremos nas tua dor , damos a volta ao mundo, vamos e voltamos da tua praia todos os anos até já fomos à Escócia, já bebemos demais num bar do Cais do Sodré e lemos tanto na tua livraria de Cascais, no teu canto preferido, tornaste-te um vício, um vício bom, fazes parte de mim, amigo, AMIGO. Passa para cá o pano do pó…não! esse faz-me alergia…abraço-te.
Obrigado Fernanda. És uma Amiga, querida e generosa. És uma escritora de mão cheia. Abraço-te muito
Deliciosa crónica de início de 2018, que nos presenteou . Quão poética, quão mágica. A vida arrumada em “cofres” misteriosos de memórias inesquecíveis. A voz de Isaurinda sempre atenta às histórias de “seu menino”. Grata pela sua maravilhosa crónica. Que tenha um Feliz Ano Novo. Um abraço, mestre Jorge.
Obrigado Ana. Que bom o seu comentário. Adoro. Que caminhos os nossos! Abraço
Gostei tanto, mas tanto do texto de hoje Jorge.É isso somos cofres bem fechados que encerram tudo quanto vivemos e aquilo que não vivemos e gostaríamos de ter vivido. Isso também está fechado num cofre do qual já esquecemos o segredo. Continuar de pé sempre é o caminho certo. Tem razão.Um abraço. Até para a semana neste mesmo sítio.
Obrigado Maria da Conceição. Continuar sempre. Nunca ajoelhar. Abraço
Que texto maravilhoso! Vamos seguir a fada boa? Feliz 2018 e muito obrigada por nos dar tanto de si (acho que é parente da fada boa)!
Obrigado Madalena. Vamos correr na pista da justiça. Sermos sempre nós. Não nos vendermos por nada deste mundo. Abraço.
É isso! Um abraço!
Outro abraço.
É mágica, sublime, a forma de nos deixares a reflectir na dicotomia da vida. Entendo tão bem a angústia da minha querida Isaurinda – ela sabe melhor que ninguém o quanto és especial. Muito obrigada, por este momento único, querido mestre . Abraço.
Obrigado Cristina. Momentos da vida. Caminhos, estradas e barrancos. Abraço.
Gostei muito de ler a sua crónica! Reflexões, dúvidas e histórias da vida guardadas a sete chaves no “nosso” cofre. Um abraço amigo e obrigada.
Obrigado Esmeralda. Os nossos outros mundos. Coisas tão nossas. Coisas de toda a gente. Abraço
Raramente leio apenas uma vez a tua crónica. Belíssimo o que partilhas. O cofre, só nosso, entramos e saímos. Arrumamos o que nos é precioso, tratamos com a delicadeza o frágil. Neste entrar e sair descobrimos outros tesouros. É o nosso segredo. Como seria se tivéssemos todas as memórias? Um abraço querido Amigo.
Obrigado Regina. Obrigado pela tua atenta leitura, pelas generosas e belas palavras. Abraço
Pois hoje é 2ª feira. Tenho, mesmo, de encarreirar os dias que até andam baralhados. Gostei também muito desta tua crónica.” Nunca conseguiremos adivinhar o futuro.,É apenas o passado que temos no cofre ” dizes, e como é verdade. Sou uma casa de portas e janelas abertas e, por isso, é fácil chegar aos meus tesouros. Talvez porque não são preciosos para os outros, mas só para mim. De Menina a Mulher, de Mulher jovem a vélhota, acabo sempre por deixar patente de mim, para os outros, o que guardo no meu cofre. Mas tenho outro cofre onde guardo o que me é entregue para guardar. Talvez, por isso, tenho a profissão que escolhi. Talvez por isso, durante a repressão, tive tarefas importantes na luta e, apesar das perseguições, nunca me apanharam. Mas derivei para mim e o que quero é dar a minha opinião ao que reflectiste para Todos.
Concordo contigo, com o que escreveste em linhas e entrelinhas.” É numa dicotomia que vivemos. Reza quem sabe, chora quem consegue, ajoelha-se quem se verga.Continuar de pé é o caminho certo.Enfrentar todos os trapaceiros é o mais certo, mas, porque trapaceiros são, mais as vezes que conseguem ganhar no jogo sujo que se habituaram a jogar.
Vou continuar com a Isaurinda. Pego no seu pano e digo-lhe : Cuida do teu amigo. Ajuda muitas pessoas com as ” suas reflexões, histórias de vida, dúvidas “. Ela respondeu-me: Julgas que não sei? Mas eu existo para o proteger.
Beijos muito amigos <3 <3 <3
Obrigado Ivone. Tu és uma mulher inteira. És o bem que caminha sem cansaço, a palavra que esperamos, o abraço que perdura nno tempo. Abraço
Muito…tanto, que reli para me aperceber que sem querer revejo-me num andarilho de palavras que dançaram inadvertidamente no meu pensamento viajante.Obrigada,por este texto.Feliz Ano Novo meu querido amigo.Abraço!
Obrigado Célia. Palavras bonitas, bom ano também para ti. Abraço
Grande prazer me deu ler a primeira crónica de 2018, um balanço de vida em jeito poético.
Revejo-me na maior parte, nem que seja por analogia.
Grata. Desejo um ano mais de prodigiosa criatividade e generosidade.
Abraço.
FL
Obrigado Fernanda. Tão saborosas as suas palavras. Coisas que fazem bem. Abraço
Obrigada pela partilha desta crónica de Ano Novo. É tempo de arrumar o ano velho no cofre das nossas memórias. É tempo de balanço. Hoje temos um ano inteiro pela frente para seguir” a fada ou a bruxa” ou as duas . Um abraço, amigo.
Obrigado Idalina. Vamos continuar a vida. Um tempo que não pára. Não desistir. Abraço