Chegar para Partir
O martírio dos aeroportos. Muita gente. Muitos voos. Muita segurança. Por vezes o exagero. As bichas. Máquinas que olham para dentro de nós. As mãos erguidas. O cheiro a aromas misturados na loja de todos os perfumes. A última compra. O último desejo.
Cerrar as portas. Caminhar para o céu. Passear sobre as nuvens. Esperar chegar. Muito tempo para pensar. Um tubo cada vez mais incómodo. O cansaço que aumenta com a idade. Uma “refeição”. O plástico sempre presente. A revista do costume. Um livro em que se pega e larga. Poucas páginas lidas. O incómodo. Ir à casa de banho só para andar um pouco.
Passam horas. De repente começamos a descer. Atravessamos as nuvens. Esperamos ansiosos ver a terra onde queremos chegar. Ainda vamos esperar algum tempo. Por fim a terra conhecida. A terra que ninguém nos prometeu. A terra que nos calhou em sorte. Essa estranha lotaria. Que jogo!
A pista que parece a nossa rua. As rodas a tocarem o chão. Alguns nervosos batem palmas. O atraso, vergonha, a que já estamos habituados. Outro aeroporto. Um caminhar longo. As lojas de coisas caras. As caras cansadas. A bagagem, outro horror. Chega ou não chega? A eterna dúvida.
Sempre alguém à nossa espera. Sempre braços e abraços e beijos que se sentem. O fim de mais uma aventura. É tempo de pensar na nova partida. Quando e para onde. O mapa mundo, o compasso, o lápis e a borracha. Um globo luminoso. O mar imenso.
Partir é um desígnio. Uma vontade que se aloja em nós e nos persegue enquanto as forças subsistirem. Vamos aprendendo a defendermo-nos do que nos incomoda. A tentar evitar o que mais nos cansa. A procurar o conforto. A viajar fora do tempo em que dizem que é tempo de viajar.
Saber dos destinos em falta e da falta que sentimos em os visitar. Encontrar o que nos falta saber e conhecer. Saber dos homens e das mulheres desses lugares e do seu viver. Da orografia. Dos caminhos terrestres e marítimos. Do eterno caminho para o nunca encontrado.
Chegar e partir. Esse desassossego permanente. A dúvida de não sabermos de onde somos. Não raro, chegamos a uma terra que parece que nos conhece e nós já conhecemos. Uma terra onde nunca tínhamos estado, ou disso não temos lembrança. Um mistério que nos vai acontecendo. Coisa que não sabemos explicar.
Caminhar, caminhar sempre, entre as terras e as gentes. Aprender os seus caminhos. Tentar conhecer o seu princípio. Ver se fazemos parte dessa história. Ler os primeiros livros. Conhecer línguas estranhas. Amar corpos, lábios e sentidos. Abraçar o tempo todo.
Os sítios onde nos apetece ficar. A montanha que nos desafia. O cabelo brilhante de uma deusa sem altar. As orações que nunca ouvimos. Os mortos e os vivos e todos os outros, os que desconhecem o seu estado. Que estradas são estas? A terra batida. As campas iluminadas. As caveiras que nos esperam. Um cemitério de vivos. A loucura a entrar em nós de forma oferecida. O corpo a transformar-se.
A voz da minha antiga vizinha que, diziam, incorporava outras pessoas e falava com as vozes delas. Nunca vi. Só ouvi falar.
Nada me impressiona, sou do partir!
«Ouve lá, tu sentes-te bem? Ainda agora chegaste já estás a pensar em partir!»
Voz de Isaurinda.
«Sabes que gostamos de conhecer coisas, de andar por aí.»
Respondo.
«Olha, vê é se descansas um pouco…»
De novo Isaurinda e vai, o pano na mão.
Jorge C Ferreira Setembro/2018(179)
É mesmo um mistério.”Caminhar entre terras e gentes”. Sensação boa.”A procurar o conforto “
Boas viagens neste globo luminoso.
Dê notícias!
Bjo
Viajar de avião é como fossemos pássaro de asas leves, de barco somos o peixe mais colorido e feliz das águas do mar e se formos de comboio seremos o papa léguas com o som “do pouca terra muita gente” nos ouvidos. As imagens passam em segundos mas constrói-se o filme que gravamos para sempre no departamento de arquivo do cérebro. Assim também podemos deitar para o lixo aquelas que nos deixaram más recordações e que nos causaram sofrimento, essas não vamos repetir. O prazer de encontrar o que em sonhos se planeou, palpar e pisar as pedras das ruas que calcorreamos, o olhar para os outros que habitam o nosso planeta e se vestem e penteiam de forma tão diversa e surpreendente é enorme, saborear novos temperos, dançar e ouvir estranhos e nunca escutados sons, VER, VIAJAR é a sensação de se estar VIVO!
Obrigado Fernanda. O que eu gosto de te ler! Que bem descreves os caminhantes. Vamos continuar a caminhar enquanto nos fôr possível. Abraço
Sempre essa inquietação, esse desejo de partir e chegar…levou-nos hoje também a voar e fez-nos tão bem! Obrigada, meu amigo, seja bem-vindo! Um beijinho
Obrigado Madalena. A importância de voar. Abraço.
Quase jogar à ” apanhada “. Saio, escolho, escondo-me e…..quem me apanha? Ninguém, porque o meu amigo é um Homem que roubou as asas aos aviões, as hélices aos navios, as rodas aos transportes terrestres e voa,corre e flutua sempre entre o céu, a Terra e o mar.Sei que não é esta a ordem. Ninguém sabe. É esta a ” apanhada ” do seu jogo e nunca ninguém o apanha. Gosta sempre de partir; gosta sempre de chegar. É um rapazinho maroto, o meu amigo. Onde estás Jorge? Ao longe ouvimos: ” aquiiiiiiiiiiiii……..”. Onde?, continuamos a chamar. Não vale a pena. Ele quer partir, mas quer chegar, para conhecer e reconhecer, para amar novos e antigos amores, para experimentar a VIDA.
A Isaurinda não passa sem ti. É a tua bússola, o teu Norte. Protege-te, sem te prender. Como deve ser, mas de olhos em ti. Nenhum dos amigos e amigas te quer perder e confiamos nela. Um dia, transformo-me em pano de pó e vou com ela, sem barulhos, invisíveis. Sossega querido amigo lindo. A vida é para ser vivida. Até já; até mais logo; até sempre, porque sempre voltas . Beijinhos ternos.
Obrigado Ivone. Que bem jogas à apanhada. Que bem escreves e descreves. Um abraço enorme.
Leio o texto e aumenta a vontade de partir. Percorrer mesmo o que pensamos ter visto. Falta voltar, conhecer, sentir também cheiros que são diferentes. Gostei do jeito como descreves o que “sofremos” para chegar ou partir. Há muito que não lia bichas de filas de espera. Confesso que me ri. Viajei no teu belíssimo texto. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Faz a baler a tua vontade de voar. Abraço
Lembrei-me daquele jogo que fazia quando criança,partida,largada fugida.Gostava de viajar com essas aplicações como estivesse num jogo ir e ficar,só regressar quando a saudade dos cheiros se fizesse sentir,ou aquela vontade de um abraço de aconchego.Por muito que veja o mundo por aí…à aquela vontade estranha de sair mas voltar ao ponto de partida.Abraço de afecto meu amigo Jorge.
Obrigado Célia. Que bem jogas com as palavras. Que bom ler-te. Abraço