Agonias
A agonia sem nexo. O vómito negro e inesperado. O desamparado desfalecimento. A palidez. A água com açúcar. As suaves estaladas, quase festas. O estaladão. Acordar de novo para a vida vomitar de novo. A agonia que não passa. Uma porta para o despertar.
A menina de esperanças, sempre agoniada, uma palidez que incomoda. De que alimentará o puto? Pergunta do velho Avô preocupado. O caminhar abandonado. A comida que não apetece. Um apetecer estragado. Alguns estranhos desejos. Comidas de outras épocas. Abrir a porta da vida.
Uma estranha agonia. Diziam que era quebranto. Uma velha de cabelos eriçados sabia tirar tal maleita. Sal, água, benzeduras. Uma reza sussurrada. O segredo de toda a encenação. Algumas velas. O querer acreditar. A nova cara. O quebranto derrotado. Abrir a porta do mistério.
A agonia de determinadas conversas. Uma coisa mal cheirosa. Os papagaios de serviço. As falsas verdades construídas por cabeças doentias. Gente que se vende para comprar os vómitos dos outros. Abrir a porta da mentira.
A bebedeira imensa. Um charco de nós junto a um candeeiro. Os infernais arranques. O fígado a rebentar. Um inchaço que se faz sentir. As marcas no corpo. As dores dos amores destruídos. Uma cama vazia. As portas do desespero.
Um marinheiro que se rebola no convés. A inesperada agonia, o alteroso mar. Ondas que escalam a amurada da vida. Vomitar as tripas. Desatar as amarras do bom senso. Galopar e mergulhar. Desaparecer agoniado no imenso sal. As portas do infinito.
O vómito imenso da mulher violada. O sexo proscrito para sempre. Cuspir o veneno. Cortar as veias. Acordar suicidada e encharcada de horror. Uma esquina danada. Uma língua envergonhada. As portas do desespero.
A ansiedade. A aflita forma de viver. A demora de todas as coisas. Um filho enjeitado. A roda do convento. Uma freira com cara de nada. O horror de não saber mais de coisa alguma. O cordão umbilical guardado num frasco com formol. Um cheiro que nunca se perde. Uma outra e enorme agonia. A porta do deserto.
Uma inquietude que quase nos mata. Um agoniado prazer. Uma inteireza que nos marca. A busca do inesperado. Palavra a palavra descobrimos a frase, o verso, o poema. Inquietos marcamos as desesperadas vontades. A porta de uma outra liberdade. Há portas para tudo.
O flagelo. O desabar do construído com amor. Um agonizante distúrbio. Um cansaço. Uma dor vadia. As veias bailarinas. As agulhas doidas. A casa para reconstruir. O tecto no chão. O desastre por anunciar. Um choque imenso. Abrir a porta da rua.
O aflitivo tormento. A persistente agonia. A estrada sem fim. Um funil sem fundo. Um líquido espesso. A vida entupida. Somos um antigo garrafão de cinco litros vazio. Dormimos numa cova-funda. Falamos galego. Abrimos a porta do vinho do lote.
A agonia final. O deslaçar da vida. O soro. A desnecessária transfusão. Os olhos cada vez mais pequenos. Olhamos através deles e aparece-nos outro mundo. As mãos esticadas a procurarem segurar-se à vida. As nossas mãos a ficarem do outro lado. Um lento desligar. Um lento apagar. Um fio contínuo. Os números sem significado. O grito final. Abrir a porta do desconhecido.
«Olha que quem está a ficar agoniada sou eu! Tu estás bem?»
Voz da Isaurinda.
«Estou. Estou a viajar à volta da vida.»
Respondo.
«Olha, não me parece que estejas bem. Estás com cara de agoniado.»
De novo Isaurinda e vai. O pano na mão.
Jorge C Ferreira Dez/2017(148)
O não suportar mais.
O querer pedir demissão do mundo.
O grito.
O desaparecimento.
Obrigado Sofia. Há sempre portas para o mundo. Temos de as saber encontrar. Abraço.
Será agonia de um só dia? ou será um diagnóstico típico de três dias e tudo passa como dizem agora os senhores doutores quando não sabem o quê sai-lhes a regra dos três dias,mais que isso é preocupante.Como é bom,ainda que sinta uma inquietante agonia que apesar de tudo…dizem tem uma secreta luz ao fundo do túnel…que termina num dia qualquer a qualquer hora.Dirá a Isaurinda,cruzes credo…. .Abraço meu querido amigo.
Obrigado Célia. Uma volta à vida. Escrever pelo mundo. Escrever por nós. Não ter medo de enfrentar o medo. Abraço
Agonias que tão bem encadeias. Agonias que só entende quem as sente. Agonias onde não cabem hipocrisias.
Tanta lucidez! Tanta viagem à volta da vida!
Obrigado Maria. Não branquear a vida. Saber dos momentos. Estar com os outros. Caminhar, apesar de tudo. Abraço
Deixou-me um pouco agoniada mas gostei. Abraço
Obrigado Isabel. São as nossas agonias.Abraço
A AGONIA
A agonia sem nexo; uma porta para o despertar.
A menina de esperanças; abrir a porta da vida.
Uma estranha agonia; abrir a porta do mistério.
A agonia de determinadas conversas; abrir a porta da mentira.
A bebedeira imensa; as portas do desespero.
Um marinheiro que se rebola no convés; as portas do infinito.
O vómito imenso da mulher violada; as portas do desespero.
A ansiedade__a aflita forma de viver;a porta do deserto.
Uma inquietude que quase nos mata; há portas para tudo.
O flagelo ;abrir a porta da rua.
O aflitivo tormento; abrimos as portas do vinho do lote.
A agonia final; abrir a porta do desconhecido.
E de agonias fizeste um poema, sem rimas, nem métrica, mas poesia. Porque poesia é sempre o que fala de mundos e a tua ” AGONIA “, fala de muitos variados mundos.
Diz à Isaurinda que estás agoniado, porque és um poeta dum mundo parido dia após dia.
Jorge, diz à Isaurinda que eu lhe digo exactamente o mesmo que a Ivone, “és um poeta dum mundo parido dia após dia”.
É emocionada que leio estas palavras deste teu /nosso sentir. Sim, querido Jorge, são várias as agonias desta nossa viagem. também acredito que há portas para tudo, até chegarmos à ultima . Belíssima crónica. Bem hajas.
Obrigado Cristina. Mesmo agoniados chegarrmos ao fim do caminho. Seremos inteiros. Saberemos Ser. Abraço
Obrigado Ivone. Sim, leste como só tu sabes. É das agonias do mundo que tento falar. Que bom o teu comentário. Abraço.
Grandes agonias que a vida nos traz meu amigo Jorge.
Todas são dolorosas mas temos que ter força para as ultrapassar. Até para a semana,espero que a Isaurinda o ache mais animado. Abraço.
Obrigado Maria da Conceição. Claro que ultrapassamos. Aqui estamos. Vamos caminhar. Abraço
As agonias que doem, quantas vezes sem se anunciarem. Vivências dolorosas! Escreveste um texto com as entranhas. Muito bom e agonia de verdade. Um abraço Jorge.
Obrigado Regina. As verdades por vezes doem. Custam. São dolorosas. Temos de enfrentar todas as agonias. Abraço
” Estou a viajar à volta da vida” Uma boa resposta para a Isaurinda que com o seu pano de pó na mão sempre atenta ao “seu menino”. Uma crónica muito interessante sobre as várias tipologias de agonias da nossa vida. Infelizmente passamos por vários episódios ao longo da vida , muito inquietantes. Grata pela partilha Amigo Jorge. Um abraço.
Obrigado Ana. Sim, uma viagem à volta da vida. Uma agonia sem nome. Abraço
Fiquei como a Isaurinda, agoniada. Tantas as agonias da vida, nem com água das pedras ou água benta passam.
Muito menos com bruxaria.
Ao ler, imaginei que seria um belo texto para ser declamado. A sério. Até me pareceu ouvir Mário Viegas… As suas crónicas têm muita musicalidade.
Amei. Até para a semana. Abraço.
Obrigado. Fernanda. Ser declamado pelo Mário seria a suprema glória. Um ser genial que virava as tripas às agonias. Abraço
Tantas agonias e tão diferentes as que experenciamos ao longo da vida.
Às vezes sinto agonia de algumas pessoas…enfim, mas tudo passa. Sejamos positivos.
Obrigada pela partilha desta crónica que, ao contrário, de me deixar agoniada, me fez refletir. Um abraço, Amigo .
Obrigado Idalina. Seguir sempre o caminho da verdade. Resistir. Mudar o mundo. Abraço