Peace and Love
por Jorge Ferreira
Ser selvagem. Não ligar ao que é suposto. Tentar aprender todos os sabores da vida. O agreste fruto, na agreste serra. A montanha de todos os perigos e de todos os deleites. Uma loba linda de morrer. A beleza azul do seu uivo. Um amor nunca consumado. Todos se guardavam uns aos outros como se fossem siameses. Que coisa tão difícil de explicar. Virtudes nunca por demais cantadas.
Encontrar uma flor original. Seria esse o tal pecado original? Seria aquela a flor do pecado? O que é, afinal, o pecado? Arrancar a flor, colocá-la no cabelo e seguir viagem. Uma flor que nunca se podia perder. Flor de um tempo impossível de esquecer. Flores que eram as balas de uma juventude rebelde contra as injustas guerras. Os seus aviões de papel, as armas, contra os polícias mascarados e de cão à trela.
Descalços caminhavam pela lama e pelos relvados e desfilavam pelo alcatrão das grandes avenidas. Eram multidões de alegria e beleza. Um saco cama era habitação para dois. O emblema da Paz que Bertrand Russel trouxe de novo para a rua, o símbolo que pendia dos pescoços esguios. Viver uma nova vida. O amor livre e todas as experiências que se diziam proibidas. Nem todos sobreviveram. Mas nas outras guerras morreram muitos mais. Morreram jovens, tão jovens, que ainda antes de se terem definido como pessoas já tinham sido feitos combatentes por quem se achava com direitos sobre eles.
Os artistas cantavam e tocavam entre distorções de guitarras e luzes de holofotes. Os cigarros passavam de mão em mão, de boca em boca. As línguas trocavam-se húmidas e afiadas dentro de bocas que nunca se cansavam. O palato de cada um vestido do sabor do outro. Umas jardineiras com uma alça perdida. Só pele por baixo. A ilusão que alguém estava vestido.
O rio de todos os banhos e de toda a nudez. A água doce e viva. Os cabelos enormes e molhados. Uns óculos redondos que nunca se perdiam e o azul e o verde que nascia de todos os cantos. Os corpos colados. A vida a encantar-se. Noutros continentes, em terras distantes, morriam jovens por teimosia de criminosos de guerra.
Era necessário pouco para viver. Os jeans ainda não eram feitos no sudoeste asiático de mão-de-obra barata. Todo o poder criativo estava no auge. Os poetas e os escritores escreviam, os pintores devoravam telas, os músicos tocavam, as vozes enrouqueciam e as mãos eram dadas. As crianças às cavalitas.
Os filhos que nasceram desta aventura foram criados numa liberdade absoluta. Uma liberdade que também teve alguns dissabores. Porque, aos tempos se sucedem tempos, e são sempre os mesmos que se vão mantendo no poder, cedendo em algumas coisas, para ficarem com tudo.
As guerras foram acabando. Aquelas. Mas logo outros focos se abriram em lugares diferentes. A necessidade que os poderosos tinham em vender armas, o seu negócio. Negócio é negócio. Negócio da morte. Negócios que continuam. Gente que se protege e prolifera.
Uma coisa é certa, nada mais foi igual. Apesar da SIDA, essa outra pandemia malvada e mortal, hoje doença crónica. Estamos a passar uma curva difícil da vida. Uma nova pandemia. Depois virá a terrível crise. Os mais fracos sempre a serem os mais atingidos. As respostas nunca podem ser iguais, porque o mundo é diferente. Temos de procurar outras respostas e nos organizarmos. Temos de dizer não ao descartável. Até já as pessoas são descartáveis, números em folhas de excel. Números transformados em gráficos. Um algoritmo e já está.
Vamos mudar tudo de novo. O tempo urge.
«A tua mania dessas vidas! Numa coisa tens razão temos de mudar o mundo.»
Fala de Isaurinda.
«Olha que foram tempos bonitos. Tu sabes. Vamos mudar isto. Eu acredito!»
Respondo.
«Sempre foste muito crédulo. Cá estaremos para ver.»
De novo Isaurinda e vai, o lenço a dizer adeus.
Jorge C Ferreira Julho/2020(259)
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
O Jornal de Mafra e a DGS Aconselham
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Cuide de si, cuide de todos!
Sonhar é voltar a ser criança…acreditar é sonho de juventude,idealizar a compreensão do impossível uma constante utopia,talvez nunca eu tenha podido estar nem sonhar estar no outro lado do sonho. Talvez eu e outra de mim tenhamos sobrevoado por esses lugares e sonhos sem ter podido estar presente,apenas sobrevoei rente sem aterrar…Queria ter estado em todos os lugares carregando estandartes e ser guerrelheira…apenas ser,mas não foi possível. Agora leio-te e viajo pelas tuas crónicas e vejo-me na primeira fila. Quanto dos meus sonhos cabem nesta tua crónica…apenas um vou a tempo de puder fazê-lo possível,acreditar que sim,tudo pode acontecer…
Obrigada meu querido amigo,ABRAÇO!
Obrigado Cecília. Que bom, dizeres o que dissestes. Sentires essas aventuras através da minha escrita é o melhor que me podes dizer. A utopia continua viva em mim. Tudo é possível. Um abraço grande.
As mudanças da nossa geração .
A guerra. A música que revolucionou o mundo e continua actual. Paz e amor. A luta por um mundo melhor.
Tudo se repete. Os poderosos e os oprimidos.
A seguir à pandemia vem a crise. Os loucos governam o mundo. Para onde caminhamos?
Que viagem fantástica esta, meu amigo.
Vamos tentar mudar o mundo.
Pensar que toda esta viagem não foi uma utopia.
Obrigada por resistir.
Um grande abraço.
Obrigado Eulália. O que já vimos acontecer. O que vibrámos e chorámos. Fomos risco e coragem. O medo também nos assaltou. Estamos vivos, prontos para resistir. Em mim ainda grassam utopias. Abraço.
Se passamos por tudo isto e não mudamos nada , não merecemos o lugar que ocupamos.
Não serão as grandes coisas, as grandes políticas globais que farão por si só a diferença.
Sao as pequenas mudanças pessoais e das pequenas comunidades que poderão abrir o caminhda mudança.
Vale o que vale mas esta é a minha preocupação.
Para a Isaurinda um beijo grande . Gostava de a conhecer.😊
Para ti, um abraço apertado 😉.de cortar a respiração sem partir ossos.
Obrigado Isabel. Vamos mudar e fazer mudar. Estou sempre pronto para as mudanças. Vamos acreditar em nós e na mudança. Abraço apertado.
Temos que mudar tudo o que está feito e serviu para nos guiar, com ou sem mestria, os nossos desígnios.
As novas mudanças não podem ser feitas à toa mas, sim, bem pensadas e planeadas em estirador de arquitecto e na companhia de sábios inteligentes; fazer um novo “Admirável Mundo Novo”!
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. A mudança é inevitável. Eu não quero um mudar para ficar tudo na mesma. Quero que nós mudemos também. Ser solidário. Gostar do outro. Há muito a fazer. Um abraço, meu Amigo.
Não me parece que depois venha a crise.
Ela já está aí, em todas as vertentes. Económica, financeira, moral/cívica…
Boa semana, Jorge.
Obrigado Sofia. Não te gosto de ver com esse estado de espírito. Claro que não vai ser fácil. Nunca nada nos foi dado na minha vida. Mas eu acredito que vamos mudar. Só podemos. O dinheiro com que nos querem tapar os olhos é mais uma farsa. Vamos acreditar. Utopia sempre. Abraço.
A realidade numa poética prosa. A tua forma de comunicar como, mesmo em tempos mais remotos e de grades, o amor se foi libertando. Talvez uma das primeiras emoções que ganharam asas. Mas a sua condição de ” gente ” depressa trans formou as emoções em actos de prazer. Não foi fácil, nem para todos. Mas como se fossem ondas foram-se desdobrando e em cada dia, cada hora, outros mergulhavam e passavam a beber a maresia. Paz e Amor eram as palavras mais gritadas pelos que se atreviam. E pouco a pouco, tal como agora, como se fossem desígnios castigadores, iam aparecendo ” inquietações” e lutar contra elas um desejo de enorme força, para que o amor, a paz, a solidariedade, a fraternidade e a igualdade crescessem e cobrissem, tal como um manto, todos os seres dum mundo em perpétua mudança.,
Lindo o teu texto, Jorge, meu Amigo, meu Irmão.
Obrigado Ivone. Que bem escreveste minha amiga/irmã. Vamos acreditar que ainda vamos vencer esta batalha. Mais uma. Lembra-te do que já vivemos. Não é agora que vamos largar a utopia essa nossa fiel companheira. Temos um trato. Um abraço enorme.