Vidas
por Jorge C Ferreira
O enigma que somos. O mistério deste nosso percurso. Quantas vidas vivemos numa vida? O que sonhamos! Sonhos cada vez mais complicados. A eterna dúvida, teremos vivido noutras épocas? Por onde andamos enquanto dormimos? Esse acto de dormir é muita vida por viver, ou talvez não. Talvez seja só um estádio da vida.
Quantos somos? Quando escolhemos para ser outro? O que nos faz fazer tal escolha? As viagens imensas no nosso interior. Lutas fratricidas. Quando a mão não nos obedece. Quando tudo dentro de nós é rebelião. Quando nos misturamos e somos mais. Neste momento não sei quem está a escrever isto. Nem sei se estou acordado.
Não sei se acontece convosco. Quando penso nos Amigos já desaparecidos, na minha idade o número vai aumentando de uma forma angustiante. É sempre o mesmo o primeiro que me vem à cabeça. Que ligação é esta? Porquê ele. Tantas coisas que sonhámos e não fizemos. Tivemos vidas tão diferentes. Senti, muitas vezes, que precisava de ter um sinal dele, mesmo sem nos vermos. Está presente na minha escrita. Está presente na minha vida.
Quantas vezes se cruzaram com alguém e sentiram que os corpos se atraem. Aquele passa não passa. Aquela atração inexplicável. Até que alguém se afasta e a outra pessoa vai à sua vida. Caras de que não nos lembramos. Encontros imediatos com gente desconhecida? Ou gente que esquecemos na roda dos tempos? Fico sempre transtornado quando tal me acontece. Com este confinamento, ou talvez por andar por caminhos estranhos, isto não me tem acontecido ultimamente. Já pensei se estarei noutra fase da minha vida.
As caras que vemos e nos lembramos mas não nos recordamos de onde, nem de quando. Os olhares que se trocam e se prolongam sem uma única fala. Um palpitar diferente do coração. Quando retomamos o caminho não olhamos para ninguém. É aquela cara que vive em nós até esgotarmos a nossa memória disponível. Depois a vida continua.
Quando chegamos a um País, a uma Cidade, e nos sentimos em casa. Quando começamos a andar soltos e sem mapas. Quando damos com as ruas e encontramos, como por encanto, os lugares de que gostamos e as pessoas que nos gostam à primeira. Uma entrega imediata e sem filtros. A comida que nos sabe a todo o sempre. Regressamos ao hotel como se fosse a nossa casa. Dormimos ansiando um novo dia.
Quando chegam as quatro da manhã e estou com a Isabel na sala, se olhar a essa hora para ela, o seu rosto tem uma luz diferente. Já me chegou a dizer: esta hora é, para mim, especial. Não sei como te explicar, mas é como se algo acontecesse de novo em mim. Isto todas as noites em que estamos acordados às quatro da manhã. Depois a madrugada sucede-se como um prolongamento de nós.
Quando acordamos de uma anestesia geral é como se tivéssemos renascido. Primeiro não entendemos o que nos aconteceu. Tudo parece turvo. As luzes agulhas que nos ferem a vista. Quando sentimos uma mão na pele há uma calma que nos entra no corpo. Não estamos sós! Muitas vezes não nos lembramos quem falou connosco. Eu lembro-me de todos, embora muitos estejam envoltos numa bruma insistente. O que me levava a perguntar, será sonho ou realidade?
«Hoje deu-te para isto! Sabes que tenho medo dessas coisas.»
Fala de Isaurinda.
«Falei de coisas correntes. De coincidências, algumas estranhas. Mas é a vida.»
Respondo.
«Sim, sim. Nunca fiando.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a persignar-se.
Jorge C Ferreira Fevereiro/2021(289)
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
O tanto que aconteceu nas tuas palavras, amigo meu… O tanto que senti. As emoções à flor da pele. Como se a pele fosse pétala…
As questões que nos colocamos. Os porquês.
Repetidos. Os mistérios sem resposta. A vida. O nascimento. O declínio. A morte. O que é isso da morte? Se na natureza tudo nasce, se transforma, agoniza e eis que renasce como por milagre. Os milagres?
Que Deus? Que deuses?
Os sonhos adiados. Só sonhos e nada mais. Mera ilusão. Os lugares onde descobrimos outras pessoas. Os olhares que se atraem. E cada um segue o seu trilhar. O estilhaço. A nódoa que caíu e não conseguimos limpar. O pulsar repentino de um momento. Único. Irrepetível. A vontade de ficar e ter de partir.
Os amigos e os amores que já não estão connosco. Mas a memória existe para que não os esqueçamos. Nunca!
Sempre o Jorge que conheço desde tempos imemoriais. O desassossegado. O rebelde. O insatisfeito. O humilde. O sensível. O mestre. O multifacetedo.
O poeta insubmisso.O dono de si e de nada. Pois nada sabemos.
Repara, Jorge, como a natureza segue o seu percurso. Não quer saber de vírus, de confinamento.
Não se inquieta. Não se questiona. Continua e isso basta-lhe.
Talvez se eu fosse maçã, espiga de trigo, musgo, pinga de chuva, vulcão ou desfiladeiro, não me doessem tanto as dores de nada saber… Os mistérios sem resposta.
Ser gente. Raciocinar. Refletir. Ponderar. Questionar. Tem sempre um lado “lunar”.
Por isso, escreves.
Por isso te distingues.
Por isso… és Poeta!!! 💗
Obrigado Cecília. Que belo o que escreveste uma maravilha. Li e reli. Sabes, não sei qurm sou e neste perdimento me acho. Estou tão grato pelas tuas palavras. Abraço
Obrigado Men. Desculpa. Beijinho
Vivemos num mundo estranho, uma leveza, uma eternidade nem sempre cómoda. Por vezes penso se não estaremos à testagem de como será viver rodeados de rostos pálidos, roupa espacial, os dedos pontas finas de agulhas prontas a nos picarem para resistirmos…
No lado de cá do túnel as viagens, os amigos, as comidas, o MAR a esperar para nos embarcar o sonho de viver o antes de tudo. Somos todos ausentes da nossa própria existência, até ver, vamos à boa e cómoda maneira portuguesa como Deus quer, o que quer dizer ” Como o costume” Passivos, obedientes quando convém. Resta-nos as palavras que nos embalam e fantasiam memórias que cada um guarda. Há na noite a outra existência, a alma que se despe para o sono. Grata por mais uma crónica tão personalizada que deixa um sonhar que quero ir por aí também (…) Abraço, meu amigo. Fica BEM!
Obrigado Cecília. Falas de tanta coisa e falas tão bem. É bom ter-te aqui. Muito grato por ler essas tuas belas palavras. Abraço.
Identifico-me muito com o teu sentir nesta crónica. A escrita é sempre muito bela.
Abraço, mestre
Obrigado Cristina. Obrigado por comentares e sentires o qie escrevo. Abraço.
Estes mistérios que procuramos desvendar por muito pensarmos neles, são a razão de uma força não física mas de outra ordem sem que lhe possamos dar alguma explicação. São forças que nos levam por caminhos sem escolha de vontade própria.
Acabo de dizer algum disparate? Então como justificar a perceção de já termos estado num sítio que visitámos uma só vez?!
Estes enigmas que nos baralham as cartas de um jogo sem regras!
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Tem toda a razão. Tudo o que disse está correcto. Vontades inesperadas. Sentir o já visto sem nunca lá ter estado. Um enorme abraço
Texto maravilhoso. Mistério. Dúvidas e incertezas.
O momento que estamos a viver, tornou maior a noite e transformou o dia. O pensamento voa. As memórias avivam-se. A realidade confunde -se com ficção.
As saudades de tudo e de todos aumentam.
Acordar de uma anestesia geral. Sensação estranha.
Tanta interrogação. Perguntas sem resposta.
Noites de insónia.
Obrigada, meu amigo, pela excelência dos seus textos é por estar desse lado.
Grande abraço.
Obrigado Eulália. Estou por aqui porque há quem goste de me ler. Há muita estranhrza neste estranho mundo. Coisas difíceis de decifrar. Vamos convivendo com elas e intetrogando-nos. Somos mais uma peça do jogo. Abraço.
Que texto fabuloso, meu amigo. Gostei muito. Tem a sua marca. Mistério e inquietação. Há perguntas de difícil resposta. Acreditar ou não está em cada um de nós. Inteligente escrita. Brilhante a forma de expressar as suas ideias, o que lhe está na cabeça. Sem nunca calar o que tem no coração. Parabéns, querido escritor. Abraço imenso.
Obrigado Maria Luiza. Muito grato pela sua opinião. Não somos nós um mistério? Espero que continue neste espaço que é de todos. Abraço
Meu querido amigo, gostei muito do teu texto de hoje. Oxalá, na hora de o enviar, não receba a resposta de que não segue, porque há um problema com o meu mail. Nunca tive outro. Numa determinada altura, de facto, apareceu, quase colado, o título de um livro que deu um belo filme. Já o expliquei, se é que vale a pena. Mas…voltemos ao texto. De facto, quantas vidas teremos? O que vivemos nos sonhos? Somos educados racionalmente, mas há algo que nos escapa e faz parte mais ao coração do que ao cérebro. Há coincidências que, ou nos baralham, ou nos fazem pensar numa terceira dimensão. Comigo, quantas vezes o telefone toca e na minha cabeça surge ” alguém” . Atendo e é .A psicologia ou a parapsicologia, explicam. Acreditar, ou não, é com cada um.. A Isaurinda sempre preocupada contigo. Um beijo para Vós da Ivone
Obrigado Ivone. Que bom estares de volta e sem problemas. As tuas palavras srmpre sábias minha Amiga/Irmã. As dimensões que conseguimos ou não atingir. O nosso estar e sentir. Ter por perto quem julgamos longe. Abraço grande.
Tão bonito. Beijinho.
Obrigado Sara, minha querida sobrinha. Tão bom estares por aqui. Este espaço também é teu. Tu, que tens tanto para dizer e o sabes como fazer. Beijinhos
Divagações variadas em noites de insónias.
Um abraço.
Obrigado Sofia. Percorrer as interrogações que vivem connosco. Abraço