Ventos
Sopram ventos de quadrantes indefinidos. Sopram poeiras, areias, pedras e feitiços. Ventos que abanam os corpos inteiros. Ventos da vida toda. Barcos à procura de portos de abrigo. Pessoas à procura de uma casa segura.
Chamam-lhe tempestade, ciclone, furacão. Dão-lhe um nome de mulher e dizem que têm olho. Ir ao olho do furacão. Ver o interior daquele reboliço. Desaparecer e aparecer no outro lado do mundo.
A vertigem. A vontade imensa de ser herói e vítima. Atravessar a tempestade e dançar à chuva. A inclemente intempérie. A revolta dos revoltados. Os chapéus de chuva a voarem sem sentido. A noite a adensar os medos. Uma avenida dizimada. A luz que se apaga.
Chega, do Norte, o som do sopro nas gaitas de foles. Um exército de gaiteiros enfrenta as inclemências e abre caminho à esperança. Sons que dão força aos sentidos. A Céltica bravura. O Norte mais a Norte. Tudo o que combate o desnorte.
Sopra o amolador a sua típica gaita. Uma música única que se propaga pela rua. Um outro vento. Dizem que é anúncio de mau tempo. O homem lança o seu eterno pregão. Os chapéus de chuvas estragados, as facas para afiar, as tesouras, vêm até à rua. Tudo é reparado. A faísca na pedra de amolar. Um anúncio de trovoada e mais mau tempo. O amolador segue caminho tocando a sua gaita.
As histórias que os marinheiros contam ao balcão de um bar. A passagem dos estreitos. As tempestades sem nome e maiores que todos os Adamastores. As camas quentes. Os quartos de serviço. A água que entra e sai. Um marinheiro que caiu do beliche de cima, partiu quatro costelas e ficou cinco dias sem falar. Os olhos muito abertos. Um ar de espanto. Viria a falar ao sexto dia como por milagre. Tal foi o susto! Quando chega a calmaria ninguém já se lembra quem foi. É tudo para esquecer. É tempo de recuperar os sentidos.
A Rosa dos ventos. Os pontos cardeais, os colaterais, os subcolaterais. A arte de navegar. As agulhas magnéticas. A estrela polar. O cruzeiro do Sul. A estrela do mar. A enorme vontade de desvendar o mundo. Atravessar o mar em todas as direcções. Ser cativo de todas as tempestades. Sobrevivente de todos os mares.
Os navegadores de olhos azuis. O mar sempre por perto. Os infantes e os criminosos. A imensa aventura. Quantos morreram à beira-praia! O escorbuto. Os dentes perdidos. A morte antecipada. As febres. A loucura. O Equador. O Neptuno. O eterno desafio. Ir e voltar, a ambicionada ternura da chegada. Não ter ninguém à espera. Mais uma garrafa de rum.
Agora é uma suave brisa que sinto. Uma brisa que traz odores únicos. A suave brisa da tarde. O rosto a refrescar. Os sentidos a apurarem-se. Esta é a hora em que os amantes se beijam. Há um par que vejo entrar mar adentro e desaparece depois da rebentação. Não sei que viagem decidiram fazer. Acabo de beber a minha água e vou embora. Terá sido uma ilusão?
«Tu sabes que eu não gosto de tempestades, nem vulcões, essas coisas. Tinhas de falar nisso.»
Voz de Isaurinda.
«Eu falei do perigo e do bonito. Falei de muita coisa. Tu nascida junto a um vulcão, que te apoquentou?»
Respondo
«Por isso mesmo. Ainda hoje, por vezes, sinto tudo a tremer.»
De novo Isaurinda e vai, uma suave brisa na mão.
Jorge C Ferreira Agosto/2019(211)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
Como amo ler-te! Como gosto de saber dos ventos de que falas, dos ventos que refrescam e que também devastam. Nasci, cresci e vivo no vulcão, por mim passaram e continuam a passar tempestades, ciclones, furacões, tremores de terra, terramotos. Acredita que já me habituei a todos esses embalos, apesar de os temer e respeitar. É aqui que quero viver, com este mar imenso que me cerca, que tem tanto de inspirador quanto de devastador..
Em todo o lado o perigo está sempre à espreita por detrás do que é belo.
Obrigada pela beleza que nos ofereces em cada dia, em cada texto teu.
Obrigado Manuela. Sei da tua ilha. Das saudades que tenho de atravessar o canal. Sei das vulcânicas pedras e das vinhas. Que bem vives, minha Amiga. Abraço
Há ventos difíceis de ultrapassar e outros que nos fazem sentir, tanto. A vida e a arte de escrever sobre os ventos, o mar e tudo aquilo que dela faz parte. Obrigada. Beijinhos.
Obrigado Sara. Ultrapassar sempre todos os bentos, esperar pela brisa acolhedora. Saber esperar, conhecer a vida. Abraço
A tempestade que assola as gentes. A mente incansável. A busca da tranquilidade. O mar, sempre o mar! A espuma branca que se espraia e traz a bonança.
Como a Isaurinda não gosto de tempestades…. gosto de fixar o mar azul e calmo.
Gosto da sua arte de escrever que é sublime.
Obrigada meu amigo! Um abraço.
Obrigado Eulália. Atravessar as tempestades. Saber dos ventos que despenteiam vidas. Falar do belo no meio do perigo. Abraço.
Amei tudo quanto escreveu/escreve.
Sou como a Isaurinda. Tenho medo das tempestadas.
Obrigada por esta brisa.
Um beijo, Jorge!
Obrigado Maria Rosa. Quantas tempestades nos assolam a vida. Chegar à calmaria. Saborear a brisa. Obrigado
Uma crónica intensa. Um maravilhoso aroma a mar e a brisa da poesia a tocar-nos. Como é bom ler-te, querido amigo. Como amante do mar , falas-nos dos ventos. Das tempestades, e boas bonanças da vida , na forma mais sublime e delicada.
Tal com a Isaurinda, quantos de nós, tantas vezes sentimos “tudo a tremer” , pois nem sempre tudo caminha “de vento em popa” e aí temos de encontrar um novo caminho, velejar totalmente contra o vento. Encontrar um lugar seguro e lançar a âncora para depois saber o momento certo e seguir em frente. Aproveitar as suaves brisas que vamos encontrando ao longo do caminho e procurarmos com todos os nossos sentidos sermos merecedores delas.
Não, não foi ilusão. Foi a vida a beijar o poeta. E se me permites, deixo um beijo meu, também.
Obrigado Cristina. É isso tudo que escreveste. A bela maneira de navegar. Nunca perder o rumo. Saber dos tempos. Abraço
Quantas ilusões em mortes antecipadas…
Quantos barcos à procura de porto …
Quantos “eus” à procura de abrigo, de aconchego.
Uma reflexão!!!
Obrigado Isabel. Tão bom ler-te aqui. Como escreves! A forma concisa como vais ao fundo das coisas. Abraço
E vou voltando por ti, pelo que escreves e pela porta que vais abrindo em cada um.
Obrigada
Abraçoooooooo
Isabel. Abraço grande.
De ventos, tempestades, furacões, intempéries nos contas. Na tua alma inquieta as sentes mais do que nós, outros. E as tuas ” gentes ” também são especiais, “faíscas nas pedras de amolar”(J.C.Ferreira). E sempre o mar, o teu mar, marinheiro de olhos azuis, feiticeiros nas noites de amores passageiros.
Mas vêm brisas suaves para acalmarem corpos e espíritos. E vem a Isaurinda com o seu pano proteger-te, como só ela.
Gostei destes ” VENTOS”, eu que só gosto de brisas calmas. É um gosto ler-te.
Beijos amigos.
Querida Ivone
Tomara eu tê-la por perto para falar de ventos em dias de brisa calma.
Sempre uma mensagem de vida.
Mil beijos
Obrigado Ivone. Tu és mulher de enfrentar muitos ventos. Mulher acção. Mulher protecção. Mulher de afectos. Tu abraças tudo e só sabes entregar suaves brisas. Abraço
Uma crónica intensa, a volta dos tempos movida por ventos indefinidos. O azul dos olhos de quem entenda a Rosa dos Ventos, em forma estrela. A exactidão que guia quem vive e sonha navegar. Tudo no seu tempo, como o de beijar sem pressa. O perigo e o bonito. Não foi ilusão. Linda Isaurinda, o equilíbrio. Magnífica brisa no momento certo.
Obrigado Regina. Os beijos são brisas de encantamento. São coisas de saborear. Os vendavais de loucura e o suave tempo de percorrer a vida. Abraço
Falou de muita coisa, sim. Do belo ao perigoso e assustador está aqui tudo. E que bem escrito! Parabéns e mais não digo excepto: Obrigada! Um beijinho
Obrigado Madalena. Procurar em tudo a beleza. Que bom ter gostado e o ter escrito. Abraço
Por vezes,ao ler-te, tento olhar o horizonte sob a tua perspectiva emocional.Eu sei,sei que quem escreve,abre,escancara a alma,mas,ainda assim leio de espírito aberto,ou será de alma aberta às palavras que escreves? Como leitora faço uma interpretação,quase me incluo numa qualquer personagem…depois de qualquer tempestade vem sempre a bonança,bem que a Isaurinda teme por essas lavas que lhe apoquentam as memórias.Quem não teme? Nada posso acrescentar,excepto que já anseio pela próxima segunda feira.Até lá…um abraço meu amigo escrevinhador.
Obrigado Célia. Que leitora excepcional que tenho a sorte de ter. Que bom viajares comigo. Brilhante o teu comentário. Abraço