Um jardim de manhã
Um jardim, um banco e uma vontade. Uma manhã de sol. Uma guitarra e uma música. Jogam às cartas os senhores do costume. A bica servida em chávena cheia. Uma água para avivar os lábios. Um sujeito que toca viola. Um dedilhado que sabe a renda. Outro fulano tenta arranjar palavras que se encaixem na música. A rima, a métrica e um pássaro que poisa, no banco, a escutar a melodia. Assim se pode fazer uma canção.
Fecharam o museu. Levaram os quadros. As paredes ficaram órfãs. Um espaço inanimado que teima em se manter de pé. Muitos pintores vêm fazer uma peregrinação ao palácio roubado às artes. Muitas cores, boinas e pincéis. As paletas da aventura. A arte a ser colorida. As sombras e os tons da vida a serem arranhados na tela. Uma espátula e uma nova camada. Quase tudo começa a fazer sentido, ou não.
É tempo de pedir outro café. O vício e o desejo. É escusado dizer que é cheio e sem açúcar. As mãos que tremem. A merda do tremor essencial. A chávena a dançar. Mais um malabarismo. Nada entornado. Vitória! O café a entusiasmar a vida. Uma nova força a crescer do negro líquido. Esse outro ouro que nos acorda. Um rapaz novo, com rabo de cavalo e sobretudo, senta-se ao sol e fecha os olhos. Tem um ar pensativo. Em que pensará? Que solidão será aquela? Pode ser mal de amores ou de humores. Pode ser apenas gostar de pensar. Ter o seu tempo consigo. A guitarra continua a tocar.
O escrevinhador acerta as últimas palavras. Agora é só tocar, cantar, retocar, reescrever, tocar e cantar. Tudo tem o seu tempo. O tempo de despertar, o tempo de criar, o tempo de experimentar, o tempo de recriar, o tempo de acabar e festejar. O contentamento de escrever FIM e partir para a próxima. Um papagaio assobia a quem passa. Uma canora interacção. O dono não lhe ensinou asneiras. Vive em casa de gente educada. Quem sabe assobiar cumprimenta-o de volta.
Falemos do pássaro. Livre e limpo. Cantor afinado. Acompanha o som da guitarra. Uma melodia que aprendeu rápido e já sabe de cor. Os trinados soam como variações de uma mesma música. Vai e volta. Traz sempre um brilho em cada canto. Um pássaro vindo do nada. Um pássaro que irá ficar sozinho. Ele e um ramo de uma árvore com um nome esquisito.
A canção vai crescer para outro lado. Vai conhecer outra gente. Ouvir outros músicos e outras opiniões. Assim irá crescer. Assim é com tudo e com todos. Assim acontecerá com aquele neto que apanha estes raios de sol invernais pela mão do Avô. Um caminhar que nos encanta. Como se o mais velho estivesse a indicar o caminho ao mais pequeno. Uma ligação que marca. Um modo de vida com fim anunciado. Ninguém quer sofrer por antecipação. Tudo faz parte da roda da vida.
«Olha que hoje gosto muito disto, mesmo muito.»
Fala de Isaurinda.
«Que bom! Fico tão feliz com essa tua opinião.»
Respondo.
«Sim, mas não abuses da tua sorte.»
De novo Isaurinda e vai, a alegria na mão.
Jorge C Ferreira Fevereiro/2019(197)
Um jardim numa manhã de sol é uma autêntica delícia, assim como a simples observação dos pequenos momentos do quotidiano: o tomar de um café, o vôo e canto dos pássaros, o passado, o presente e o futuro, no avô, no filho e no neto que passeiam. Haverá coisa mais bela que o colorido poético existente neste texto? Adorei, Jorge. Gosto do poder das tuas palavras que envolvem todos os meus sentidos. Grande abraço.
Obrigado Manuela. Que belas as tuas palavras vindas com o mar. Abraço
Um jardim cheio de encantos! Simplesmente adorável! Calculo que terá adivinhado o quanto eu iria gostar!…Como velhos amigos conhecemos, razoavelmente, a sensibilidade um do outro. Gosto da Isaurinda, também! Um abraço e muito obrigada
Obrigado Madalena. Os jardins são um local de gosta. A Isaurinda que eu também adoro. Abraço
Meu querido, a Cristina acabou a falar no ” gostar” da Isaurinda e eu começo por esse ” gostar” . Lia o teu texto e pensava, a Isaurinda vai gostar. Tens ali um super-ego e tanto. Nunca falha. É lindo o que nos disseste. Mais uma vez de uma forma cinematográfica eu segui o filme que construíste. O jardim, o banco, o tocador da guitarra, ou viola. O pássaro que faz um contra-ponto em acordes diferentes. O ” escrevinhador”, que tem a alma ( coração e mente ) cheia de palavras belas e de emoções, apanha no ar as notas musicais ( dó, ré, mi, fá, sol, lá, si ) e transforma-as em poemas de canções. Agora tens muita gente à espera da canção, das canções. E elas virão. Eu espero–a. Nós esperamos..” Tudo faz parte da roda da vida “. Beijo grato, meu amigo/ irmão. <3
Obrigado Ivone. És sempre tão generosa. São tão belos os teus comentários. A Isaurinda é o meu sonho desperto. Abraço
Tudo olhas, vês e brilhantemente passas para o papel desse teu jeito de palavras tranquilas. Bela capacidade de colorir um jardim. Sim, um banco de jardim e tu és invadido de intensa inspiração. Presentes o Avô, Flho e Neto. Abraço grande Jorge.
Obrigado Regina. Os jardins são para colorir e amar. Tempos lentos que abraçamos. Abraço
Querido escrevinhador,que palavras enfeitam o texto desta segunda feira. Fecho os olhos e torno-me figurante desse contar de palavras,quase que escutei a voz do fotografo:Olha ó passarinho… sem querer,acrescentei personagens…Meu amigo,que colorido foi este teu dia num jardim encantado com acordes musicais a fazerem-se ouvir. Abraço!
Obrigado Célia. Os pássaroa que nos emprestam as asas e o canto. Grato pela tua lleitura. Abraço
Porque a beleza está nas coisas simples. Uma escrita pura, autêntica, bela. Um bálsamo aos nossos sentidos. Como o teu querido filho herdou essa sensibilidade , esse neto trouxe-te a vida para também ele a herdar.
Por momentos estive nesse jardim, nessa linda manhã onde a magia aconteceu.
Porque a beleza está no que é puro e genuíno, a Isaurinda só podia gostar. Dá-lhe um abraço meu.
Obrigado Cristina. Escrevemos com todos os sentidos e assim nos vamos gastando. Um sumiço que nos encobre. Abraço
Tão bela a tua escrita.
Obrigado. Abraço