Crónica de Jorge C Ferreira | Ruas e vidas
Ruas e vidas
Sinais que chegam como se viessem de astros distantes. A Lua a fazer caretas à terra. Uma rua inventada por mágicas mãos. A rua de todas as criações. Candeeiros de alumiar coisas por inventar. Árvores decoradas com bolas de cristal. Uma colorida estrada. As vias rápidas para alguma suposta felicidade. Sinais numa língua escrita com pontos e traços luminosos. A grande aventura pronta a começar.
Que filme este! Que estória tão exuberante! Passeia-se gente muito iluminada pela colorida rua. Há jogos de subir às árvores para apanhar bolas de cristal. Um jogo perigoso. Os mais ágeis arriscam. Há quem ganhe quase sempre. Gente com tenazes nas mãos. Gente ambiciosa.
Há pessoas que moram noutras ruas, noutros ambientes. Com outras árvores. Algumas árvores com folhas de cair e crescer. Ruas com pássaros e pombos. O alcatrão. Os semáforos. Os carros e a poluição. Um pequeno jardim com bancos de ripas de madeira, onde um homem gasta o resto dos olhos num livro muito antigo. Da escola primária saem as crianças. Uma mochila a carregar um miúdo. Os pais esperam com o telemóvel na mão. O automóvel por perto. Pouco vão andar as crianças.
Há outros lugares. Sítios onde há ruas por asfaltar. Ruas onde as casas rangem de frio. Bairros mal alinhavados. Alguns vícios na rua. Muita gente boa e de trabalho. As rondas da polícia. As falsas denúncias. As acusações sem defesa. A revolta a germinar. Os donos dos nefastos e criminosos negócios à solta. Jogam os miúdos com uma bola oferecida. As balizas marcadas com pedras. O jogo da vida a rolar. Uma rede em volta de um campo com umas tabelas de basket muito velhas.
As ruínas de cidades que foram belas. As casas esventradas. Muita gente com a vida amputada. A lembrança dos bombardeamentos, da luta bairro a bairro, rua a rua, porta a porta. Tanta violência até que a morte matou algum sofrimento. As pessoas sem casas. Buracos. Ventres de bombas assassinas. Fazer uma trouxa com o que sobrou. Levar o resto dentro do corpo. Um coração mudado. A bicha de fugitivos a aumentar. O banditismo.
Os que não querem receber esta gente sem casa. Os outros bandidos. Os da palavra fácil. Os aldrabões da nova banha da cobra. Alguns já conseguiram ganhar eleições. São rostos de outra gente. Os senhores do mundo, os novos palhaços. Palhaços que não são para rir. Palhaços que ofendem os verdadeiros palhaços. O poder que têm na mão é de temer.
Enquanto houver gente sem tecto, desprovida de nada, não nos devemos calar. Vamos construir os bairros do futuro. Vamos estar do lado do bem. Vamos ser generosos. Não nos deixemos enganar com populismos baratos. Liberdade e justiça, o essencial de uma sociedade.
«Eu, que até já vivi em muitos desses bairros, não gosto de muitas coisas que estou a ver. Não me cheiram bem!»
Fala de Isaurinda.
«Eu sei. Lembrei-me de ti. Temos de estar atentos.»
Respondo.
«Eu sei. Sempre!»
De novo Isaurinda e vai, a mão a fazer um V de Vitória.»
Jorge C Ferreira Novembro/2019(224)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
Bom dia, Jorge! Como gosto, como consigo ver o que o teu olhar e sensibilidade mostram
Beijinho
Obrigado Eulália. Que feliz me deixas com essas tuas palavras. Abraço.
A vida e as desigualdades expostas nas ruas a céu aberto. Vamos dar o nosso melhor para ajudar a construir um futuro mais humano, justo e solidário. Estejamos atentos! Um beijinho
Obrigado Madalena. Este mundo injusto. A volta que lhe temos de dar. Vamos ser cúmplices. Abraço
Enquanto houver gente com fortunas descomunais e outros sem nada.
Enquanto houver crianças a sofrer. Enquanto houver violência. Enquanto houver injustiças. Enquanto houver guerras. Enquanto houver fome. Não nos podemos calar!
Há situações que não podemos permitir.
Trata-se de HUMANIDADE!
Obrigado Maria. Nunca calar. Lutar sempre. Ter coragem. Sermos humanos. Abraço
Emocionante a forma como descreves os teu olhar atento ao mundo. Como gosto. Obrigada, Jorge. Abraço
Obrigado Cristina. O Mundo entra-nos olhos dentro e fere a nossa sensibilidade. Temos de mudar a vida. Abraço
Há novas palavras com direito a aplausos. Políticos que viram anjos de asas chamuscadas quando nas novas funções de comentaristas tentam o Padre Nosso e a Avém Maria para aliviarem a consciência.Tudo se resume a promessas vãs,os ingénuos são sempre os mesmos,para isso contribui o desinteresse que depois “tramam” todos os outros.O palanque, sempre os mesmos actores em palco,os actos começam daqui a nada…esperar para ver cenas dos próximos anos.Tudo na mesma,tudo igual…nada de humanidade,nada de tecto,as ruas desertas,porque clamar ou exigir fica mal.Pedir é só para os pobres,coitados de nós que mais pobres nos tornamos na pouca vontade de exigir ou tentar não por nós,mas,pelos nossos que ainda são gente a crescer…Abraço meu amigo!
Visão emocionante do egoísmo dos poderosos. Liberdade e justiça. A história que se vai repetindo e os palhaços com poder. São perigosos! Há que estar atento e fazer ouvir os que não têm voz.
Obrigada Jorge!
Um abraço.
Obrigado Eulália. Gostei muito do seu comentário. Sabe bem ouvir. Abraço
Obrigado Cecília. Sempre atentos. A isso somos obrigados. Não facilitar. Exigentes. Abraço
Obrigado Cecília. Sempre atentos a isso nos devemos obrigar. Sermos exigentes. Abraço
” Ruas e vidas, vidas de ruas. Quantos não têm onde se abrigar e são as estrelas que os cobrem. Depois, os que vivem nos bairros de ” casas que regem, “com aberturas nos telhados e paredes, onde o frio entra sem pedir licença enregelando corpos e almas. Quantas vezes os que lá pernoitam bebem para aquecer e sonhar. Os sonhos fogem, porque há quem se aproveite da fragilidade e os queiram roubar. Mas são gente boa os que as habitam. Generosos dispõe-se a receber os que fogem das guerras, apesar da pobreza. E como é possível que há os que se dizem ” gente bem “, mas não são gente de bem. Estes não querem acolher quem precisa.Mas continuaremos a lutar pela justiça. A Isaurinda lembra e faz o V de Victória. Também irá descer a Avenida de braços cruzados connosco. ” Temos de estar atentos” dizes e eu digo. Beijinhos meu Amigo/ Irmão. <3 <3
Obrigado Ivone. Sempre belos os teus comentários minha Amiga/Irmã. Nada a acrescentar. Grande Abraço.
Não deve ser fácil passar incógnito nesta miscelânea social sem uma fronteira; talvez seja um bem haver oportunidade de não deixar passar os extremos: os meios estão muito próximos.
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Sempre lúcido, meu amigo. Abraço