Quem somos
por Jorge C Ferreira
Andar sempre preocupado com o futuro, com o que nos vai acontecer. Saber que a ansiedade pode crescer de uma forma perigosa. A ansiedade que nos vai corroendo. As esperas que nos vão definhando. Saber que o tal bem nem sempre é bom. Saber que muitos pensam que se não nos dói nada não estamos doentes. E nós ansiosos ouvimos e não acreditamos.
Não saber o que se tem ou não se tem. Saber que há luzes que se vão apagando e nós vamos deixando de ver. Por vezes a lua abre-nos uma janela para o desconhecido. Uma fruta dá-nos o sabor da vida. A vida, outra janela tão pequena! Um tempo sem medida e nunca marcado. Não há agendas para estes acontecimentos. Não há calendários para estes momentos.
Felizmente há pessoas que nos entendem. Que olham para nós e nos percebem. Que se preocupam connosco. Muitas vezes gente que nem sequer estudou para isso. No entanto, a ajuda de alguém com conhecimentos é sempre necessária.
Há quem peça ao seu Deus que o ajude. Há quem reze, acenda velas, tenha santuários em casa. Há quem não dispense um genuflexório para aí se recolher, no silêncio mais silencioso, e pedir pelos outros.
Eu sinto-me bem em entrar num templo e sentar-me a ouvir aquele estranho silêncio. Basta-me isso para me acalmar. Há muito que não o faço. A inquietação continua a perturbar-me. Desde a pandemia a nossa vida mudou. Nada mais foi igual. Foi como um fim antecipado a que se seguiram outras marés de mal. E ainda é nisto que andamos. É contra isto que continuamos a lutar.
Por vezes vemos uma onda que nos alimenta a esperança. Sabemos que não morreu na praia. Apenas ali despejou a espuma de um tempo imemorial e algumas coisas que incomodam o mar e de novo vai. Quantos quilómetros percorre uma onda? Quantos caminhos nos restam a nós?
Sabemos tão pouco que de repente somos aprisionados pelo medo. Nem de nós sabemos. Meus momentos de desassossego. Quase uma loucura a arder como se fosse uma paixão não correspondida.
Ansiedade, depressão, loucura. Uma estrada que não queremos percorrer. Um momento especial que nos alerta para todos os perigos. Um momento que diz que há outras estradas.
Uma aldeia, no meio do nada, que nos recebe. Um silêncio que nos afasta do bulício das cidades infestadas de turistas. Só vemos os riscos brancos da passagem dos aviões a onze mil metros de altura. Não temos sinais para saber do mundo. Voltamos a escrever cartas. Uma vizinha dá-nos ovos e uma couve. Podemos colher um fruto de uma árvore ou um fruto silvestre numa moita. Voltar ao princípio de tudo.
Fazer um café numa cafeteira de esmalte e saboreá-lo depois de ficar inebriado com o cheiro único daquele líquido mágico. Ainda me lembro do cheiro do café feito pela minha Avó. Dos sabores dos seus cozinhados. Das suas mãos na minha cara. Dos seus beijos. Das suas doces palavras.
Chegar ao fim da vida na ignorância capital. Uma coisa que me inquieta desde muito novo, porque andamos aqui? O que andamos aqui a fazer? Alguns acham que temos uma missão a cumprir. Será?
Nada vos sei dizer sobre isso. Sempre tentei comportar-me de forma correcta. Não para ir para qualquer lugar. Apenas porque fui assim educado.
O que nos espera para lá das cinzas?
«Que coisa estranha e triste escreveste hoje! Tens de arribar de afivelar outro rosto.»
Fala de Isaurinda.
«Sabes, muitas vezes temos de nos interrogar sobre nós. Sobre o que somos e fizemos.»
Respondo.
«Tens de ser positivo. Pensar no futuro.»
De novo Isaurinda e vai, um ar zangado.
Jorge C Ferreira Julho/2023(402)
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Li e senti cada palavra sua. Palavras de verdade.
Soube-me bem esta conversa em silêncio.
Sim sabemos tão pouco. Mas o que os nossos nos transmitiram é inesquecível.
Vamos acreditar, que “ há pessoas que nos entendem.”
Amei o que escreveu, mais não digo, só iria estragar o que gostei tanto de ler, meu escritor de eleição.
Abraço muito grato.
Obrigado, Maria Luiza. Tão bom ler os seus comentários. Ouve-se o seu coração. Eu é que lhe estou muito grato por me ler e comentar. Um abraço enorme
Leio, releio e medito!
Penso nos versos semelhantes dos teus sentires
e indago-me … enquanto abro os diários de outras épocas.
Procuro-me, e encontro-te nos traços das memórias
que agitas.
Paz, quantas vezes um mar sem ondulação, mas provocador
e dialogante com simbologias interrogativas.
Ser, uma conjugação pertinente … sublinhada de momentos,
mas nunca apelo de apagamento .
Isaurinda assina um sorriso verdade,
e tu … grande obreiro da vida … gritas – Fui, sou e serei!
Um grande e grato abraço!
Obrigado José Luís, Poeta. Belo o teu comentário. Uma maré de belas palavras. A minha imensa gratidão por estares aqui. Abraço forte
O que nos espera para lá das cinzas?
que fogo libertador?
que mansidão de descanso?
algo como a eternidade?
ou um desassossego que não dá tréguas?
o que fomos?
o que somos nesta contagem decrescente?
o que fizemos do tempo que nos foi doado?
deixamos marcas?
alguém que nos recorde?
ou nem um pensamento vago e indefinido?
ficaram escritas as memórias num manto de azul? num oceano de luz? nas sombras de que são engendrados os pesadelos?
temos uma missão?
um fado?
destino?
quem foi que nos arrebatou com as palavras certas?
quem nos levou pelo e para o sonho?
quem nos trouxe a sua voz e a levou para outras madrugadas?
quem nos fez escutar os recados do vento?
dos silêncios? das dores submersas?
quem nos abriu o seu diário de viagens?
quem nos deu a terra a respirar, o mar a navegar, os dias para devorar?
o mercador de quimeras?
o visionário?
há quem lhe chame poeta
trovador.
cronista.
senhor de demandas.
peregrino.
hábil constructor de ideais.
arquitecto de devaneios
locatário das paixões
ilusionista e saltimbanco da vida
inventor de tudo um pouco
do corpo e da palavra
a acontecer…
Jorge C Ferreira.
Grande reflexão. Li, reli, questiono-me. Regresso a memórias de infância feliz. Toda a vida que se seguiu. Tanta coisa boa, outras nem tanto. Tanta perda. Vão partindo os que amamos. Fica o vazio.
Tanta pergunta sem resposta. O mundo em constante mudança.
A pandemia avassaladora. Nada é igual. A humanidade sofreu grande mudança. Os dias transformam-se em noites. As noites em dias. O tempo não perdoa. A vida foge. Continuam as perguntas sem resposta. Viver e valorizar o momento presente como uma dádiva.
Obrigada Amigo por estar desse lado.
Grande abraço
Obrigado Eulália. Assertiva e bela é a sua reflexão neste comentário. Quem somos é uma questão que me persegue desde muito jovem. Quantas respostas procurei em vão. Assim somos. Grato pela sua presença constante e Amiga. Abraço grande
Obrigado Mena. Que lindo o que dizes. És um poema inteiro e intenso. Escreves as palavras que não mereço. És de uma grande generosidade. A minha infinita gratidão. Abraço grande
Escrever a vida como se soubessemos o que está predestinado, dúvidas e incertezas capitúlos com verdades e sonhos, tempestades, bonanças tudo escrito, tudo a se escrever ao rítmo de cada vida que nos é dada. Viver custa, viver por viver é filme sem fim, a haver um fim não o escrevemos, alguém iniciará o prefácio…
Certezas e incertezas, mais uma volta de carrossel, descanso no templo, a melhor das orações, o silêncio onde tudo é dito e ouvido por nós mesmos. Que escrever meu amigo senão que mais uma vez sigo na mesma viagem? Abraço imenso, obrigada por tanto.
Obrigado Cecília. Belíssimo o que escreveste. Um comentário que é um poema. E tu com a vida a pulsar nas veias do corpo. É tão bom estares aqui. A minha gratidão. Abraço imenso
Uma crónica intimista. Um texto de indagação sobre a questão inagural de si. A(s) pergunta(s) sempre presentes num indivíduo que se espanta cognitivamente e deste olhar interrogativo não obtém resposta. E esta ausência permanente e dilacerante quase martiriza o autor.
Escrito de tristeza. Um grito interno.. A procura constante que não encontra o seu objecto. Um pensamento sobre o pensamento do seu ser. Ir ao” fundo” . Sentir-se ” louco”. A solidão e o desespero. O resultado do questionamento como vazio do mesmo. O desconhecimento cósmico de si e o necessário sentido pelas origens. O, quase, fim pressentido e pressionando uma luz a alcançar. Jornada a perseguir, perseguida, já, mas ingloriamente conquistada.
As palavras dizendo a angústia de existir numa identidade que se questiona na sua essência e ao limite se desconhece. E agora? Como prosseguir numa mesmidade que se ignora. O paradoxo inevitável e irremediável de quem ousa questionar e reflectir.
Obrigado Isabel. Que leitura intensa. Que belo e profundo comentário. Tudo fruto de um sentir generoso. É sempre muito gratificante ler os seus textos. Muito grato. Abraço grande
Boa noite Poeta
Hoje, convida-nos a refletir sobre a reflexão de “quem somos”.
Partilho das mesmas questões e/ou preocupações do Jorge.
Ansiedade, desassossego, medo, sempre latentes. Padeço desses mesmos males.
Sabemos o que já fizemos e fazemos, como contributos para a sociedade em geral ou comunidade, família e nós próprios.
Poderíamos ter sido mais ousados, interventivos? Poderíamos ter escolhido outras opções ou caminhos diferentes?
Não sabemos. Pela parte que me cabe, tenho consciência de que agi sempre na medida do possível, do viável, nos respetivos contextos. A minha prática e conduta continuam sem desvios em termos de consciência e ideais. Talvez por isso não sinta grandes remorsos ou arrependimentos.
Mas a impotência face a tantos problemas e injustiças, ao nível mundial, causa-me permanente ansiedade, inquietação, medo, angústia… Este vício de pensar em demasia só nos dá sofrimento, dor…
A vida é um grande mistério, mas o princípio e o fim de tudo.
Como torná-la mais humanizada e digna, temos aí o nosso papel, com as ferramentas de que dispomos, cada um à sua maneira.
Abraço. Até à próxima.
Obrigado Fernanda. Um comentário que assino por baixo. A eterna dúvida sobre quem somos e o que fazemos aqui. Pensar é importante mas, por vezes, dói. O nosso eterno desassossego. O desassossego do Poeta grande. A minha gratidão. Abraço grande
Subscrevo tudinho desta sua tão maravilhosa cronica…
Sinto- me tantas vezes incompreendida na minha tristeza e inquietação…
Também eu adoro entrar num templo vazio…e só encontrar a paz da minha ansiedade… gosto que gostem de mim e peçam aos seus deuses por mim…eu que já não creio no céu ou no inferno… porque acho que tudo é vivido aqui…entre o bem e o mal.
Mas a Isaurinha tem razão: temos que ser positivos… não é o que todos querem!?
Abraço grande, querido Jorge…
Clara
Obrigado Clara. Tão intenso e tão belo o que escreveu neste nosso espaço de pensar. Este pode ser o templo vazio e de paredes frias que nos acalma. Eu teimo, apesar de tudo, em acreditar nos outros. Juntos somos mais fortes. A minha gratidão. Abraço forte.