Crónica de Jorge C Ferreira
Procurar
Procurar, procurar, procurar. Muitas vezes uma busca cega, porque cega é a vontade de chegar ao apetecido, ao sonhado, ao desejado. Por vezes apetece desistir. Não sei se por o sonho ser demasiado ou a força fraca. As mãos abertas, os braços esticados. A tentativa de encontrar primeiro o todo que parece esquivar-se em golpes mágicos.
Não vos vou dizer se é uma mulher, um homem, um feitiço, uma obra. Um encanto será por certo para merecer tal porfia. Esta teimosia de alcançar o brilho que o opaco tem. Esta virtude de nunca estar satisfeito com os caminhos traçados. Tentar definir o viver por acontecer. Inventar rios, estuários, mares e marés. Provar o sal e salgar a língua de outras verdades. Acreditar que há uma saída para estes caminhos.
A avenida liberta dos medos a nascer devagar nos ramos das árvores. Os canteiros das flores embrulhadas em ternos tempos. Tempos que não cansam. Tempos de provocar a vida. Os bancos de descansar, ler e pensar. Bancos camas de alguns. O frio e o calor. O cobertor e o cartão. Um corpo danado e um nada que acontece. Tanta gente à espera do primeiro autocarro!
Continuar a inventar e encontrar uma carícia escrita pela mão de um Poeta quase pronto para enlouquecer. O Poeta que busca os sentimentos através de palavras inventadas. Um ramo de flores para oferecer a uma poetisa que grita poemas eróticos em folhas de papel côr de amor. Um grito que salta do fundo de tudo. O gostoso desgosto numa bainha muito afiada. Um corpo que, gelado, renasce para um amor desaustinado. Os filhos da loucura choram à porta de uma maternidade sem médicos. Injecções que se gastam sem necessidade.
Procurar, procurar, procurar. A busca que não cessa. A incrível necessidade do diferente. Quanto tempo se leva a construir a impossível perfeição. Rastros, trilhos, pistas. As pegadas de seres desconhecidos. O futuro cada vez mais perto. Há quem rasteje tentando não ser visto. Há quem chore lágrimas de terra. Entretanto um homem e uma mulher rasgam os seus afectos escondidos numa sebe de frutos selvagens. Ninguém lhes liga. A liberdade já tinha nascido naquelas terras.
Um cantor faz uma música que nunca mais consegue acabar. Vai inventando sons que nunca ninguém tinha ouvido. Experimenta novos instrumentos. Fabrica-os numa bancada de carpinteiro. Tenta extrair novas verdades daqueles sons que se precipitam no vazio. O cabelo vai crescendo. A barba também. Fios de cabelo que não sabem construir acordes. A novidade quase a ser alcançada. A busca a continuar. Uma orquestra construída. A música ainda incompleta.
– “O óptimo é inimigo do bom”. Grita alguém com ar de quem sabe tudo. Como sabemos saber tudo é impossível. E nada pode impedir as pessoas de procurar o belo. É o belo que procuramos no corpo mais desajeitado. É o belo que encontramos no mais intenso desse corpo. Passa alguém que não conheço e esboça um sorriso. Sorrio também.
A busca continua.
«Olha que te lembras de cada coisa! Sempre à procura!»
Voz de Isaurinda.
«Sabes que ando sempre numa busca. Acho que vai ser assim até ao fim.»
Respondo.
«Está bem. Depois não me venhas dizer que encontraste o que não querias.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a dizer adeus.
Jorge C Ferreira Dezembro/2019(228)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
Continuar a inventar e encontrar uma carícia escrita pela mão de um Poeta. Jorge eu encontro tantas vezes as carícias das tuas palavras. Um beijo terno e amigo
Obrigado Maria Antónia. A ternura é uma arte poética. Abr
Gosto de Ler o teu Belíssimo texto e todos os outros dos amigos que tão bem o comentam!
A inquietação dos inquietos!
O desassossego dos sossegados!
Deixemos passar a época. A caravana das luzes que nos cansam. Os bacalhaus obrigatórios e a poeira assentar. A angústia de um tempo que deixou de ser de partilha para ser de obrigação . Eu venho do Sol, do mar e do Sal e sinto-me a caminhar para a idade média, idade das trevas, vivida de um modo virado do avesso, não sei bem expressar o que sinto, mas sinto que não me sinto bem.Mata-se no mundo, esfola-se, e ao mesmo tempo comemora-se em nome das luzes de um Natal. Basta. Abraço para ti.
Obrigado Fernanda. Quantos mundos existem? O consumismo e a fome. A injusta forma de viver
A constante procura do essencial, da simplicidade, da verdade.
A busca dos detalhes. A procura do SER que existe em cada um. Mas há tanta gente cheia de TER…. Talvez um dia se cansem e passem também a procurar.
Obrigado Maria. Eu acho que a isso irão ser obrigados. Vamos acreditar numa geração diferente. Abraço
Sei bem do que fala, meu amigo! Já experimentei esse desassossego que só terminou quando encontrei o amor! Um amor que me completava. Nunca mais senti essa ansiedade. Era uma sensação de plenitude nunca dantes sentida. Era a serenidade, a calma a felicidade dentro de um coração! Conclui que a ansiedade é falta de amor. Não sei se concordam…Mas a busca é importante. O movimento é que faz girar o mundo! Parabéns Jorge e espero que um dia encontre o Santo Graal! Um beijinho
Obrigado Madalena. A ansiedade é a falta de nos encontrarmos. Se consiguirmos ser nós se nos conseguirmos entender daremos o salto. Abraço
Busca incessante. Memórias adormecidas que tropeçam pelo caminho. Os bancos do jardim. Bancos de descanso, de leitura, camas de alguém. Olhar de quem passa e vê aquilo que tantos não vêem.
Insatisfação de poeta. Inquietação.
Um abraço.
Obrigado Eulália. A multiplicidade de utilizações que um simples banco pode ter. Tanta vida por viver. Abraço
Não desistir de procurar o belo. O que nos é aprazível ao sentir, a harmonia das palavras ditas. O que nos oferecer paz. É um esforço ou não seria a procura. Descer a avenida à noite e a ausência dos cartões em formato de cama. Não desistir, recomeçar a procura sempre que nos pareça distante de alcançar. Que conversa bonita. Abraço grande Jorge.
Obrigado Regina. Nunca desistir. Acarinhar as palavras e as criaturas. Abraço
A incessante procura,passamos o tempo que é vida procurando tanto. Uns encontram,outros não se contentam e procuram a verdade,sobretudo a verdade das coisas. Há quem procure encontrar a existência de Deus,há quem ache que seja o causador de tanta procura onde não se acha respostas. Há uma vida de mala de cartão,a marginalidade mora a paredes meias com quem procura,a procura é terrível. A Isaurinda na sua sabedoria tem razão,de algum modo procuramos e encontramos a resposta improvável. Abraço meu muito amigo.
Obrigado Cecília. A eterna busca. A busca que pode variar consoante a fé a crença ou a descrença . O importante é procurar. Abraço
A procura. A necessidade de encontrar, procurando. Não desfalecer, nunca. Não há cansaço quando procura, mas antes a ânsia de chegar ao encontro. E mais perfeito e desafiador é, quando não se sabe o que se procura. Um desafio que se torna um vício. Porque é inquietação o que move quem nunca está satisfeito. Quando julgou ter chegado ao que sonhou, já longe, talvez perto do mar, cresce uma nova vontade. E é sonhando que novamente procura. São assim os inquietos, os que não deixam que a vida passe por eles, mas sim serem eles que traçam o caminho para trilhar até sentir que……..” finalmente “. Mas este ” finalmente “, depois de encontrado, faz crescer uma nova inquietação de procurar. E, qual planeta Terra nos seus movimentos de rotação e translação, não pode parar, para que o seu mundo não caia descontrolado na fogueira do Sol. Beijo, meu amigo e outro para a Isaurinda.
Obrigado Ivone. Que nunca o cansaço nos vença. Uma réstea de força, uma luz que não nos deixe adormecer. Brilhante o teu texto. Abraço
Tendemos procurar longe o que está, muitas vezes, ao alcance das mãos. Por que será que a nossa tendência é mais para complicar?! O ser humano é constituído por um sistema biológico idêntico ao mecanismo de relógios de precisão. Uma combinação de peças que se movem por rodas dentadas, eixos e cordas que lhes dão vida.
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. O que, muitas vezes, nos parece ao alcance das mãos, está longe de ser alcançado. Nunca desistir. Abraço