Crónica de Jorge C Ferreira | Pensar

Pensar
por Jorge C Ferreira

 

É fascinante, mas não é fácil, a opção de quem faz do Pensar vida. Por cada coisa que se acha, muitas outras aparecem prontas a serem namoradas. É uma outra dimensão de estar no mundo, de o ver. Uma busca constante. Um cansaço que nunca chega. Ter a mente ocupada é uma terapia única para se sentir vivo. Tentar encaixar as peças do imenso puzzle que somos. Arriscar, escrever e fazer frente ao pensamento dominante. Fazer do discurso conversa, lição. Saber ouvir.

Eduardo Lourenço partiu, mas deixou uma vasta obra. Foi reconhecido em vida. Um caso a saudar em Portugal. O Portugal e os portugueses que ele pensou, terão pensado com ele? Pensar não é uma actividade muito portuguesa. E o mundo que ele tão bem pensou? Que pensa dele?

Por vezes pensamos muito nos outros e nunca nos chegamos a conhecer. Tarefa difícil achar a diferença. Eduardo Lourenço, um homem que não sabia dizer não. Um homem pronto para estar e dar o seu saber. Vamos ler e reler a sua obra. Vamos pensar com ele.

A filosofia deve, acima de tudo, ensinar o gosto de pensar. Pensar é descobrir. Estarmos connosco num momento único. Há um bater de coração diferente. Uma beleza parecida com a paixão. Saber o valor da dedicação. Do que se oferece ao mundo numa dádiva pura. O falar simples, para ser compreendido, não está ao alcance de todos. A simplificação do que é complexo. Um dom. Viver com isso. Viver para isso. Viver disso.

A paixão por uma ideia. A vida por um objectivo. “Nós é que passamos pelo tempo, não é o tempo que passa por nós” (EL).

Ter, e conhecer, mundo e apreender outras maneiras de pensar. Há, sempre em nós, a nossa terra, a nossa rua, o nosso bairro. Somos, no entanto, um povo de sair e procurar. Somos do mundo desde muito cedo. Fomos exploradores e explorados. Fomos muita vida cansada. Fomos muito desastre. Também fomos muita novidade do saber, muita aventura.

Sublime é ir procurar o desconhecido. Um lugar que ninguém conhece, que não consta em nenhum mapa. O perfeito nunca visto que, afinal, não passa de uma rua sem luzes, sem estrada, sem casas, perdida no meio de árvores desconhecidas. Estarmos ali debaixo daquele arvoredo é uma situação especial. Estar longe de todos os olhos, de todos os radares. Não avistar uma luz. Não saber do mar. No entanto, olhar e procurar o que existe dentro desse sítio perdido.

Chegar de novo e procurar o novo país, o que mudou enquanto não estivemos cá. Ver, in loco, a casa onde nascemos ou o sítio onde ela existiu. Ver os que gostamos. O nosso outro amor na vida. O mais carnal. O mais palpável. O mais animal. Saber o gosto do amor em Portugal. Saber amar ao luar. Dizem-nos que o luar na nossa terra é sempre diferente. Quem somos? Lá voltamos ao mesmo. Vamos pensar.

Obrigado Professor Eduardo Lourenço.

«Olha que atinado estás hoje. Também gosto muito desse Senhor.»

Fala de Isaurinda.

«Deixou-nos muita coisa para nos preencher a vida.»

Respondo.

«Hoje gostei do que me leste. Vá lá!»

De novo Isaurinda e vai, as mãos postas.

Jorge C Ferreira Dezembro/2020(279)

Jorge C. Ferreira
Define-se a si mesmo como “escrevinhador” . Natural de Lisboa, trabalhou na banca, estando neste momento reformado. Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence; Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019. Participou no livro de homenagem poética a Paul Celan – A Norte do Futuro. Editou em 2021

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15 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Pensar”

  1. Jorge C Ferreira

    Obrigado Isabel. Sim, minha amiga. Vamos ler e reler o que deixou escrito. Será muito importante. Abraço

  2. A filosofia e a acção.
    O eu e os restantes.
    O ter e o saber.
    Tudo coube nesta crónica reflexiva.
    Assim ando eu. Num recolhimento com algo de reflexivo, acompanhada pelo que vai cá dentro e pelo que descubro quando olho para fora.
    Um abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Sofia. Pensarmo-nos. Pensar em tudo. A ideia é tentar acomodar determinadas dúvidas. Abraço

  3. Cristina Ferreira

    Estou uma vez mais com a Isaurinda, “que atinado” estás hoje”. Como não “estar” quando é de Eduardo Lourenço que se fala e se pensa. Só podia surgir esta belíssima crónica escrita por um bonito Ser pensante que és tu, querido Jorge. Adorei. Abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. A importância do pensar. Ocupar a mente com utilidade. Ufilizar o que nos foi dado. Abraço

  4. ivone Teles

    Meu querido Amigo, só hoje pude vir por aqui. Adorei o que escreveste sobre
    o Eduardo Lourenço. Um pensador de eleição, um Homem também muito especial. Não vou escrever muito sobre ele. Fizeste-o aprimoradamente e ia repetir. Conheci o Eduardo, o Adriano e o irmão mais novo, já falecido e de quem não lembro o nome. Éramos, eu as minhas irmãs e outros jovens vizinhos na rua dos Combatentes da G.Guerra, quando éramos adolescentes. Eles eram os “Farias”. Que paciência ele tinha. Mais velho do que os outros, já não perdia nenhuma possibilidade de conversar connosco, a pensar alto. E nós ouvíamo-lo com uma atenção respeitosa. Fui, como alguns dos outros, seguindo o seu percurso, mas com um enorme respeito. Obrigada pela tua Crónica. Como a Isaurinda ” Gostei do que me deste a ler “. Beijinhos da tua Amiga/Irmã.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Conhecer o Eduardo que já teimava em pensar. Que privilégio. Tanto o que tens para nos ensinar. Abraço grande.

  5. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Era bom que houvesse uma disciplina do Pensamento, nas escolas.
    Uma Cadeira onde nos sentássemos com estabilidade e conforto para que o pensamento fluísse continuamente!
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. A filisofia devia ser para isso. Para aprender a pensar. Devia começar bem mais cedo. Tem toda a razão no que diz. Um abraço

  6. Eulália Pereira Coutinho

    Magnífica crónica. Bela homenagem a esse grande homem Professor Eduardo Lourenço, Mestre na arte de pensar.
    Aprender a pensar. Difícil aprendizagem. Procurar em busca incessante. Encontrar o inatingível. Fazer do quase nada tudo. Saber ouvir. Pensar é descobrir.
    Obrigada Mestre, pela forma sábia como ensina a pensar.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Um ser de grande importância no nosso viver. É muito importante pensar. Saber de nós e do que nos rodeia. Abraço

  7. Cecília Vicente

    Meu amigo, muito temos pensado ultimamente, digo eu (…)
    Tenho pensado tanto que dou por mim a questionar por que, porquê de tudo estar às avessas, é como ler um livro do fim para o início, certamente haverá quem pense saber tudo, os egocentristas intelectuais proliferam e convencem, ou tentam enredar episódios fraudulentos apanhando desprevenidos os ainda leais ao que afirmam : Só sei que nada sei… e vemo-nos confrontados com desaparecimento dos leais pensadores que muito quiserem ensinar com inteligência, com a grandeza maior com que fizeram estudando o lado humano do que somos neste nosso país que ainda tem muito a aprender se quiser ir longe quando se der ao trabalho de pensar por si… talvez nos tornemos filosoficamente descobridores de que” tudo vale a pena quando a alma não é pequena”… Desejo-te todo o sucesso para o teu segundo livro, enviando-te um abraço há muito prometido. Fica bem!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Que belo texto. Temos de nos conhecer e saber com quem e como vivemos. A importância de pensar. Abraço

  8. Isabel Pereira

    Também gostei muito hoje de o ler. Falar de Eduardo Lourenço é perpetuar o seu legado. Muito aprendemos e continuaremos a aprender lendo e relendo a sua obra. Obrigada amigo. Sucesso. Saúde. Abraço

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Sim, minha amiga. Vamos ler e reler o que deixou escrito. Será muito importante. Abraço

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