Os sabores e os cheiros
por Jorge C Ferreira
Saborosos são os corpos de quem chega dos países dos cheiros especiais. Um sabor que se mastiga com pós muito antigos. Um colorido que nos encanta o coração. Um comboio que mastiga ferro. Os fatos engomados de alguns senhores. Muita gente descalça. A primeira, a segunda, a terceira classe e o tejadilho. O fumo e as fagulhas. Um som estridente. O fogueiro, o maquinista e o factor. Os passageiros e os animais. Uma viagem sem fim.
Muitas lágrimas apaixonadas. Um sari e um desgosto. A Índia aqui tão perto. O sabor quente e húmido das manhãs. O suor. Um porto e um barco. Uma noite doce e uma ventoinha gigante no tecto. As pinturas e as joias. Uma vista para o mar. Um corpo de serpente e o açafrão. Uma pulseira de ouro num tornozelo. Uma dança do diabo. Um ardor que não cansa. Uma noite sem fim.
Os perfumes que ficam. A arte dos perfumistas. O artista. O olfacto apurado. A alquimia. A busca da perfeição. O odor ideal para um corpo. O cheiro dos cheiros. As espadas embainhadas. O tempo da paz. O tempo de percorrer a estrada de todas as flores. O líquido que faz amar. O cheiro do amor. Um frasco sem fim.
A estrada de terra batida. O lixo. Gente sentada no chão de forma esquisita. O saber esperar. O ter tempo. Uma árvore que dá esperança e sombra. Aprender a pensar. Ler um livro de todos os tempos. Comer pouco. Saber a cor do sofrimento. Caminhar só o necessário. Um anel num dedo do pé descalço. Fazer cama do mesmo chão e deitar-se. Esperar muito. Uma espera sem fim.
A seda e a pureza. Natural como a vida simples, assim nos encontramos. Somos o encontro inesperado numa rua esquecida. Uma rua que nunca mais lembraremos. Intensas estas ocasiões. Inesperados estes acontecimentos. Quem os promoverá? Por vezes olhamos para tanto vazio e nada acontece. Outras o vazio enche-se de prazer e os olhos ficam brilhantes. Encantos sem fim.
Tantos são os caminhos que se cruzam com aquela estrada. A estrada que escolhemos. Tanta é a sedução que nos provoca em cada esquina. Imensas são as cores que se embrulham no nosso olhar. Não me perguntem porque escolhemos seguir sempre em frente. Talvez uma voz, uma chamada, um acaso. Talvez nada. Talvez por sermos cegos em relação a determinados acontecimentos. Uma cegueira sem fim.
Picante é a comida. Picante é a vida assim comida. Um prato imenso com pouco que comer. Um amarelo que aquece o querer. Umas pernas que se passeiam pela esplanada do restaurante. Pernas bronzeadas, torneadas. Pernas vindas de um corpo que é bênção. O picante a crescer no corpo. O prato grande a ficar pequeno. A garganta em fogo. As pernas cada vez mais perto. Um picante sem fim.
Uma ida ao Oriente. Atravessar o Índico e saber ver. Querer provar tudo sem saber de nada. O entusiasmo e o gosto pela aventura. Ver as grandes lavandarias e a roupa estendida sem molas. Aprender o truque. Comprar o que não precisamos. Ver as outras maneiras de viver e tentar compreender. Amar o mar e saber da sua bravura. Seguir o caminho até ao fim.
«Saudades de viajar, não é? Ficam aqui quietinhos que a coisa está feia.»
Fala de Isaurinda.
«Tantas saudades, nem calculas! Estou cansado desta vida.»
Respondo.
«Nem penses. Ai de ti! Nunca vos deixaria ir para lado algum.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a aconselhar calma.»
Jorge C Ferreira Outubro/2020(272)
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
A volta ao sol.
A volta à vida … a perfeita volta, outras vezes nem tanto.
A vida vista e vivida por nós e o desalinho quando vista pelos outros.
Desalinho ou não.
Convicções e a falta delas.
O retrato de um povo. A alegria e o esbanjamento.
A pele, também uma questão de pele e a alegria dos sentidos a que se juntam todas as histórias por contar.
O tempo de todas as cautelas mas de gritos estilhaçados e cristalinos.
O que importa?!
O precioso valor da natureza. A água.
Casulos na vida onde retemperamos energias para seguir neste estado que escolhemos.
Viver!!!
Falaste disto,sim?!
Beijinhos grandes, sempre.
Obrigado Isabel. Que bonito escreveste. De tão belo comentário pouco direi. Sim, somos a errância. Abraço
Lugares distantes com culturas milenares que despertam curiosidades.
São riquezas perenes ao serviço de todo o mundo.
A vida é a cultura e a cultura mantém a vida!
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Sim, meu Amigo, a importância da cultura é muito importante. Mas continua a ser um parente pobre dos orçamentos. Abraço
Que crónica extraordinária. Senti-me a vaguear por terras orientais, estradas de terra batida. Os cheiros das especiarias misturavam-se com as cores das sedas. Os ricos e os pobres. A magia. O sonho. A beleza das gentes. Alquimia.
Querer ver tudo. Guardar recordações.
Obrigada, amigo, por me permitir embarcar nesta viagem única e magnífica.
Um grande abraço.
Obrigado Eulália. Que bom tê-la feito viajar neste tempo de confinamento. Fez-me sentir feliz minha Amiga. Abraço
Há muito tempo…mesmo muito que tenho em mim os cheiros puros e fortes desse lugar exótico e de extremas desigualdades. Gosto especialmente dos sabores, sabores alguns que até me fazem lacrimejar, que saudades, de tudo…caril, gengibre, canela, açafrão,sândalo… As cores, quase as minhas cores de Outono. Caminhei contigo por aí. Abraço meu amigo.
Obrigado Cecília. Nós estivemos lá. Deixámos e trouxemos coisas. Somos navegantes. Há coisas que nos pegam ao corpo. Obrigado.
Hoje segredaram-me ao ouvido direito que há um país onde os sabores são exóticos, apimentados intensos e apaladados.
E depois pousaram sobre o meu ombro esquerdo e entoaram, no outro ouvido que há uma terra, no oriente, de corpos ondulantes envolvidos por saris, mulheres de pés descalços com pulseiras de ouro nos tornozelos.
Uma miscelânea de cheiros, a suor, perfumes, incensos, açafrão e noz moscada. A canela e a pimenta…
Da extrema pobreza à opulência.
Os corpos à beira-estrada, vagabundos de sonhos e nuvens. Mãos estendidas.
Uma magreza extrema. Assim os imagino. Sem abrigo. Numa “espera sem fim”.
Nas margens do Índico. Num depois do Atlântico.
Tanto mar…!
Tanta história.
De um rei de nome João que ousou ir mais longe que os outros, deu ordens para que se dobrasse “o mostrengo” e enviou homens por terra para que trouxessem novas de Prestes João. Um rei que sonhou. Longe. Tão longe. Demasiado.
Tanto mar…!
Apelidou o cabo de Boa Esperança.
Sem que a esperança tivesse sido alcançada.
Logo depois, Manuel, o Venturoso, um monarca que a sorte bafejou.
Pedro Álvares Cabral. O navegador que foi incumbido para que achasse Terras de Vera Cruz e seguidamente seguisse para a tão desejada Índia.
À semelhança de Pêro Vaz de Caminha, um dos escrivães desta viagem, Jorge leva-nos numa que é só sua. Viagem de sons e cheiros, paisagens humanas ,cor, movimento deambulações e outras, as interiores. As que são emoção. Sentimento. Instantes. Flashes.
Memórias acesas. Constantes. Agarradas com a magia de quem sabe, como ninguém, contar histórias.
Tanto mar…!
Obrigado Mena. Que lição. Como é bom ouvir-te. Este espaço ganha contigo. Estou tão grato. Beijinho
Uma belíssima viagem sensorial que esta crónica nos oferece. És o mago das palavras e dos sentidos. Ainda bem que tens a Isaurinda sempre por perto. Abraço poeta.
Obrigado Cristina. Sempre tão generosa e atenta. A importância que tem a tua presença neste espaço. A polifonia de vozes. Abraço enorme
Belíssima crónica. Os perfumes e sabores intensos, a contrastar com um pedaço de rua onde dormir. Agradecer e amanhã será outro dia. A beleza dos corpos, também eles de cores lindas. Vives de tanto ver e sentir, sensibilidade diferente, também intensa, memórias fantásticas. Espera um pouco mais e irás viver a tua vontade. Zarpar! Um abraço muito amigo. Até para a semana.
Obrigado Regina. Sabes que si. É de tudo isto que eu vivo e me faz viver. Por isso, neste tempo malvado, só me resta sonhar. O tempo começa a escassear. Abraço.
Os sabores e os cheiros são para ti essenciais. És homem dos sentidos apurados. Está provado que eles nos levam para estórias sem fim e tu gostas de recordar. Leria esta crónica, não sabendo de quem era e diria sem medo de errar: aqui está o meu amigo/irmão. Tu, viajante por Terras e Mares. É por isso que ” é líquido que faz amar; o cheiro do amor; um frasco sem fim “. No mar misturas a maresia e fazes o teu próprio perfume. Há sempre quem ame. Há esculturas humanas que aquecem os sentidos, tal como o picante dos dourados alimentos. No mar, és mais TU. Desde sempre traçaste o teu caminho, a tua estrada, no mar. Deixa que passe este tempo de susto. A Isaurinda tem razão. Até lá caminha sobre as pedras da tua imaginação tão rica. Dá-lhe um beijo e recebe, de mim, um abraço do coração. A tua Amiga/ Irmã.
Obrigado Ivone, minha querida amiga/irmá. Tão belo o teu comentário. Tão generosa és. Sim, sou do mar, dos cheiros, dos sabores, dos afectos. A falta que tudo isto me tem feito neste tempo danado. Abraço
Caríssimo Jorge, a tua crónica tem o cheiro dos perfumes para amar e o gosto do açafrão. Escreves os amarelos da terra, os azuis que lembram o mar e o escorregado arrepio das sedas.
Quanta beleza exótica nos tenta inebriar.
Bela crónica, Jorge!
Beijinho.
Obrigado Lília. Que bom sentir-te aqui. Esse mar, esses cheiros, essa tua casa quse barco. Tão grato pelo teu comentário. Abraço imenso