O Jerricã
Olha o Jerricã da moda. Há para todos os gostos. Há no chinês e dizem que até na Av. da Liberdade nas lojas de luxo. Tudo de jerricã na mão. O País do jerricã. A depressão, a intoxicação, o malvado do gasóleo. As tristes octanas.
Um Massacre. Uma autêntica violência sobre as mentes incapazes de reagir. As televisões a marcar o ritmo. Os repórteres, estagiários, espalhados pelas bombas de gasolina. Tudo nos cai em cima. Até o jerricã já está farto. O garrafão já não é de tinto, é de petróleo. Estão a chegar os petrolinos.
O País parece em guerra. Há conselhos de ministros especiais, electrónicos, de emergência. Só falta reunirem num “bunker”. Há uma crise energética declarada. Os serviços mínimos. Que dizem que são máximos. Que uns dizem que cumprem e outros não. A requisição civil. Os grevistas trabalham oito horas por dia. Não chega! Estranho? Não! Têm de trabalhar o que for necessário. Paga-se por fora para ajudar o orçamento familiar. Este faz de conta de vida.
Nada disto é estranho num País em que os patrões, muito liberais, estão sempre presentes na distribuição do orçamento. É neste momento que aparecem os papagaios do costume. Os dos subsídios que, dizem, têm avençados entre os comentaristas. E siga a festa.
O porta-voz dos patrões, coisa fina, vai destilando ódio sobre os trabalhadores. Acende fósforos em terrenos perigosos.
O nosso primeiro ministro, a quem chamam o verdadeiro artista, está nas suas sete quintas. Distribui pela televisão os seus ministros de um tempo para esquecer e deixa-os esbandalharem-se nos ecrãs. O nosso primeiro irá aparecer, se tal se tornar necessário, a colocar tudo na linha doa a quem doer. Cavalgar a onda até à maioria absoluta.
O advogado que é porta-voz do sindicato dos camionistas, aparece junto ao piquete de trotinete. O espectáculo continua. A televisão sempre em directo. O Sr. advogado explica o meio de transporte utilizado por o terem acusado de, aquando da outra greve, ter vindo de “Maserati”. Para a próxima vem de burro, dizem. Já começaram as apostas.
Os que andavam com o depósito nas lonas e o carro a gaguejar, andam agora, à custa dos vários cartões, de depósito cheio. Supimpas vão de carro para o café. Têm ainda dois jerricãs e um garrafão em casa. «Ninguém fuma cá em casa.» Voz do chefe de família. Várias “bombas” abundam pelos apartamentos e garagens do País.
Estamos em estado de sítio. Como os grevistas não fazem mais de oito horas de serviço, já foram chamadas a polícia, a guarda republicana e a tropa. Vão acompanhadas por carros da polícia que faltam nas rondas pelas cidades, vilas e aldeias deste país. Quem paga a estes homens, o patronato? Dizem-me que não, que somos nós. Também já estamos habituados a pagar tanta coisa!
A última que ouvi deixou-me boquiaberto. Disseram, na televisão, que a greve deve ter tido influência na menor adesão à peregrinação a Fátima deste ano. Por favor não metam também a Senhora de Fátima nisto. Já chega de blasfémias.
«Olha que eu já estou farta disto. Cada um diz a sua coisa, ninguém se entende.»
Voz de Isaurinda.
«Isto é mesmo feito para ninguém se entender. Quanto mais sarrafusca, mais conversa fiada.»
Respondo.
«Pode ser que tenhas razão, mas não gosto nada destas coisas.»
De novo Isaurinda e vai, a impaciência na mão.
(Nota: este texto foi escrito terça-feira dia 13/8/2019. Quando o lerem tudo pode ter mudado. Corro o risco.)
Jorge C Ferreira Agosto/2019(213)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
Lembro-me de há muitos anos ver um filme com o titulo ” Paris está a arder” ,penso ser este o titulo. Nos nossos dias,em pleno século XXI,continuam os desaires,as guerras,os massacres,e,a guerra da gestão e economia é facto assustador que dá porta de entrada para outras guerras.Já não sei se apoio se me deixo ficar na desilusão da eterna espera do entendimento entre o poder e o povo… que mundo ” cão” este em que vivemos. Como sempre fico grata pela escrita que fascina.O obrigada sempre.Abraço!
Obrigado Célia. Amiga tão generosa. Devemos continuar irreverentes e lutar por causas justas. Desmascarar o faz de conta. Abraço
Um excelente e oportuno texto e um comentário a condizer.
Depois de ler o que a Ivone Teles escreveu, nada mais consigo acrescentar.
Obrigada aos dois!
Obrigado Maria. Como é bom ter-te por aqui. Grato por tudo. Abraço
Querida Ivone, exatamente igual ao meu pensamento!!!
Jorge, não saberia dizer melhor.
Grande beijo para ambos.
Obrigado Isabel. É assim, generosa, a minha Amiga/Irmã. Como gosto da tua presença! Abraço
Vou estando sem pressa de chegar…
Beijinho
Genial! Um filme a que ninguém ficou indiferente.
Os exageros de todos os lados. Os jerricãs que esgotaram antes mesmo da guerra começar. A trotinete que substituiu o Maserati. Ridículo! A intransigência!
Agora que estamos em período de tréguas, até amanhã, dia do acordo final, sem garantias, e após um plenário cheio de considerandos, ouvem-se todo o tipo de comentários.
A Isaurinda tem razão, a paciência tem limite.
Parabéns por esta crónica ,com um sentido de humor incomparável !
Obrigado Eulália. Sim, tudo ridículo de mais. Estamos no interregno de uma farsa. Que se seguirá? Abraço
Uma crónica lúcida quer tu, como homem observador e atento bem descreves. fizeste bem em correr o risco e eu estive sempre como a Isaurinda. Vamos ver o que aí vem agora. Obrigada. Beijinhos
Obrigado Cristina. Vamos ficar atentos. Vamos ver os próximos capítulos. Grato por estares aqui. Abraço
Sempre que me for possível. Beijinho
Uau, por incrível que pareça aprendi hoje uma nova palavra: jerricã…No mais, uma delícia de crônica…Venho acompanhando as movimentações portuguesas porque as do Brasil andam de mal a pior…Abraço, Jorge!
Obrigado Virgínia. Gostosa a sua presença. Jerricã vocês não usam esta palavra. Melhores tempos para o Brasil. Abraço
Uiii que sarrafusca! Fiquei tão farta… Genial a sua descrição, meu amigo!
Um beijinho
Obrigado Madalena. Que bom o seu comentário. Sarrafusca que palavra linda. Abraço
Hoje, não há greve e creio estarem cheios os depósitos para que os ” Maseratis ” não fiquem com ” fome”. O meu velhinho Clio de 20 anos não se queixou e esteve sempre disposto para os pequenos trajectos das compras para casa. O irmão, um pouco mais novo, descansou na garagem onde está, como habitualmente, quando o dono não necessita dele, o que agora é raro. Gostei, mesmo, da tua crónica. Qualquer coisinha abana este país e cria-se um ambiente ” histeriónico “. Tudo se compôs, os medicamentos não faltaram, nem os bens de consumo, tudo para quem os pode comprar.
Procurei estar a par, mas preparem-se para, daqui a um tempo, voltarem novidades. Quero ver o ” pardal “ao volante de um camião de matérias perigosas e algum motorista profissional como ” advogado” no seu escritório. Falando sério, foi uma peça de teatro muito mal encenada e representada de acordo com essa falha.
Acompanhei a Isaurinda com a impaciência na mão. Hoje já está tudo resolvido, mas a tua crónica calhou a preceito e fizeste bem em correr o risco. Beijinhos querido Jorge.
Obrigado Ivone. O comentário perfeito. A leitura correcta. Sempre tão bom ler os teus generosos comentários. Abraço