Noites especiais
por Jorge C Ferreira
Especiais são as noites em que a lua se impõe no céu como astro dominante. Trepidantes são os pensamentos. Crescentes os desejos. Límpidos os olhos. O coração aberto a tudo. Lunares se tornam os beijos. Muitas bocas ficam coladas para sempre. Ficamos muito pequenos. Somos chamados a ouvir sons inesperados. Há sempre algo que não atingimos. O magnetismo é tremendo.
Quando o nosso satélite se passeia imponente e nos atrai como se fôssemos seus escravos. Quando os lobos se põem a uivar, todos ao mesmo tempo, num coro de muitas vozes, a lua começa a ficar de um azul que nos aquece o coração. Um deslumbramento que nunca nos cansa. As lobas a quererem ser amadas no cimo das montanhas. Quando se agiganta o enigma é quando nos sentimos indefesos e prisioneiros perante tanta beleza. Ser refém do belo é coisa apelativa.
É então que não conseguimos deixar de olhar aquela esfera tão nossa desde pequenos. Onde quer que estejamos, qualquer que seja o ângulo de visão, estejamos acompanhados ou não. Estas são noites em que as estrelas perdem importância. Dizem que, num sítio privilegiado, quando a lua se esvaziou, apareceram dois amantes de mãos dadas, olhos muito abertos, deitados numa cama incólume. Na certidão de óbito diz-se que tinham morrido de espanto. Tudo assinado por entidades competentes. Assim ficou para a história nos livros de assentos. Que se pode morrer de espanto. Há muita gente pasmada que deambula pelas ruas sem rumo durante dias depois de tal noite. Vários distúrbios atormentam muitas mentes.
Consta que no cimo da montanha nasceu um lobo inundado de azul. Terá nascido com novas aptidões? Que nasceu numa noite especial ninguém duvida. Que isso o acompanhará durante a vida também não. Como será o seu primeiro uivo à lua que impulsionou o seu nascimento? Que sentirá naquela sua iniciação? Espero que seja um uivo de agradecimento e de um azul muito puro. Não foram encontrados mais relatos daquela noite na toca dos lobos. Falam que ouve gemidos de prazer quase humanos. Ninguém viu nada. São noites em que nos mandam ser recatados em relatar o não comprovado. Assim farei.
Há quem tire muitas fotos com objectivas especiais. Há muitos telescópios nos terraços e varandas. Passeiam-se corpos nus pelas janelas abertas dos quartos iluminados. Há quem faça selfies com a lua e apareça azul nas fotos. Chamam-lhe a prova irrefutável do seu tocamento pelo desconhecido. Há sempre quem não acredite. Quem diga que a fotografia foi trabalhada. Há negacionistas sob cada pedra em que damos um pontapé. Gente estranha que nunca viremos a saber em que dia nasceu. Seria caso para estudar em profundidade.
Perante tudo isto vêm-me sempre à memória as noites em que ia ver as estrelas para o telhado da casa onde nasci. Foi aí que me falaram do homem do saco que havia na lua. Eu conseguia-o vislumbrar nitidamente. Somos tão crédulos quando somos crianças! Naquele terraço aprendi a perscrutar o universo. Tudo para mim era uma aventura imensa. Noites em que dormia sob um céu estrelado. Hoje existem tectos de estrelas para colocar nos quartos das crianças. Já pensei em comprar um para mim. Foram tempos únicos. Tempos de aprender e descobrir. Ainda hoje me pergunto muitas vezes o que questionava nessa altura. O que somos? Quem somos? O que fazemos aqui? Onde é que tudo começa e acaba?
«Eu bem digo que tu andas com a cabeça na lua. Nunca mais pões os pés na terra.»
Fala de Isaurinda.
«Lá estás tu. São coisas que tenho guardadas. Coisas que vêm de muito longe.»
Respondo.
«Tens sempre desculpa para tudo. De ti já espero tudo.»
De novo Isaurinda e vai, na mão um sorriso trocista.»
Jorge C Ferreira Agosto/2021(312)
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Tenho dificuldade em expressar-me perante o encanto que me causou este maravilhoso e poético texto.
Será que existem noites mais belas que as noites de luar? Já as contemplei no campo, em vilas, em cidades, no mar e na janela do meu quarto. São sempre de uma beleza arrepiante. Inspiradoras e sonhadoras de poetas e namorados. Nos meus tempos de menina e moça, quando a minha vida era feita de sonhos, juntavamo-nos , os amigos, nas noites de Verão, junto ao mar, a ouvir dois amigos a cantar baladas de Coimbra. Um deles era e é, um dos meus irmãos.
Quantas noites especiais e mágicas, nesse tempo, em que o sonho e ‘a meia noite ao luar’ comandavam as nossas vidas.
Obrigada, querido Jorge, por tão belas lembranças.
Obrigado Manuela. Que comentário bonito. Quanto csminho percorreste. Esse luar mágico no meio do mar. As baladas ao luar. Tão bom. Abraço grande
Crónica que se transformas num conto de encantar. Tanta simbologia. ao mesmo tempo que li dividi a minha vida, a infância e idade adulta. Em pequena passava férias em casa dos meus avós paternos. De noite os lobos faziam-se ouvir. Sabia que rondavam a casa. Tanto medo. Seria cerimónia de acasalamento? O lobo é um animal muito especial, olhos de azul anil. A enorme capacidade visual é estimulada pela claridade da lua. Inicia-se o alvoroço. Acontecem as noites especiais. Talvez se morra de espanto e não sabemos. adoro ler os teus contos. Obrigada Jorge.
Obrigado Regina. Tão bonito o que escreveste. Olhar um lobo nos olhos e resistir. O tal azul. O munto dos sonhos. Abraço grande.
Deambulando pelo texto confesso que desanuviei pensamentos, entrei por portas fechadas, abri mil lembranças, viajei pelo universo incomparável do escritor. Marquei a ilusão, visitei a lua, fiquei-me pelas estrelas tal como o principezinho. Fascinantemente cativada. Obrigada, meu amigo. Abraço!
Obrigado Cecília. Que bom este texto te ter aberto esses caminhos. Belo comentário. Abraço
O que somos; o que já fomos e o que vivemos, seremos revelados um dia, com o mesmo espírito ou com outro, é um mistério que a lua ajudará a pôr a nu(?)!
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Será que alia vai contar todos esses segredos. Belo pensamento. Grande abraço
Mais uma bela crónica. Podemos lê-la em diversas perspectivas. Escolho o sentido da vida. Este refém do belo e do amor numa leitura de presente e de passado e incógnito para o futuro. Tantas e tantas respostas em aberto para as mesmas questões, quer ao nível da humanidade quer ao pessoal. Uma crónica que nos situa perante o mistério da vida e o mistério de cada ser iindividual.
Obrigado Isabel. É isso, minha Amiga. Cada um faz a sua leitura, escolhe o seu caminho. Os mistérios fazem parte do nosso viver. Abraço grande
Que crónica tão linda e especial.
Um tema profundo e deslumbrante. Fala da lua, o astro que ilumina o céu e não deixa que a noite seja tão escura, dá-lhe um tom de azul, indescritível. É difícil perceber o tom azul do céu imenso, onde à noite a lua se aninha.
Fala da infância, que bom. É aí que tanta coisa começa. Espreitar a noite, olhar o céu e as estrelas e esperar que alguma se desloque. Mas olhar a lua cheia os meus olhos ficavam presos no seu sombreado e o meu imaginário, descobria sempre qualquer figura. Hoje ainda, no canto onde à noite me sento e olho a janela, a lua espreita-me, sei que ela vem buscar o meu olhar. Eu deixo que ela o leve …
Tantas foram as noites, em céu aberto eu me deslumbrei com a Lua Cheia. Foi fascinante.
Mas continuam as mesmas interrogações, da infância ! Mistérios que alguém há-de desvendar.
Foi tão lindo o que li, meu querido amigo. Falou da infância, do amor e da lua. De um jeito tão próprio, o seu. Adorei obrigada . Abraço imenso.
Obrigado Maria Luiza. Sempre tão belos os seus comentários. A sua leitura sempre abrangente. O percurso dos mistérios. Grande abraço, minha Amiga
Tão belo o que escreve. Deixei-me levarao tempo da minha infância. Vi o céu da aldeia onde nasci. O céu pertencia-nos. A lua era um mistério. Fascínio. Ofuscava as estrelas. As lendas tornavam a lua poderosa.
Nada é igual a uma noite de lua cheia.
Tantos anos passaram e o fascínio leva-nos a tantas interrogações.
Obrigada meu amigo.
Grande abraço
Obrigado Eulália. A nossa infância sempre presente. Parece que haviam mais estrelas no céu. As eternas interrogações. Abraço forte.
Uma crónica muito bela. À medida que fui lendo, fui recuando várias décadas, até chegar aquela noite em que pela primeira vez pude observar as estrelas e sentir o vento nocturno no rosto. Foi uma sensação única e inesquecível. Pela primeira vez após vários anos senti o respirar da liberdade. Hoje, continua a ser dos momentos que mais aprecio e emociona, apreciar a noite, a lua e as estrelas.
Abraço, poeta.
Obrigado Cristina. Belo o que dizes. Que mantenhas o fresco no teu rosto. Que as estrelas te anunciem algo de bom. Abraço
Este teu texto, querido amigo, é bastante intenso, embora numa leitura breve o não parecer. Falas da lua, noites estreladas, pensamentos apaixonados. Mas há algo que traz consigo uma cor, aquela de que gosto mais. O AZUL preenche espaços, envolve palavras, cria mistérios. A lua, seguramente, ( digo eu ), só pode ser azul. E não há fotos trabalhadas, porque o azul é uma cor que pode ser mais quente, mais alegre, brilhante, baça, consoante onde se encontre. É uma cor reflexiva. Não adianta querer mudá-la em ” arranjos fotográficas “. Está para além dessas “minudências”. Tanto pode transmitir PAZ, como guerra. Dependente de sentimentos de pessoas e coisas. E na LUA o azul nasce e morre. Há uma infinidade de ” azuis ” e diz à querida Isaurinda que o azul é, sempre, a cor do afecto. Beijinhos querido amigo/ irmão..
Obrigado Ivone, minha querida Amiga/Irmã. A tua leitura é sempre tão especial. Como gosto do que nos escreves. Sempre especial. Sempre Azul. Abraço imenso