“NATAL”
As luzes. As árvores iluminadas. Uma roda gigante. Tudo tão terreno. Toda uma ilusão passageira. A correria. Bolas iluminadas, gente dentro delas. Os telemóveis em riste. As “selfies”, ficar no meio da luz. A incandescente maneira de estar. Cansaços. Sacos saquinhos e sacolas. Fitas, laços e laçarotes. Os embrulhos em papel especial. Nós no meio deste embrulho. Uma azáfama que cansa. Comprar e oferecer a inutilidade. O desvario de não saber parar para pensar.
Há crianças a chorar com medo de um Pai Natal mal ataviado. Erros de “casting”. O trenó. A falsa neve. A Lapónia e o engano. Comprem, comprem, ainda vão a tempo. Descambam os sapatos de salto alto perante tamanho turbilhão. Desabam corpos fragmentados, espalham-se os presentes. Há um ruído inexplicável. Tudo muito próximo do caos. Duas pessoas lutam por uma peça de roupa, já se vêem aparelhos electrónicos pelo ar. Compra-se um telemóvel moderno para o menino. Uma sinfonia de jogos e contactos impossíveis. Na escola toda a gente tem!
Agora o Natal é um velho, como eu, de barbas e cabelo branco. Vestem-no de vermelho. Enfiam-lhe um barrete. Há renas enfiadas em pessoas. Brilham as luzes na cidade suja.
Vai uma volta de trotinete?
Então e o Natal? A Navidad?
«Temos a Lotaria e o El Gordo.» Alguém me responde! Dinheiro a rodos. Coro, fico da cor do Pai Natal. Suo. Não entendo. Ainda não chegava à ranhura do marco do correio e já escrevia ao menino Jesus. Os pedidos alinhavados na curta carta escrita de acordo com os conselhos da família: não exageres, o menino Jesus tem que atender a muitos pedidos. A minha Avó, a minha Mãe, ou a minha Prima, a pegarem-me ao colo para que fosse eu a colocar a carta no marco vermelho. Da sua peanha, o sinaleiro ria-se. Toda a gente a participar no jogo de sonhar.
Convém lembrar que, nesta data, se comemora o nascimento de Jesus.
Um dia soube que aquela camioneta verde, de corda que descarregava e carregava coisas, tinha sido comprada pelos meus pais com muito sacrifício. Que o menino Jesus tinha sido crucificado há muitos anos. Muita coisa ruiu. Ficou a consciência clara do esforço da gente para ver contente outra gente. As noites de 24 para 25 deixaram de ser vividas em sobressalto. Continuei a colocar o sapatinho na chaminé para alimentar o sonho da criança mais pequena da família. Sim, fui cúmplice da trapaça. De manhã a corrida aos presentes era inevitável.
Os mais velhos só recebiam lenços e peúgas. Um brinquedo para os mais pequenos. Os eternos namorados beijavam-se, agradecendo-se. Nunca recebi ouro, incenso ou mirra! Os meus reis magos dormiam na mesma casa que eu. Celebrar as crianças num dia em que nasceu uma outra criança, era esse o espírito do Natal.
Até que voltaram os vendilhões do templo. Os insaciáveis vendedores de inutilidades. O consumismo desenfreado. Ficou o bacalhau com as batatas e as couves e pouco mais. As saudades que eu tenho do arroz doce da minha Avó, da massa das filhós num alguidar abafada por um cobertor. De todos os que me faltam à mesa!
«Se eu te contasse os meus natais de criança no Fogo, ficavas burro!»
Voz de Isaurinda.
«Quero saber tudo, sei algumas coisas, do pé descalço…»
Respondo.
«Sim, sim, quando acabarem as festas conto-te.» De novo Isaurinda e vai de pano na mão.
Jorge C Ferreira Dezembro/2018(189)
Dizem que se festeja o nascimento de um menino/deus. Não é verdade. Em famílias sem religião, lembro-me que se festejava o dia do nascimento da minha tia paterna, a tia Amélia. Mas que havia Pai Natal, um Ser velhote vestido de vermelho e com barbas brancas, que enviava pela chaminé meias, lenços, camisolas interiores, tudo utilidades. Com o crescimento fomos sabendo que o tal Pai Natal eram os pais e familiares que davam, apesar da ” festa ” ( ai que ele já chegou, ai que ele chegou!!!! )que a Alcinda gritava da cozinha. Quando lá chegávamos acho que ainda o víamos a subir. ( Eu acho, mesmo, que o vi, confesso ). Eram assim os meus Natais . Duas famílias juntas, muitas crianças,, muita alegria, o arroz doces, perú assado, fartura, mas nada de luxos. Natal, para mim, continuam a ser estes, quando era menina. Com a vinda da neta, foi ela a minha ” menina Jesus “. Os encontros familiares foram outros, mas foram partindo uns para sempre, outros para outros lugares. Querido Jorge, meu amigo/ irmão, desculpa-me a minha desesperança, mas não gosto, agora dos natais. Talvez os da Isaurinda me dissessem mais. Ah, mas digo-te um segredo. O Pai Natal esqueceu-se e, hoje, deixou-me uma prenda na caixa do correio e tive, então, o meu Natal. Um livro solidário oferecido por um amigo de que gosto muito, um irmão. Nele há um texto muito belo escrito por ele. O meu Natal, meu querido Jorge. Beijo terno de um Natal que chegou hoje.
Obrigado Ivone. Que belo o que escreves. Que bom teres gostado do “Natal” de hoje. Fico muito feliz. Abraço muito forte.
Como nos habituaram bem cedo a viver na ilusão, na farsa, na fantasia! mas até na simplicidade dos tempos em que fomos crianças fazia bem, acho. Fazia bem ter um dia em que se recebia um, por pouco ou pequeno que fosse, um presente era o mundo! a Felicidade de um dia no ano o dia de Natal! e havia a Família. Hoje é tudo bem diferente e as nossas crianças já não se contentam com um só presente. Fazem uma lista. e há lideres do mundo a dizer que não é bom acreditar numa fantasia. Triste mundo! Já agora vou acreditar até morrer que vem aí o Menino Jesus ou outra entidade qualquer neste dia apesar de me ter levado a mãe num dia 25 de Dezembro e isto não se faz a uma velha criança! Abraço amigo.
Obrigado Fernanda. Tão bom ter-te por aqui, neste espaço que se quer de liberdade. Belas as tuas palavras. Abraço.
Gostei muito deste texto. Recordações de tempos também meus em que o Natal era a celebração do nascimento de Jesus! As doces iguarias, os sonhos da minha avó, as filhós da minha mãe! O arroz doce é hoje feito por mim para regalo e memória dos meus netos. As saudades dos que já não estão é um sentimento também presente à mesa por estes dias…Um beijinho, meu amigo
Obrigado Madalena. Que bom é saber festejar, sentir os afectos. Grande abraço
Identifico-me muito com o teu Natal de ontem e com o de hoje também.
Diz à Isaurinda que quando terminarem as festas, eu quero saber de tudo também.
Feliz Natal Jorge, meu querido amigo.
Obrigado Cristina. Gosto do teu gostar natalício. Que bom estares aqui. Abraço
É Natal. Tempo de azáfama, de ” deitar dinheiro à rua”, de o Ter se sobrepôr ao Ser…
Lembro com saudade os Natais da minha infância…também colocava o sapato à chaminé e de manhã ia buscá-lo. Não imaginava o sacrifício que era comprar aqueles presentes. Não eram caros, mas vinham embrulhados em Amor.
Obrigada por esta crónica.
Noite feliz, meu amigo.
Obrigado Idalina. Temos de contrariar o consumismo. Inventar uma nova ternura. Abraço.