Crónica de Jorge C Ferreira | Gosto de ti

Gosto de ti
por Jorge C Ferreira

 

Saber a linguagem do amor. A linguagem dos muitos amores. O amor sagrado, o amor cansado, o amor castigado, o amor maior. O amor amizade. Os amigos e as amigas que amamos. A capacidade de dizer: Amo-te. Perder a vergonha e o medo. Este é um tempo de sermos capazes de dizer, pelo menos: Gosto de Ti.

Os beijos beijados. Os beijos abraçados. Os beijos encantados. Os beijos desastrados. Os beijos envergonhados. Os beijos que nunca demos aos amigos e às amigas. A vergonha difícil de vencer. A timidez. O medo. A vontade negada. Quanto remorso?

Os abraços abraçados. Os derradeiros abraços. Os abraços beijados. Os abraços derrotados. A arte de abraçar. Ruas e ruas de gente abraçada. Uma coisa difícil de ver nestes tempos desabraçados. Nunca digam, de novo, não a um abraço, quando abraçar for permitido. Porque o abraço são duas vidas a conhecerem-se. Uma união sem fim.

Saber do outro. Como e onde está. Saber se está bem. Procurar. Fazer todos os esforços. Saber que não estamos a perder tempo. Saber que vão gostar de nos ouvir, ou ver, do lado de lá. Uma conversa límpida, como se tivéssemos acabado de deligar o telefone minutos antes. São assim as conversas entre os amigos. Quando desligamos, continuamos a falar como se outro ali continuasse. Uma conversa sem fim.

Descobri umas fotos antigas. Dos seis meliantes expostos na película para a posteridade, dois já nos deixaram, outro deve estar na América. Decidimos saber dele, do fotógrafo não sabemos o paradeiro, mas vamos procurá-lo. Os dois que restam, eu e o Carlos, temos de fazer o trabalho.

Temos de saber de todos. Temos de nos juntar. Talvez um dia seja possível. Assim o esperamos ansiosamente. Temos um caderno com todos os nomes. Temos fotos para fazer cartazes. Temos mundo para procurar. Iremos lá chegar.

As namoradas cantadas. As namoradas desejadas. As namoradas encantadas. As namoradas para sempre. Somos de um tempo em que tudo era tão perecível. Os anéis mudavam de dedos, as pulseiras de nome, as noites de casa. Noivados e casamentos desfeitos. Um tempo feito a correr. A roupa de um lado para o outro. Tínhamos uma amiga que tinha muitas cabeças brancas e perucas. Um trabalhão mudar aquilo tudo.

Uma quinta que era um lugar de exílio. Uma quinta escondida de tudo. Os caseiros sempre atenciosos. Um burro. Um tanque e o banho à mangueirada. Montar o burro e arriscar cair. Também não sei do dono da quinta, nem sei lá ir. Outro caso a colocar na agenda.

O café de onde partíamos para todas as aventuras e onde nasceram muitos namoros, existe, mas não existe. É agora uma padaria da moda e nenhum de nós lá entra. É uma recusa jurada e juramentada. As mãos em cima umas das outras e nada de assinaturas. Está desgraçado aquele que seja visto a prevaricar. O tal “destino traçado”.

Nunca mais soubemos da bruxa da feira popular que era nossa vizinha. A que adivinhava tudo o que nós nunca acreditámos. Estamos todos tão diferentes. Os cabelos brancos ou pintados. Algumas maleitas. Mas prontos para transgredir.

«Tens tanta razão. Temos de saber dos amigos. Sabes que mais? Gosto de vocês.»

Fala de Isaurinda.

«Oh! Que bom. Nós também gostamos muito de ti. Vamos procurar os amigos.»

Respondo.

«Gosto muito de vocês.»

De novo Isaurinda e vai, o lenço a enviar beijos voados.

 

Jorge C. Ferreira
Define-se a si mesmo como “escrevinhador” . Natural de Lisboa, trabalhou na banca, estando neste momento reformado.
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.

 


Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira



O Jornal de Mafra e a DGS Aconselham


Mantenha-se protegido
Cuide de si, cuide de todos!


Partilhe o Artigo

Leia também

24 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Gosto de ti”

  1. Branca Maria Ruas

    Sou de afectos mas com alguma dificuldade em os verbalizar.
    Sou de emoções nem sempre expressas mas intensamente sentidas.
    Quando olhamos, profundamente, nos olhos de alguém com quem estejamos em plena sintonia podemos sentir emoções tão fortes que não haveria palavras nem gestos suficientes para as exprimir.
    Não penso que este meu jeito signifique inibição. Julgo ser mais o receio de poder estragar, com palavras ou gestos, o que de sublime se pode sentir em determinado momento.
    Entre palavras ditas e gestos, prefiro os gestos. Mas entre gestos e palavras escritas a escolha é mais difícil. Como se o verbalizar transformasse um sentimento forte numa banalidade. Como se a voz tirasse intensidade à emoção.
    Mas há excepções, claro! E há momentos em que as palavras ouvidas chegam tão forte ao coração que a voz quase não sai nesse desejo de retribuir.
    Sou estranha na expressão dos afectos, eu sei!
    Penso que a verbalização dos afectos não pode ser desligada do momento que se está a viver. E cada momento é único. Por isso há que “inventar” palavras para que possam estar em sintonia com cada momento.
    Se calhar o meu maior receio é deixar as pessoas sem jeito tal como, por vezes, me deixam a mim.
    Mas sei que estamos a viver uma época diferente de todas e difícil para todos. Principalmente para quem se sente só. Ligar aos amigos ou enviar msg pode fazer uma grande diferença nesta altura. Como sempre, e agora mais que nunca, temos de ter a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro.
    Tu sabes que gosto muito de ti, não sabes?
    E gosto também de muitas das pessoas que te seguem e que já fazem parte das pessoas por quem tenho estima e desejo muito que estejam bem:
    Um abraço a ti, outro à Isaurinda e outro alargado a quem te segue e com quem me tenho cruzado por aqui.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria, que bem disseste o que vai dentri de ti. Tu também sabes que gosto de ti. És uma amiga fisicamente distante, mas sempre presente. Uma amiga ezpecial com quem conto sempre. Abraço Grande

      1. Jorge C Ferreira

        Maria desculpa os erros. Dentro. Especial.outro abraço

        1. Branca Maria Ruas

          Nada a desculpar… entendi tudo e sei bem como os teclados tantas vezes nos traem…

  2. Talvez comente noutro dia.
    São tantas ideias que não consigo cingir-me às palavras certas.
    Por estes dias, todas teriam um alcance porventura desacertado.
    São tempos estranhos e eu não quero ir pelo vazio do que se diz.
    Beijinhos.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Sofia. É um mundo estranho. São coisas que estranhamos. A estranheza em ebulição. Um vazio. Abraço Grande

    2. Jorge C Ferreira

      Obrigado Sofia. Estamos num tempo estranho. Um estranho viver. A estranheza que se entranha. Cuidemo-nos

  3. Cristina Ferreira

    Gosto da tua crónica.
    E gosto de Ti.
    Muito!
    Gosto de dizer que gosto.
    E gosto de gostar.
    Porque gosto de encontrar sempre em alguém ou em algo, algo que gostar. Acredito que todos nós, temos algo de bonito. Só tem de ser visto com o olhar de gostar.
    E esse olhar, é feito de entrega ao outro. Dar um pouco de si, do seu tempo, ao outro.
    Pois ao contrário do que possamos pensar, a nossa entrega só nos preenche e enriquece enquanto Ser Humano.
    Venho de um Mundo imenso dos afectos. Fui criada com Amor e rodeada pelo Amor das minha gentes.
    Somos do toque. Somos Pele.
    Abraça-mo-nos e beija-mo-nos naturalmente. E é desta forma que os meus filhos têm crescido. Não há vergonha. Não há qualquer tipo de pudor em dizer: – Amo-te!
    Não, nem sempre foi fácil. Há o estigma, o preconceito. Mas cabe-nos a nós contrariar. E continuarmos a Ser nós mesmos.
    Sim, Sei de quem criticava. E hoje, reconhece ser um dos nossos maiores bens. Dar-mo-nos. E tentarmos preservar as boas memórias. Só assim podemos Ser Felizes.
    Abraço-te.
    Muito!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina, Gostar de gostar é tão bom. É uma felicidade no momento do abraço. Porque também há abraços e abraços. Amo-te é uma palavra difícil de dizer para muita gente. Vamos ser dos afectos.. Vamo-nos gostar. Abraço.

  4. Teles Ivone Teles

    Olá querido Jorge, como gosto de ti !!. És um irmão que amo muito. És um Amigo que amo imenso. Eu gosto de ti e já to tenho dito. Sabes mais de mim, talvez porque me sinto muito bem e conto-te tudo a meu respeito. E já houve um abraço belo, muito sentido, que uniu os nossos corações e ficou gravado. Há dois dias não pude vir aqui, ontem também não. Mas hoje, ainda me recebeste em Mafra. Gostei do teu carinhoso texto. Abracei-o abraçado;beijei-o beijado. Acarinhei-o com toda a ternura. Porquê ? Porque gosto-te e tu sabes. Beijinhos carinhosos, meu Amigo/ Irmão.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone, minha querida Amiga/Irmã. Como podia ir à tua terra e vir de lá sem um abraço teu. Abraço abraçado. A amizade inteira de quem gosta do outro. Beijos ternos. (Sabes que ando sempre por aqui.)

  5. António Feliciano de Oliveira Pereira

    Sempre me vou sentindo abraçado em pensamento!
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António, meu amigo. A falta que, por vezes, um abraço nos faz. Um grande Abraço meu.

      1. António Feliciano de Oliveira Pereira

        Outro para si, amigo Jorge!

  6. Eulália Pereira Coutinho

    Belíssima esta crónica de memórias.
    Neste tempo em que falta o abraço, o beijo , o toque, as memórias ficam cada vez mais vivas. Abre-se o baú das recordações e o filme começa a rodar. Os amigos de toda a vida. Companheiros de aventura. Os que partiram. Os ausentes. Os que permanecem. Os que regressam. O reencontro é uma alegria.
    Agora tudo à distância. A máscara que substitui o toque. As conversas incompletas por vídeo.
    Só a palavra amor ganhou força. Talvez porque se sinta mais a falta dele.
    Obrigada meu amigo por estar desse lado.
    Obrigada pelas memórias.
    Obrigada por escrever desta forma única.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália, minha amiga. Neste tempo em que tudo nos falta e o que existe é estranho. Resta-nos escrever as felicidades de outro tempo. Grato por me ler e comentar. Abraço grande.

  7. maria fernanda morais aires gonçalves

    Felizes os que amaram. Ficou-lhes o vício. Nunca vão deixar de o fazer. Foi um bem que se colou à pele. Ficou lá nos tampos das mesas e das cadeiras onde se sentaram. Mesmo que as tenham partido ou queimado, tornou-se pó e essa poeira anda por aí. Sim, continua parada no ar e o vento leva-a até aos cabelos de todos os que continuam a espalhar o amor pela cidade e pelo mundo.
    Eu acredito no AMOR.
    Bom dia Amor onde quer que estejas, beijo-te os olhos, as mãos, a boca e o coração.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Fernanda. Que belo o que escreveste. Escreveste e escreveste-te como só tu sabes. Que maravilha. Tão grato por estares aqui! Abraço imenso.

  8. Isabel Pires

    Reencontrar os amigos abraçar os amigos encontrarmo-nos nestes tempos conturbados e difíceis. Saltar a cancela pular de alegria, amar.
    Beijos e obrigada

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Que tempos estes. É com os olhos tristes que encontramos o outro e não o abraçamos. Temos de nos cuidar. Custa tanto. Abraço grande.

  9. Regina Conde

    Começo pelo fim. Gosto muito de ti Jorge. Procurar os amigos não é tarefa fácil vs sensação imensa quando encontramos. O coração bate mais depressa. Reviver momentos em que ainda cresciamos. Por educação ou inibição não é muito normal existirem pessoas que verbalizam o sentimento que os une. Os amigos também se amam. Felizmente gosto de dizer e ouvir “Amo-te”. Dizê-lo num abraço que não acontece. Custa tanto, falta-me a luz da vida. Tão bom receber uma mensagem apenas com duas palavras : como estás? Abraço enorme Amigo.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina. Tão bonito o que escreveste. Também te gosto. Somos a soma do tempo dos afectos. Este tempo está a matar-nos. O que nos havia de acontecer! Abraço imenso.

  10. Cecília Vicente

    Amigo Jorge,que memória fotográfica,que lembranças e recordações escreves… Fazes bem,a honra à memória do que passou ou ainda se passa já que escreves ao pormenor todos os detalhes,não direi “inveja”mas sim,gostaria de ter tido tantas vivências não iguais por que é impossível,mas,pelo menos algumas dessas amizades para poder recontar e ter tempo para dialogar com as tais memórias que fazem o teu livro de vida,memórias e lugares diferentes apenas,queixo-me de coisa nenhuma…
    Espero já a crónica da próxima segunda feira,será que encontrarás essas amizades? Darão elas tesouros para que possas reescrever ou dar continuidade a esta tua crónica de aventura e amizades (…) ?
    Um abraço meu muito amigo Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília. Que belo comentário. Sou das pessoas e do mundo. Este tempo, para mim, é uma condenação sem julgamento nem acusação. Um triste tempo. Foi a partir de uma montagem fotográfica que cheguei a este texto. Um grande abraço.

Comments are closed.