Crónica de Jorge C Ferreira | Este estranho Mundo

Este estranho Mundo
por Jorge C Ferreira

 

Bombas, rockets, escudos defensivos, sirenes, mortos e feridos. Os locais chamados sagrados, ameaçados. No berço das três grandes religiões monoteístas cheira a pólvora, a incompreensão. O ódio prolifera. Os prédios caem inteiros. Calam-se algumas vozes. Lembro-me de David e Golias.

Há um primeiro-ministro, em Israel, ainda não confirmado e a ser acusado em tribunal por corrupção, que vai continuando a falar grosso. Aos apelos a um cessar-fogo vai respondendo que ainda tem mais objectivos para metralhar. As várias instâncias internacionais continuam a sua acção diplomática. Acção que se vai esboroando na couraça do tal Bibi.

Tudo isto se repete ciclicamente. Como algo que parece pré-programado. Os povos vão saindo à rua em várias cidades da Europa. As bandeiras da Palestina aparecem nas ruas um pouco por todo o lado. A faixa de Gaza continua a ser bombardeada.

Temo que não seja no meu tempo que o chamado conflito Israelo-Árabe tenha um fim. Há quem continue a ganhar muito com as guerras. Gente de mal. Gente não recomendada.

Quero eu, e muita gente, ver dois estados livres, independentes e em paz. Quero eu, e muita gente, o fim dos campos de refugiados. Quero eu, e muita gente, que gente de bem habite este mundo.

Joe Biden, esta é a hora de te mostrares. Para vermos se realmente és diferente. Embora não acredite, espero para ver. A esperança é a última coisa a perder.

Espanha continua com dois enclaves em Marrocos: Ceuta e Melilla. Lugares que considero excrescências do tempo colonial. Aí existem os tais muros e gradeamentos que pensávamos ter acabado na Europa. De tempos a tempos há tentativas maiores de entrada no território espanhol de imigrantes. Actualmente a crise adensou-se. São muitos, vêm a nado. Alguns desfalecem a meio caminho. Chegam crianças sós. A Espanha está a cuidar das crianças. Os que necessitam de cuidados médicos são tratados, os outros são recambiados para o outro lado através de uma porta gradeada que não me agrada.

Dizem que esta vaga é incentivada por Marrocos por a Espanha ter acolhido o leader da Frente Polisário, para ser tratado de uma doença grave. Não acredito muito. Na verdade, esta é outra realidade que se vai repetindo. Há sempre gente pendurada naquelas grades a tentar saltar.

Estamos a falar de pessoas que buscam melhor viver. Buscam o que consideram a Europa rica. Europa que teima em não olhar para o caos que foi criado com a chamada primavera árabe, na pobreza que continua a reinar em África. O tal continente de onde todos viemos, dizem.

Para ajudar, a pandemia continua e estamos a ser invadidos pelos ingleses. Oferecemos, à entrada, máscaras e frasquinhos de gel. Como é habitual, lá estamos subservientes a falar o nosso melhor inglês, com sorrisos, alguns sem dentes, abertos no rosto.

Welcome to Portugal!

A final da Liga dos Campeões também vai ser em Portugal, e com público. Seis mil de cada equipa. Mais não sei quantos mil que acompanham sempre as equipas e vão beber cerveja e nem vêm o jogo.

Somos grandes.

«Só te digo uma coisa, isto não está nada bonito. As guerras fazem-me chorar e esta festa que estamos a fazer por cá mete-me medo.»

Fala de Isaurinda,

«Eu sei, minha querida. Temos de acreditar que vamos ultrapassar tudo isto»

Respondo.

«Não sei, não. Estou a ver coisas muito estranhas a acontecerem ao mesmo tempo.»

De novo Isaurinda e vai, o rosário na mão direita.

Nota: pouco tempo antes de enviar o texto. Tive a notícia de um cessar-fogo, entre a Palestina e Israel, que entrou em vigor à meia-noite de sexta-feira. Esperemos que seja duradouro.

Jorge C Ferreira Maio/2021(303)


Jorge C. Ferreira
Jorge C. Ferreira (n.1949, Lisboa), aprendeu a ler com o Diário de Notícias antes de ir para a escola. Fez o curso Comercial na velinha Veiga Beirão e ingressou na vida activa com apenas 15 anos. Estudou à noite. Foi bancário durante 36 anos. Tem frequentado oficinas de poesia e cursos de escrita criativa. Publica, desde 2014, uma crónica semanal no Jornal de Mafra. Como autor participou nas seguintes obras: Antologia Poética Luso-Francófona À Sombra do Silêncio/À L’Ombre du Silence, na Antologia Galaico-Portuguesa Poetas do Reencontro e A Norte do Futuro, homenagem poética a Paul Celan.  Em 2020 Editou o seu primeiro livro: A Volta À Vida Á Volta do Mundo; em 2021 Desaguo numa imensa sombra. Dois livros editados pela Poética Edições.

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29 Thoughts to “Crónica de Jorge C Ferreira | Este estranho Mundo”

  1. Susana Canais

    Um texto mapeado por feridas em aberto de difícil sutura, quer pela constante desumanização, quer pelos interesses dúbios que continuam presentes, num presente que gostaríamos bem diferente.
    Sempre interessantes e pertinentes as suas crônicas, um abraço Jorge.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Susana. Este mundo que se vai perdendo em ruas estranhas. Vamos lutar pela humanização. Por valores que valham a pena. Abraço

  2. Cecília Vicente

    O mundo no seu pior, a guerra do Caim e Abel…
    A esperança é um estado desabitado, há muito que para alguns é utopia. Fico desolada, eu mesma me contradigo no que desejo (…) confiar para mim é emocionalmente frustrante, quero, desejo, mas algo me impede ” acreditar” nos homens que têm o poder das armas, o poder ganancioso de quererem ser donos do mundo. Ainda quero acreditar no ” I have a dream”…
    Abraço meu querido amigo!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cecília, expressaste tão bem esta realidade. As tuas palavras doridas e ardentes, uma esperança de que há futuro. Abraço.

  3. Maria Luiza Caetano Caetano

    Excelente Crónica, que venho agradecer e nada acrescentar, Mestre das palavras e do conhecimento. Muito obrigada, li com prazer e curiosidade.
    Abraço imenso, querido escritor .

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria Luiza. Seria tudo tão simples se a boa vontade imperasse. Grato amiga tão generosa. Abraço enorme

  4. Regina

    Deste a volta ao mundo onde os valores são a morte, destruição. o dinheiro, a lei do mais forte. É tudo tão triste. Escrever esta crónica terá sido uma dor em cada palavra. Será que vamos algum dia paz?

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Regina. Custa e dói contar estas coisas.Mas não podemos calar. Grato por estares aqui. Abraço.

  5. António Feliciano de Oliveira Pereira

    O Mundo vai aguentar até onde e quando os homens quiserem.
    Continuamos na subserviência que nos corre nas veias, desde há séculos. Nunca aprenderemos a ser livres n sentido lato da palavra.
    Algo estranho (vírus) nos ficou colado à pele desde o triste Estado
    Novo que morreu de velho e ainda deixou raízes. Será só pouca sorte ou vício, ou anátema do povo?
    Um abraço, Jorge!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado António. Sim, meu Amigo, o maldito estado novo e a nossa base educacional judaico-cristão que vive agarrado a nós. Temos de contrariar este estado de coisas. Abraço meu Amigo.

  6. Isabel Campos

    Talvez pudéssemos armar o amor e desarmar a guerra se fôssemos menos espetadores e mais sujeitos ativos.
    Também nós, bem longe deste cenário de guerra precisamos mudar e intervir fazendo a diferença.
    As vezes é bem difícil, quase uma outra guerra.
    Podemos mudar se quisermos, mesmo!!!

    Abraço a ti e à Isaurinda ☺

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel. Hoje vivemos tido como se estivessemos no sítio. Temos de ser capazes de mufar isto. Abraço enorme

  7. Eulália Pereira Coutinho

    Excelente. Real. Que mundo este meu amigo. Não bastam os cataclismos naturais, que vão dizimando os mais fracos, como também os que são provocados pela maldade dos homens. A histórica é cíclica . A memória é curta.
    Dói assistir à guerra em directo. Imagens horríveis. O cessar fogo até quando?
    Dói ver crianças a fugir do país onde nasceram, à procura de vida melhor. Imagino também, o sofrimento dos pais.
    O mundo está feio, muito feio. Os poderosos cada vez mais poderosos, vão atropelando tudo e todos.
    Temo que os riscos da pandemia tenham sido esquecidos.
    Vamos esperar para ver.
    Nesta fase da minha vida, não esperava ver os valores de Liberdade e Solidariedade serem tão ameaçados, perante o silêncio do poder.
    Obrigada, meu amigo, por estar sempre desse lado.
    Vamos resistir.
    Grande abraço.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Ivone, minha Amiga/Irmã. Temos de continuar a lutar até ao fim pelos nossos valores. Sabemos o que queremos. Iremos vencer. Abraço imenso

    2. Jorge C Ferreira

      Obrigado Eulália. Escreveu tudo. Há coisas que não queremos ver repetidas. As guerras sem nome o flagelo dos povos. Vamos tentar ajudar a mudar. Abraço

  8. Filomena Maria de Assis Esperança Costa Geraldes

    São estas as notícias que constragem o mundo em que vivemos.
    Quem melhor do que tu para nos servires tão calamitosas realidades?
    Para avançares. Na linha da frente.
    Para fazeres uso desse teu talento, tão especial e inconformado, deixando em palavras o que te ensombra a mente e te não dá sossego. É realmente estranho este mundo!
    Guerra sangrenta na faixa de Gaza, imigrantes procurando asilo em dois enclaves de Espanha, depois de uma luta inglória contra um mar que não dá tréguas.
    A pandemia a dispersar-se com a chegada de turistas ingleses ao Algarve e, por fim, porque isto é conjunto de factos que parecem ter saído de um filme de terror ou de negro humor, o final da Liga dos Campeões com uma multidão a assistir, a vibrar e, naturalmente, a exceder-se.
    Quanto à nota que adianta a notícia de um possível cessar-fogo entre a Palestina e Israel, aguardemos. “Nem tudo o que parece, é”. Como costuma dizer um amigo meu.
    A propósito de amigo, deixo-te a minha reverência.
    Ler as tuas crónicas vai muito para além de simples informação. É sem dúvida um olhar abalizado sobre este bizarro mundo!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Mena. Minha Amiga generosa. A tua escrita é bela e resoonde às coisas que nos afligem. Sabes, ando desde muito novo a tentar mudar o Mundo. As vitórias e as derrotas. Continuarei a lutar. Espero-te na desfile da alegria. Abraço grande

  9. Cristina Ferreira

    Gostei muito. Obrigada

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Cristina. Que bom estards presente. Que bom teres gostao. Abraço

  10. Se, entre as pessoas, por vezes o diálogo se torna impossível, por inflexibilidade ou agressão sistemática, entre os países sucede algo comparável.
    O tempo passa. Evoluímos? Só em certos aspectos, infelizmente…

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Sofia. Temis de evoluir. Tu sabes que sim. Temos de combater todas as intolerâncias. Vamos acreditar que há um futuro melhor. Abraço grande

  11. Ivone Teles

    É tal qual dizes, querido amigo. Eu sou contra todas as guerras , mas mais me revoltam estas em que o ” poder ” de uns serve para aniquilarem quem é mais vulnerável. Veremos até quando se aguenta o ” cessar-fogo “. Entretanto morrem milhares de crianças e mulheres e homens que só querem a PAZ e que lhes devolvam as terras que lhes pertencem, assim como os seus haveres. Nasci quando começou 2ª G.Guerra (1939), e morrerei num mundo em que as guerras crescem em lugares deste planeta, quase hora a hora. Sou membro do CPPC, porque quero acreditar que é possível a PAZ. Que mundo tão absurdo e desigual !!!!!!!!. Que VIVA A PAZ, sempre. Obrigada pelo teu contributo.

    1. Jorge C Ferreira

      Ivone, minha Amiga/irmã, por engano a resposta ao o teu comentário está após o comentário da amiga Eulália Pereira Coutinho. Desculpa. Beijinho

  12. Isabel Torres

    Uma crónica muito bem escrita e actual. Não compreendo as guerras. Não compreendo a não solidariedade com os que sofrem. Não compreendo a ausência de diálogo e colaboração entre povos. De modo diferente, também não compreendo os “sorrisos ” aos ingleses, num momento de tragédia nacional (já nos esquecemos da mortandade de Janeiro e Fevereiro???) e mundial. Continue a denunciar Jorge todas as questões actuais e,principalmente, ligadas aos maiis frágeis e/ou em sofrimento.

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Isabel, somos e seremos pela Paz semore. Temos de nis cuidar muito minha Amiga. Somos um país que parece nasceu para servir os outros. Temos de mudar esta forma de estar. Abraço

  13. José Luís Outono

    Caríssimo Jorge C. Ferreira

    Partilho inteiramente da tua reflexão neste artigo multifacetado em olhares de preocupação, num mundo onde tentamos viver pacificamente, e cada vez mais olhamos o calendário da nossa vivência, e o grande ponto de interrogação de podermos sentir e viver uma paz em sintonia justa é um mar de incertezas.
    Ficam os teus olhares sempre pertinentes de um dia próximo podermos saudar-te e dizer:
    – Tinhas razão e aconteceu. Obrigado!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado José Luís, meu amigo Poeta. Muito bom ver-te neste espaço. Obrigado pela tua posição. Vamos mudar isto. Abraço

  14. Branca Maria Ruas

    Tal como acontece com a Isaurinda, também as guerras me fazem chorar. Um choro sem lágrimas, uma dor angustiada por já não acreditar que todas as guerras acabem, e para sempre! Por vezes existem tréguas mas, apenas temporárias e aparentes… E é muito triste perdermos a esperança num Mundo de Paz. Principalmente depois de nós, os da nossa geração, termos abraçado esses ideais com tanta convicção.
    MAKE LOVE, NOT WAR!

    1. Jorge C Ferreira

      Obrigado Maria. O que adoro ver-te aqui. As horríveis guerras que não acabam. Os povis martirizados. A tua ajuda ezpecial à minha escrita. Essa frase maravilhosa dos anos 60.
      Make Love Not War.
      Vamos conseguir. Abraço grande.

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