Crónica de Jorge C Ferreira
Escrever
Esta teimosia em continuar a escrever. Estar neste reduto de liberdade. Ser uma voz livre a sobrevoar a torre de pensar. Continuar aqui apesar do medo de errar e das eternas dúvidas. Nunca sei se as palavras estão certas, se a mensagem chega ao destinatário. Estes medos que assaltam quem escreve na esquina de qualquer frase. Este incêndio que arde dentro do corpo.
Este cansaço com que chegamos ao fim de cada alegria. Há uma euforia que logo se esboroa após cada ponto final. Um cansaço que vale a pena quando alguém nos lê. Essa compensação enorme que é ser lido. Escrevemos para isso. Quando chega um comentário, essa bela interacção que nos abençoa, é de júbilo o nosso instante. A vida a ser recompensada.
Um fogo irrompe algures. Um míssil é disparado no meio de uma história mal contada. O medo que se apodera das pessoas. As pessoas cansadas do ambiente de terror. Os loucos com botões perigosos nas mãos. São diferentes os castelos destas guerras. Hoje ninguém vê quem mata quem. É um click e já está. Coisas virtuais. A cobardia dos assassinos. Eu, que não gosto de “playstations”, cada vez entendo menos destes jogos.
Volto à escrita. Volto ao texto semanal. Volto às palavras que me vão aparecendo vindas de um lugar desconhecido. Gritos que me chegam aos dedos como impulsos eléctricos. Descargas de uma alegre sensibilidade. A carga e a descarga das emoções. Uma frase luminosa e um travessão que indica a chegada de um choque directo. Um diálogo que tem volts e incendeia. O curto-circuito.
Caem aviões. Morrem mais não sei quantos. Continua o foguetório. As vítimas são números. Não sabemos das famílias mutiladas. Os nomes são lápides e cruzes. Notícias falsas e montagens fotográficas. Filmes feitos de coisas antigas a passarem por originais. Muitos figurantes. Outros tantos figurões. Os senhores da guerra. Os dos milhões que também vão morrer. Os Reis do petróleo e o fim dos petrolinos. Os penteados dos alterados e as alterações das ideias.
Escrever mais. Escrever a preto e branco e tentar mostrar todas as cores. Um colorido que pode ser um jardim ou uma montanha russa. Um carrossel de letras que se vão casando. Um padre que baptiza uma palavra nova nascida de um parto inexplicável. A água da pia baptismal a revoltar-se. Uma santa que grita. A bibliotecária da igreja procura a palavra em vários dicionários. Tudo em vão. A palavra está criada. Em breve fará parte do léxico usual e será objecto de estudos. Assim a língua se renova.
Continuam militares, politólogos, políticos a falar, do seu saber, sobre o que estamos a ver. Luzes que se passeiam sobre restos de cidades. Tanta destruição. Tanto comportamento indecoroso. Tanto mutilado. A política da vingança. O fazer disto um jogo de futebol onde os golos são substituídos por mortes conseguidas. O horror da política feita nas redes sociais. O caminho para a insensatez absoluta.
«Sabes, tenho medo dessa gente que tu falas. Não tenho confiança em ninguém.»
Voz da Isaurinda.
«Sim, minha querida, tens razão, mas temos de ser optimistas.»
Respondo.
«Olha, eu estou muito pessimista.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a fazer o sinal da cruz.
Jorge C Ferreira Janeiro/2020(234)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
A tua escrita singular é sempre pertinente. E o modo como consegues o encadeamento perfeito entre tantos assuntos tem o dom de me suscitar sempre uma série de imagens e de ideias. Impossível comentar cada uma…
Fico-me pelos medos que te assaltam quando escreves que só demonstram o teu excesso de humildade.
Continua “teimosamente” a escrever pois podes ter a certeza que, se te sentes compensado quando recebes um comentário, eu sinto-me elevada quando te leio.
Elevada para um outro mundo onde os sonhos a ternura e os afectos estão sempre presentes. E é esse mundo que me ajuda a suportar o “resto” que mencionas nesta crónica.
Obrigada e um abraço, Amigo Jorge!
Obrigado Maria. A ajuda que me dás ao ler os meus textos. Tu conheces todas as minhas dúvidas. Sabes que continuarei humilde até ao fim. Grato por tudo. Abraço
Eu também sou um dos muitos destinatários.
Obrigado, Jorge, um abraço!
Obrigado António. A sua presença constante é um incentivo. Um grande abraço.
A sua escrita é única. Em cada texto uma mensagem, escrita de forma sublime. O olhar atento, a inquietação, a sensibilidade.
A arte da escrita que nos faz pensar e estar atento.
A mudança a que assistimos é realmente preocupante e ninguém aprende com os erros. A história repete -se, os loucos são cada vez mais loucos. O poder e a fragilidade do ser humano.
Obrigada pelo privilégio de poder ler as suas crónicas.
Obrigada pela mensagem que transmite em cada texto.
Um abraço amigo.
Obrigado Eulália. É a minha inquietação que me leva a teimar em escrever. Estou muito grato em a ter a ler e a comentar os meus textos. Abraço
Gosto das segundas-feiras, Jorge. Gosto, especialmente de, ao acordar, ler um belo texto teu e ao fim da tarde, de novo, uma crónica fabulosa. É um privilégio que não dispenso.
Gosto tanto que sejas teimoso, que continues a escrever nesse teu “reduto de liberdade, nesse refúgio onde descarregas emoções, nesse teu outro mundo mais belo, colorido e sedutor do que o mundo em que vivemos.
Continua, Jorge! És feliz a escrever e fazes feliz quem te lê.
Obrigada. Beijinho.
Obrigado Manuela. O que adoro ver-te neste espaço. Acrescentas sempre algo que nos agrada. Que bom é fazer-te feliz. Abraço
Amo a tua escrita. A suave e delicada forma de nos ofereceres o Teu sensível olhar perante o mundo.
Uma escrita madura, vivida , realista, mas que com a tua arte mágica, ajuda-nos a Não desistir de acreditar. Sim, uma profunda sensibilidade e um enorme talento que trazem conforto ao nosso sentir. Abraço
Obrigado Cristina. Eu adoro os teus comentários. Se desinquietar mais alguém fico feliz. Abraço.
Teimosia saudável, a da escrita, mesmo com dúvidas, sobressaltos, e inseguranças. Em prosa. Em verso. Optimismo, precisa-se, e por vezes é tão necessário o seu reconforto para continuarmos a luta. Devemos-lhe essa gratidão. Bem haja, Jorge C. Ferreira! Abraço!
Obrigado Ana Bela. Que bom ler as suas palavras. A maneira como entendeu o meu texto. Abraço
E com a segunda feira de cada semana, logo pela manhã, ao acordar e tentar colocar os neurónios, baralhados com os sonhos, aparece uma boa lembrança. Hoje vou a Mafra pela crónica do querido Jorge. E, aqui estou. Li e, mais uma vez ,escreveste com o teu habitual cuidado. Tristes notícias, como tristes foram os acontecimentos pelo mundo. Sempre actualizado, sempre atento ao que se passa num mundo que não vai acabar bem. Quando a bondade e solidariedade são palavras que homens substituem por ódio e desprezo, os seus actos tomam o lugar das palavras . É o que vês e é o que, tão bem transmites. Como a Isaurinda estou pessimista. Mas é um momento, quero acreditar. Um dia destes desceremos avenidas de mãos dadas e bandeiras da PAZ.. O mundo não pode morrer assim. Obrigada meu Amigo/ Irmão. Beijinhos.grandes e amigos. <3 <3
Obrigado Ivone. Sempre brilhante o que dizes. Já passámos por coisas destas. Já ultrapassámos outras dificuldades. Continua a pensar no dia que bamos descer a Avenida de mão dada. Abraço
O talento ao registares e compores as palavras do teu jeito. As cores vida que dás a cada uma delas, que tratas com tanto cuidado. A palavra liberdade que não esqueces. Atitude que te conforta e nos transmites vontade de continuar a acreditar. Assim escreves e muito bem. O tempo é dificil. Confesso que tenho vários receios, também pelos foguetórios. Vamos ser optimista até ser possível. Obrigada pelo teu texto onde sinto abrigo. Abraço meu Amigo Jorge.
Obrigado Regina. Que bom teres feito deste texto um abrigo. Um abrigo para pensar na resposta que temos de dar. Abraço
Genial, sublime Jorge. Isaurinda com o seu bom senso, sempre.
Parabéns, bem haja Jorge.
Abração😘
Obrigado Fernanda. Direi à Isaurida do seu apreço por ela. Tão breve e tão bom o seu comentário. Abraço
É,quem escreve carrega no coração o mundo inteiro. A sensibilidade escreve o que sente, entre alegrias e tristezas, as palavras vestem e despem medos e receios que assombram a razão do coração que bate e vive por viver cada dia a dia. O mal do mundo são os que não leem ou sentem o olhar de alma em cada uma das crianças que farão do mundo a esperança de que tudo será melhor se antes do fim ensinarmos que todos os jardins têm de ter flores,que o céu é azul em qualquer outra parte do mundo. As crianças serão a salvação da humanidade…
Obrigada meu amigo,como sempre a alma e o coração dão às palavras o sentido da vida… Abraço!
Obrigado Cecília. Que belo comentário. Vamos lá mudar o mundo mudando em cada um de nós um pouco. Tu sabes da escrita, minha amiga. Abraço