Encontros Felizes
por Jorge C Ferreira
Passava das cinco e meia da tarde. Hora em que o Sol começa a inundar a minha esplanada. Há um reflexo imenso numa superfície vidrada de um prédio. Um clarão. Foi um dia de mensagens trocadas com a saudade. Um dia em que fui aparar a barba e o meu neto cortar o cabelo. Uma ansiedade que crescia com o passar das horas. A máscara. Sempre as máscaras e os desinfectantes. Que tempo!
Seis da tarde e recebo uma mensagem:
“Salimos de Lisboa.”
Respondo:
“Bien, los espero.”
Não, não era a palavra passe de nenhuma revolução. Se fosse a música seria: “Te quiero, te quiero”. Era o iniciar de um matar de saudades. Mais de um ano sem nos vermos. Um ano em que muita coisa aconteceu. Mascarados nos iremos encontrar. Desinfectamo-nos mais uma vez. O gel está em cima da mesa junto com as chávenas dos cafés já bebidos, as garrafas de água das pedras e os copos com as rodelas de limão.
De repente o meu telefone sem carga. Dou um salto a casa com o meu neto. Carrego um pouco o telefone. Publico a crónica do Jornal de Mafra na minha página. Desço de novo a rua até à esplanada.
A alegria enche-me a vida assim que avisto a minha querida Karim e o filho. Não evitamos um abraço. Dou-lhe um beijo mascarado nas costas. O Nico, filho da Karim, não disfarça alguma emoção. Somos muito de afectos. Foram muitas as vezes que nos despedimos com lágrimas nos olhos. Outras vezes a Karim fugiu à despedida. Quando a conhecemos era pequenina. Actualmente tem já um filho com dezoito anos. Foi ela que decidiu adoptar-me e fazer de mim o seu filho mais velho. Um filho quase da idade do Fernando, nosso grande amigo e seu Pai. Trata-me sempre por “hijo” e preocupa-se comigo. Quando fui internado em Espanha. tanto ela como o Pai foram os primeiros a visitar-me no hospital. Nunca o esquecerei.
Somos tratados como família. A Isabel levou os seus filhos ainda muito pequenos à praia. A minha esplanada em Espanha é da família dela. É ali que trabalha. Passo naquela esplanada, “terraza”, quase mais tempo que em casa. Toda a gente sabe o que eu quero para o brunch, ao fim da tarde ou à noite. Quando tomo pequeno almoço, caso raro, também sou servido com rigor. É ali que leio e, muitas vezes, escrevo. Aquele bloco que anda sempre comigo e um lápis afiado. Ali sou abraçado e beijado por muitas amigas e por muitos amigos. Se não estiver em casa é fácil encontrarem-me.
São estes encontros inesperados que nos dão sabor à vida. São as pessoas que valem a pena. Os afectos e os sabores. Os saberes e os valores. As amizades que nos enrolam as vontades. Uma conversa que nunca termina.
O que se passou na minha esplanada daqui foi uma festa. Um recomeçar de uma conversa nunca interrompida. As fotos, os risos. a ternura. Tudo coisas simples. Tudo coisas que não se compram. Dádivas que recebemos e entregamos sem pedir nada em troca. É tanto o que preenche a vida de uma forma tão plena, tão inteira, tão nossa.
Este ano não pude ir à “Minha Outra Rua”, veio a “Minha Outra Rua” a mim. Tanta felicidade. Obrigado meus amigos.
«Gostei de vos ver chegar a casa. Vinham com um ar tão feliz.»
Fala de Isaurinda.
«Sim, foi muito bom. Foi uma festa muito bonita.»
Respondo.
«Agora não vos quero ver amanhã cabisbaixos.»
De novo Isaurinda e vai, o dedo em riste a sair da mão fechada.
Jorge C Ferreira Setembro/2020(268)
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.
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Que maravilhoso texto! A ternura tomou conta de ti e toma conta de quem te lê. Amizades de uma vida são para a vida toda, apesar das diferenças e das distâncias.A felicidade que é ter amigos, Jorge!
Um grande abraço, daqui de longe, no meio do Atlântico.
Manuela, A ternura atravessa Oceanos cavalgando ondas de desejos. A amizade não está separada por mares. Grande abraço.
Bonita crónica. O quotidiano descrito na primeira pessoa. Os afectos que expressamos a tactear e a medo. A alegria dos reencontros. Como adiar os abraços e os beijos?
Obrigado Isabel. Tanta falta que nos fazem os afectos. Reencontrar a ternura num encontro de mascarados. Abraço.
Espanha. A tua segunda pátria. Assim o penso. Esse lugar condensado de afetos. De pessoas que têm brilho. No olhar. No trato. No travo. Pessoas que são novelo. Raíz. Erva de cheiro. Lume de estrelas.
Memórias tão mornas e mansas quanto um poema ou uma melodia que não queremos esquecer.
A amizade é festa. Folguedo.
Um lar onde se demora o sol.
Um lugar à mesa.
O perfume que inebria.
Os gestos que acontecem.
As palavras que não se adiam.
As mãos que se dão em recados.
A reaproximação.
Hoje vieste como uma lareira. Que crepita lentamente. Viraste o sonho do avesso. Trouxeste as presenças apertadas ao peito.
És o livro que escreves.
O poema anunciado.
A ternura com que nos
alumias.
O reencontro sem rascunho.
Os nomes que guardas e soletras como que a desenhar um rasto de amor….
Ah, quantas as viagens…
Quantas pálpebras cerradas.
Quantos longos e incuráveis encantos…
Viver.
Mena, minha Amiga. Tão bonito o que escreveste. Grato por tudo. Viver sempre, Abraço Grande.
Reencontros com sabor doce. É sempre bom sentirmo-nos reconhecidos e ainda melhor sermos acarinhados. A família são também os laços emocionais. Deve ter sido maravilhosa, num tempo de cautelas e distâncias, esta reunião. Um abraço.
Obrigado, Mena, minha querida Amiga. Viver sempre com o corpo a pedir ternura. Viajar ao sabor dos desejos. Criar saudades.
Obrigado Sofia. O carinho e a ternura nem que seja num olhar. Um abraço e um beijo mascarado. Abraço imenso.
Sentimentos a rebentar pelos poros! Que lindo encontro: até parece que não se viam há vinte anos, que maravilha tanta presença de afetos!
Gostei muito!
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. A noção que se perde do tempo. As saudades multiplicadas. Grato por tudo. Grande abraço.
Um aconchego aos nossos corações.
Quanta ternura nestas. Tanto Amor no teu Ser. Sossega a Isaurinda.
Abraço-vos muito.
Obrigado Cristina. Foi uma festa bonita. Foi a ternura ao vivo. O amor. Abraço-te muito.
Que texto amigo. Fiquei com voz embargada e uma lágrima ao canto do olho.
Hoje, ao falar com uma amiga, pelo telefone, vivi a sensação que descreve. Companheiros iinseparáveis de férias. Muitos anos de amizade, a acompanhar o percurso de filhos e netos. Tantas aventuras juntos, tantas viagens. Saudade do abraço. Saudade de viver. Encontros adiados. Por quanto tempo? A situação mais grave em toda a Europa, limitações, notícias e mais notícias.
Chegar a casa com ar feliz.
Uma festa muito bonita. A alegria do reencontro.
Fico feliz meu amigo.
Um grande abraço.
Obrigado Eulália. Tanta coisa que nos faz falta. Quanto as cartas chegam por mão própria é uma alegria. Abraços que não conseguimos evitar. Abraço grande.