Crónica de Jorge C Ferreira
Cercados
Estamos a ficar cercados. Estamos no meio da confusão. A Jangada de Pedra do Saramago não passou de uma utopia, de uma vontade, dum sinal de iberismo. A crise adensa-se. Os aeroportos estão a ficar vazios. As praças onde não se podia entrar, tal era a quantidade de turistas, parecem sítios desabitados.
Para onde ir? Pois é, isto agora é global. Quantos refúgios nos restam? Eu, que sempre tive uma vontade secreta de ser eremita, estou tentado a procurar um sítio. Um Refúgio.
Refúgio I:
Tenho uma amiga que vive numa ilha entre a montanha e o mar. Vocês sabem que eu penso (tenho quase a certeza) que as ilhas navegam durante a noite. Partem ao fim do dia, como os paquetes, e regressam ao alvorecer. Levam tudo com elas. Pessoas, pássaros, árvores e rochas. A lava que toma conta das vinhas. A minha Amiga disse-me que estão sempre a chegar turistas. Que tem medo do que eles tragam com eles. Talvez haja uma casa sem telhado a meio da montanha. Talvez os cachalotes nos venham buscar. Talvez as cagarras nos salvem.
Refúgio II:
Será que ainda está de pé a cabana onde um tio de um grande amigo meu vivia? Era um sítio de sonho, onde ele vivia só. A estrada para lá chegar era de terra, um caminho mal traçado. Ficava no cimo da Serra, perto de uma lagoa onde nadavam trutas arco-íris. Uma centena de metros abaixo umas rochas difíceis de descer e uma água cristalina vinda não sei de onde. O barulho da água a correr em liberdade. O tio velho sempre à porta da cabana, como se guardasse um tesouro. Tenho de me informar sobre o que foi feito deste lugar único. Onde me deitei na relva e adormeci com vontade de não acordar. Já visitei muito lugar, mas este ficou-me guardado numa gaveta especial. Tenho a imagem toda presente. Como se tivesse ido ver um filme que nos marca para a vida. Comer uma truta rosa. Dormir sem saber.
Refúgio III
Uma aldeia onde ninguém vai e de onde ninguém sai. Um sítio perto de tudo e, no entanto, um lugar de nada. Uma rua e a casa da esquina. A ribeira e o monte de ninguém que deixaram arder. Uma outra terra pendurada num monte, as casas em equilíbrio instável nas arribas. Um café e uma mercearia. A vegetação selvagem e as hortas de todo o alimento. A aldeia antiviral. As galinhas a picarem a terra em busca de alimento. A horta e as lagartas num alegre convívio. Escolher as folhas da hortaliça. Experimentar um sabor esquecido.
De mais refúgios vos podia falar. Sítios de nada. Voltar às grutas. Ir viver para o mar. Acabo de ouvir que a Organização Mundial de Saúde acaba de declarar a pandemia global. Vamos ficar atentos e precavermo-nos. A crise já está instalada. O pânico também.
«Estou com medo disto tudo. Não sei se estaria melhor no Fogo.»
Fala de Isaurinda.
«Tem calma, o que for logo se vê. Vamos estar atentos e não facilitar.»
Respondo.
«Eu vou, mas não sei, não. Só me apetece fugir.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a fazer o sinal da cruz.
Jorge C Ferreira Março/2020(243)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
Meu querido amigo Jorge, como gostei tanto, tanto, desta tua crónica! Como adoraria ver-te no primeiro refúgio, a observar e sentir a natureza ainda pura. A ilha que navega durante a noite e nos embala os sonhos. O meu refúgio feito de lava e altura no imenso azul da Atlântida desaparecida. Contudo, vejo com tristeza e preocupação este tempo que estamos a viver. Quando me ponho a pensar nisto, no que estamos todos a viver, parece-me que estou num filme e que nada disto é real, mas é, infelizmente.
Alguém escreveu, que “Quando a gente acha que tem todas as respostas, vem a vida, e muda todas as perguntas.”.
Beijos, meu amigo, e um obrigado imenso, pela beleza que nos ofereces a cada dia.
Cuida-te muito.😘😘😘
Obrigado Manuela. A beleza da ilha em que navegas, como a amo. O cheiro a mar e a lava. Resta-nos ficar em casa e reinventar a vida. Sermos solidários, saber do outro. Cuida-te. Abraço Grande
Temos que ser inteligentes para aproveitar o tempo sem a preocupação da ausência. Fazer frente com serenidade e sem pânico, tentar viver cada dia na esperança de superar todos os seguintes. Ser forte não é fugir do inevitável mas esperar que o mal passe ao lado, sem que nos veja.
Um abraço, Jorge, e boa sorte!
Obrigado, António. Não há para onde fugir. Sim, fugir não adiainta. Vamos cuidar-nos muito. Abraço.
Três refúgios magníficos. Levam-nos por momentos ao paraíso.
A solução é ficar no nosso canto, esperar que o vírus passe ao lado e dar asas à imaginação.
É momento de grande preocupação. Todos nos preocupamos com todos. É uma batalha como não temos memória. As ruas e praças estão vazias. Resta -nos a força dum grande abraço virtual e esperar que tudo corra bem.
Obrigada meu amigo.
Um abraço.
Obrigado Eulália. Sim ficar em casa e sonhar. Fazer do sonho o nosso escape. Cuide-se minha amiga. Abraço
Já esperava que a sua crónica versasse sobre a calamidade da pandemia. Estamos em estado de sítio lutando contra um inimigo invisível. Algo semelhante já descrito em ficção “científica”. Quem imaginaria que se tornasse real? Coisa só para alienados.
Eis, a realidade a superar a ficção. Não é a primeira vez.
Isolamento social é a principal norma. Prisioneiros, assim estamos. Apreensão muita.
Resistir cooperando, com esperança.
Refúgios, como caracteriza, não combinam muito comigo. Só pontualmente e acompanhada e sem obrigatoriedade.
Tenho o meu cantinho em casa, à minha medida. Tão bom! Privilégio.
Por agora, ainda podemos sair à rua, respeitando as recomendações. Se for decretado o “estado de emergência”, logo se vê… Vencer o medo é preciso.
Por quantas dificuldades já passámos?
Quantos muros já ajudámos a derrubar?
Cá estamos juntos, solidários, dando lições de cidadania.
Coragem amigo Jorge.
Abraço fraterno.
Obrigado Fernanda, sim tudo isto parece um filme de ficção científica, só que é real. O sonho pode fazer parte da nossa reclusão. Foi isso que exercitei. Cuide-se minha Amiga. Abraço.
Eu não lembranças nem memórias de poder-me refugiar nalgum lugar especial. Sempre pautei o meu esconderijo secreto com o que não verbalizava.Não é necessário passar por uma guerra,ou por uma revolução para ter medo e precisar de refugiar em algo ou lugar seguro. Há histórias que ficam,essas sim,encontram no refugio o silêncio que as inquieta. Estamos numa crise de medo que tem nome de vírus. Um vírus dizem ou escreveram os “profetas” que se prolongará por muito mais tempo,possivelmente,até a humanidade aprender o valor e o respeito a termos uns pelos outros,no meio do desastre,no meio de tudo que mete medo,aprendamos o valor do que é o ser humano. Somos superiores,somos colectivamente solidários,só ainda não nos tinham posto à prova. Quem sabe!?… Abraço meu querido amigo,todo o cuidado é pouco,estejamos atentos,a amizade é o principal antídoto.
Obrigado Cecília. Neste texto tento viajar brevemente por sítios que perduram na minha memória. Temos de ser solidários, saber do outro, ajudar. Abraço Grande
Querido Jorge,
hoje mesmo e em resposta a um pequeno desabafo meu, uma pessoa muito querida me respondia : – “Não fugimos de nada, nem de ninguém. Sobretudo não fugimos de nós próprios. Nunca vi beleza na fuga”.
Fiquei encantada com esta resposta. E subscrevo-a totalmente.
A tua crónica é muito bonita e leva-nos a sonhar. Mas a hora é de permanecer. Serenamente. Juntos. Um cordão branco.
Abraços!
Obrigado Cristina. Fugir? Não há para onde! Resta-nos sonhar com os locais da nossa vida. Abraço.
Sonha, meu querido, sonha e cuida-te muito. Abraço grande
Às 18 horas saí da quarentena e vim espreitar Mafra. Não estava e eu entendi. De facto, esta nova realidade ocupa-nos tanto a cabeça que seria natural descansares dela. Gostei e, não seria fácil que não abordasses o medo. Em ” cercados ” abordas os possíveis refúgios O 1º está repleto da tua magia, do teu mundo, tão teu e em que te refugias até no dia a dia. O segundo, terás de o retirar da gaveta.Um filme em que ” comeste uma truta rosa ” e “dormiste sem dar por isso. “. E chegamos ao 3º. e é a aldeia que imagino, mesmo , tua. Tem tudo o que gostas e o único inconveniente é não ter internet ( digo eu ). Ias passar sem saberes de nós? Não acredito. ” Quem ama, cuida ” e era uma ausência demasiada para nós e para ti. A Isaurinda acha melhor voltar para a sua Ilha. Sózinha não vais deixá-la. ir . E a decisão é ficares com todos os cuidados e sem facilitares. Beijinhos, amigo.
Obrigado Ivone. Minha querida amiga/irmã. Fugir não adianta. A moléstia vive em todo o lado. Resta-nos sonhar. Vamos ser solidários. Saber do outro. Grande abraço