Crónica de Jorge C Ferreira
Assim estamos
Passam luas, passam dias de sol, dias mais cinzentos, a chuva. Rasgam-se folhas dos calendários. Afiamos o lápis para ir riscando os dias. Vamos desdobrando noites atrás de noites e o sono é uma acalmia para o nosso dia-a-dia. Quando acordamos ficamos felizes. Acendemos o rádio ou a televisão e reaparece alguma ansiedade. Quase que apetece ir para a cama de novo. Tomar uma pastilha e adormecer.
É o adiar progressivo do fim de tudo. É não saber de nada. São informações contraditórias. São os loucos que governam parte do mundo. Muita gente sem princípios em lugares perigosos. Um medo que se vai instalando. Os que começam a querer acelerar a abertura económica. Eu tenho mais confiança nos cientistas. Gosto de os ouvir com atenção. Os que são cientistas de profissão a tempo inteiro têm sido o meu barómetro da crise. Tudo o resto é ruído de fundo que ignoro. Desculpem, já é superior a mim.
Por vezes lembro-me dos imensos dias de mar. De me sentir perdido entre azuis. Lembro-me da felicidade. Da liberdade. De todo o tempo do mundo. Das ondas enormes. Do respeito, nunca do medo. Agora é um medo que nos corrói o corpo e a mente. O não saber qual é o próximo porto. O não conhecer o fim da viagem.
Tenho 71 anos e a minha mulher 68. Somos daqueles que eles já disseram que devem ficar confinados até aparecer a vacina. Eles lançam lebres, seguidas e anunciadas por todos os meios até se tornarem necessidades a cumprir. Começo a perder a noção do tempo. Este ano não vou até à minha outra rua. Este ano não deve haver notas do Reino de Valência. Já desmarquei outra viagem pelo mar. Este ano é um ano riscado dos tempos. Um tempo sem tempo. Uma agonia. Uma ansiosa forma de viver. Tudo sabe a tristeza. Sim eu sei que nascem crianças. Sair do útero materno e encontrar este mundo, que se sentirá? Que quer dizer aquele primeiro choro? Faltam os abraços, os beijos, os afectos, as mãos. Faltam-nos os sorrisos que estão por detrás das máscaras.
Então não há nada de positivo neste desastre? Há tudo o que vamos aprendendo. Que nem todas as verdades decretadas são verdadeiras. Que ficamos a saber quem se importa connosco. Quem nos empresta o peito para serenar. Quem fala connosco. Com quem falamos e confidenciamos coisas que estavam enterradas. Tempos passados e tempos futuros. A Catarina que nos traz as compras à porta. Há a menor poluição. Os muitos carros parados. Os aviões nos aeroportos. Há os patos que se aventuram a procurar outros locais para passear. Há todo um mundo com vontade de mudança.
Como será o retomar da vida activa? Seremos os mesmos? Abraçaremos os outros sem medo? Quantos beijos vamos dar? Como iremos a um espectáculo, à apresentação de um livro, a um restaurante? Há quem diga que tudo vai ser diferente. Que muita coisa na vida vai mudar. Eu espero para ver. Eu espero ver. Tenho essa vontade imensa de descer a avenida grande da minha cidade, chegar ao rio e sentar-me num banco de pedra. Os olhos a ficarem da cor da água.
A Isaurinda diz que está farta, só lhe apetece fugir. Digo-lhe que não há para onde. Acalma-se e quer saber muito de nós. São grandes as saudades.
Jorge C Ferreira Abril/2020(248)
Participou na Antologia Poética luso francófona: A Sombra do Silêncio/À Lombre du Silence;
Participou na Antologia poética Galaico/Portuguesa: Poetas do Reencontro
Publicou a sua primeira obra literária em 2019, “A Volta à Vida À Volta do Mundo” – Poética Editora 2019.
Pode ler (aqui) todas as crónicas de Jorge C Ferreira
Costuma dizer-se “vivendo e aprendendo”. Subitamente, uma realidade generalizada e universalmente aplicada.
Mais que nunca, não existe uma verdade. Assim como não há receita para o futuro.
Há planos adiados por sabe-se-lá-quanto-tempo e uma fórmula que vai sendo implementada, por tentativa e erro.
Há saudades e amizade à distância.
Não estás sozinho.
Obrigado Sofia. Estamos como se tivessemos entrado num buraco negro. Que encontraremos? Sabes que também não estás só. Abraço.
Por toda esta incerteza de não se saber estamos bem e em que sítio, somos bafejados pelos medos de um papão que não vemos, minúsculo, que nos pode tocar, dominando-nos quando já não nos lembramos em que sítio e hora ele nos pegou. É um sentimento de terror pior que uma tempestade na noite escura! Só podemos confiar na sorte sem arriscar qualquer rumo! Todos os sítios são perigosos!
Um abraço de tranquilidade, Jorge!
Obrigado António. Sim, meu amigo, o medo está instalado. Devemos contrariar o pânici. Vamo-nos cuidar. Vamos acreditar. Abraço
Estamos assim, tal qual como tão bem descreve.
Loucos que governam o mundo. Notícias contraditórias. Em quem acreditar?
Também pertenço ao grupo de risco de confinamento obrigatório até que surja a vacina.
É um ano para esquecer, meu amigo. O mar azul tão perto e tão longe.
Vamos acreditar que o pesadelo termine e sentir o forte abraço de netos, filhos e amigos.
Resistir sempre.
Cuide-se bem.
Um abraço.
Obrigado Eulália. Sim, o mar que tanta falta nos faz. Tanta coisa que nos faz falta. Cuide-se muito, minha Amiga. Abraço
Assim estamos sem sabermos qual o dia da semana em que acordamos. Que importa, pensamento imediato, os projectos de vida adiados até quando? Tantas afirmações na rádio ou na televisão, desmentidas de imediato. Vamos confiar na ciência. A vacina vai chegar. Até lá vamos estar juntos e olharmo-nos nos olhos que vão brilhar de contentamento. Acreditar e resistir é o lema de todos nós. Tu e a Isabel vão estar no Reino de Valência. Abraço meu amigo. Até já.
Obrigado Regina. Que boa a tua esperança. Que bonitos esses olhos nos olhos. Sim, acreditar. Abraço
Como eu gostava de ler esta bela crónica e saber que era uma das tuas mágicas estórias. Mas não, esta é sobre acontecimentos que passam por nós e ficarão inscritos na História do mundo. Esta é sobre um outro inimigo contra o qual não temos ainda armas. Sentes-te, sentimo-nos todos perdidos. Altamente malévolo este inimigo, fruto de algo que correu mal ( os cientistas ainda estão a investigar, ouvi, mesmo agora na TV) ou não e, tal como dizes, eu também quero ouvir e acreditar nos cientistas. Esta tua crónica está óptima. Parece-me ouvir-te no que escreves. Mas acredita que será depois deste confinamento que virás dar–me um abraço. Não sou o teu mar, não sou um navio onde irias fazer os teus passeios, mas vamo-nos abraçar. Trazes a tua Isabel e num local azul festejaremos o regresso a uma outra vida, que não esta. Tudo te espera, porque por todos és esperado e amado. Não quero morrer de forma tão estranha. Tenho menos 10 anos do que tu, mas necessito do teu abraço amigo. Sossega a Isaurinda, porque virão tempos melhores. Beijinhos amigos meu Amigo/ Irmão.
Obrigado Ivone, minha querida amiga/irmã. Está combinado esse encontro. Essa festa de azul ternura cuida-te muito. Abraço.
Querido Jorge,
Existem tantos ruídos de fundo. Felizes os que conseguem filtrar. Não tardará em que haverá noites em que o único ruído será o cântico do teu mar . Não tardará sentires-te perdido entre o azul das suas ondas. Sentir a Felicidade a salpicar o rosto.
A tua outra rua, está lá, sempre à tua espera. De braços bem abertos. E se o abraço dela não puder ser este ano, será seguramente para o ano que vem. E esse abraço será ainda maior e mais apertado.
Este, é o ano que vamos resistir com todas as nossas forças.
Este, é o ano, em que ficamos a saber, quem se importa realmente connosco.
Há todo um mundo com vontade de mudança” – Tão belo o que dizes, querido Jorge.
E tu, com a tua Isabel, o teu querido neto e todos que te amam, vão contigo voltar a descer a Avenida grande da nossa cidade. De mãos dadas. E quando chegares ao riu , os teus belos olhos irão ficar da sua cor. O banco de pedra, está lá, à tua espera.
PS: Não te esqueças que agora és tu quem tem de dar mais atenção à Isaurinda. Agora, é ela que precisa de ti. Ajuda-a a acalmar o seu coração.
Hoje o meu abraço, é dirigido especialmente a ela. Transmite-lhe, por favor. Beijinho
Obrigado Cristina. Sim, vamos ver se um ano perdido ou um ani ganho. Tudo depende do que virá. Vamo-nos cuidar. A Isaurinda agradece. Abraço