Crónica de Jorge C Ferreira
As reformas de miséria
Trabalhar uma vida e receber uma reforma que não dá para sobreviver. Prometer um aumento de meia dúzia de Euros por mês a estas pessoas é uma ofensa. Somos um povo calmo e pouco exigente. Muitos não têm dinheiro para ir mais longe que o jardim ao pé de casa. Os idosos de agora passaram um tempo de privações, de falta de liberdade, foram formatados para obedecer. Quando chegou a Liberdade, muitos já eram Pais. Alguns, os que resistiram e souberam dizer não à canga, ainda teimam em sair e protestar. Talvez consigam acordar outros. Talvez estas reformas de vergonha acabem um dia.
Temos de ter a noção dos nossos direitos e a coragem de saber exigir o seu cumprimento. Pedir tudo nunca é demais. Pedir dez euros não adianta para colmatar as injustiças. Estou a falar disto e não me posso queixar. Tenho uma reforma que dá para viver. Por este andar, não sei por quanto tempo. Estive mais de dez anos sem ser aumentado. Mas isto não é para falar de mim.
Há uns dias apanhei um táxi numa vila da linha do Estoril para ir para casa. O condutor era um senhor com bom aspecto. Quando lhe disse o destino, logo me disse:
«Tem de me ajudar só trabalho aqui às segundas-feiras e há pouco tempo.»
«Claro que sim.»
Respondi de imediato.
No seguimento da conversa veio a razão de trabalhar na praça. Disse-me que tinha setenta e três anos e veio fazer o que nunca tinha feito para acrescentar alguma coisa à reforma que cada vez chegava menos ao fim do mês. A conversa continuou até casa. Um homem educado e com um discurso bem ordenado. Um homem que trabalhou uma vida.
Quando oiço alguém do governo, de qualquer governo, a dizer que os aumentos miseráveis das reformas são um enorme esforço para o Estado, fico em brasa. Primeiro, aquele tipo está a falar em nosso nome e, para mim, esses aumentos envergonham-me e é esse o meu esforço. O mesmo fulano, dias depois, é capaz de dar setecentos milhões de euros a um banco, ou antes a um fundo abutre sem problema nenhum. Para os bancos há sempre dinheiro. Há fundos especiais e manigâncias. Negócios ruinosos feitos pelos que já têm a reforma assegurada. Os falsos banqueiros que praticaram actos dolosos à solta.
Para quando uma pensão mínima ao nível do ordenado mínimo nacional? Para quando dar valor aos que trabalharam uma vida inteira para este País? Não sejam parcos no pedir aos que vos fazem passar uma vida apertada. Não tenham medo porque têm razão.
Os jardins povoados por quem não pode ir mais longe. As mesas e as cartas. No inverno a coisa complica-se. A electricidade dos Chineses e do Mexia é cara. Quando o frio aperta as mantas substituem o aquecimento. Ou então vai-se para a cama na tentativa de os corpos aquecerem os corpos.
Não me venham falar de demagogia e da sustentabilidade da segurança social. Essa conversa da treta de quem tem os valores invertidos. Estou farto deles. Vou continuar a votar. Nunca irei desistir. Tentarei sempre continuar o legado do meu Avô.
«Estou de acordo contigo. Os reformados recebem muito poucochinho.»
Voz de Isaurinda.
«Pois é, minha querida. Temos de fazer alguma coisa para mudar isso.»
Respondo.
«Acho que sim, não sei se vamos conseguir.»
De novo Isaurinda e vai. Uma mão sem nada.
Jorge C Ferreira Janeiro/2020(235)
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Convivo com muitos que tiveram um aumento de euros 2,50,a já magra reforma quem nem chega a metade do ordenado mínimo,continua a ser a vergonha deste portugal que nunca saiu do medíocre,os grandes continuam a ter aumentos exorbitantes,os pobres mais pobres.Eu mesma tenho vergonha,continuo a votar pela minha mãe que aprendeu a votar sem saber ler,conhecia apenas os símbolos de quem queria votar.Conheci a palavra fascista quando ela revoltada usava esta palavra como se fosse ofensa dirigida a quem desmerecia ter mais do que ela que trabalhou sem recompensa. Sonhar é cada vez mais doloroso,os sonhos continuarão a ser quimeras sem direito à conquista de direitos iguais para todos.Assusta-me ver uma nova geração a perpetuar o desrespeito pela idade velha. Obrigada meu amigo,tu entre muitos que continuam a memória dos que não têm como escrever o grito.Abraço!
Obrigado Cecília. É uma violência cobarde a usada contra os mais frágeis. As pessoas têm direitos. Não podem ser tratadas como um estorvo. Haja vergonha. Abraço
Os que nada têm e os que têm em demasia.
O não ter para viver e o esbanjar.
Trabalhar uma vida inteira e receber tão pouco.
Trabalhar tão pouco e receber tanto.
O fosso cada vez mais fundo.
O dinheiro que não chega para uns mas que sobra para outros.
As injustiças.
As desigualdades.
A revolta.
Fazes bem em não calar!
Obrigada pela tua voz.
Obrigado Maria. A diferença entre os mais ricos e os mais pobres é cada vez maior. Uma vergonha. Temos de dar a volta a isto. Abraço
Obrigada por dares voz a quem não tem.
Obrigada por mais este grito.
Abraço
Obrigado Cristina. Podes contar comigo. Já não mudo. Abraço.
Confesso que tenha dificuldade em dizer o que sinto ao ler o teu texto. Verdades que teimam a minha revolta. A sustentabilidade, ai essa palavra que não me sai da cabeça. Tudo mentira. Se um dia te contarem que não fui votar, ou não será verdade ou insandeci. Obrigada por estares aí e dares voz a quem te conduziu a casa. Aliás, o que defendes com verdade desde sempre. Abraço meu Amigo.
Obrigado Regina. Como te compreendo. Começámos a trabalhar éramos umas crianças. Nunca desistir. Abraço
A única forma de poder fazer alguma coisa, é pelo voto. É um dever que nos pode dar voz. Não quer dizer com isso que se consiga acabar com as desigualdades.
Diáriamente aparecem novos casos de corrupção e cada vez mais casos de miséria.
É por tudo isto que não podemos calar.
É por tudo isto que não podemos abdicar do direito ao voto.
Obrigada meu amigo por continuar a lutar pelos que não têm voz.
Um abraço .
Obrigado Eulália. Temos de continuar a votar numa defesa intransigente da Democracia. A Democracia, no entanto não se esgosta aí. Devemos ser exigentes e fiscalizar todos os actos. Devemos fazer ouvir a nossa voz. Abraço
Amigo/Irmão Jorge, como tens razão. É escandaloso o que se passa a nível financeiro, neste país. Estamos numa “comunidade europeia” em que países que dela fazem parte, têm níveis de vida diferentes. Aqui os Governos estão sujeitos às regras dum mercado que dificulta a vida das pessoas. E o que mais custa é que há dinheiro para os corruptos, para banqueiros, para políticos que de política social nada fazem.Não falo por mim e marido. Fomos muito prejudicados há alguns anos,quando tivemos os ordenados congelados e os impostos aumentados. Ambos já nos aposentámos há mais de 20 anos com aposentações para as quais descontámos 36 anos e mais. Hoje recebemos menos do que ganhávamos nesses vinte e tal anos atrás. Mas como dizes não tem comparação com os que têm salários de miséria e reformas que não pagam o que é necessário para se viver.E também lutei e luto por um mundo melhor e mais igualitário. Procuro ajudar, mas nunca será possível mudar o que está mal economicamente, com ajudas pessoais e pontuais. Beijos amigos.
Obrigado Ivone. Sempre importante o teu comentário, minha Amiga/Irmã. Também o valor líquido da minha reforma é inferior ao inicial. Mas o grave é a miséria a grassar com uma epidemia sem controlo. A pobreza dos que trabalham. Não te esqueças do nosso contracto. A Avenida espera por nós. Abraço
Sempre votei na esperança de estar a contribuir para o bem-estar de todos. Os programas dos partidos são bonitos, bem elaborados e muito “transparentes” para serem lidos com bom entendimento; o pior é quando os políticos tiram da cartola uma pomba, a da paz que nada apazigua e muitas vezes é o rastilho do desencanto.
Estamos sempre à mercê da “boa-vontade do salvador” que depressa esgrime o florete com mestria, mostrando o cinismo venenoso do seu propósito.
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Não sei se a pomba, apesar de branca, será da paz. Além da importância do voto, tão duramente conquistado. A Democracia exige mais que isso de nós. A nossa acção na vida pública através de todos os meios. Abraço