Crónica de Jorge C Ferreira
As Prendas de Natal
Já foram limpas as chaminés. Já foram cheias as almofadas para fazer parecer anafado o Pai Natal lá de casa. Os putos que acreditam andam num virote e ansiosos pelo que lhes vai tocar. Os que não acreditam, mas ainda têm idade para acreditar, fazem de conta que acreditam a ver se o butim aumenta.
Há uma algazarra danada numa casa com exaustor e sem lareira.
«Assim, como vem cá o Pai Natal?»
Diz o mais pequeno da casa.
«O Pai Natal tem solução para tudo.»
Diz o Tio mais velho que pede na missa das onze.
«Vamos ver.»
Responde o miúdo. Está nervoso. Que ansiedade esta!
Afinal tudo está em equação. Uma avaria no trenó. Uma doença súbita das renas. Um Pai Natal desorientado e sem GPS.
A coisa é complicada, é muita gente. Será por isso que existem meninos que desconhecem a existência do Pai Natal?
Entretanto uma preocupação me assalta. A minha cada vez maior parecença com o velho das barbas. Já pensei em ir fazer castings para ser Pai Natal numa superfície comercial. Desisti. Tive medo de ser, mais tarde, confrontado com pedidos não satisfeitos. Mesmo assim, pelo sim, pelo não, no dia 26 não saio à rua. As coisas ainda estão muito frescas. Ainda não foram efectuadas todas as explicações.
Que dia! Tanta roupa nova! Tanto brinquedo desprezado. Um urso de peluche que chora por não ter sido o eleito do menino que o recebeu. Um triciclo com uma roda destroçada de tanta brincadeira. Muita coisa inútil. Um par de meias para o Tio que pede na Igreja.
Do que sobrou da ceia faz-se a roupa-velha. Nome só para contrariar as coisas novas que todos estreiam. Os Pais Natal estão desfardados a dormir no seu refúgio de descanso. As renas voaram para a Lapónia, duas ficaram no Jardim Zoológico. Os trenós ardem nas lareiras. Os guizos e as campainhas continuam a tocar. A festa dura até aos Reis.
É nesse dia que os miúdos espanhóis recebem as prendas. Coisas de Reis Magos. Os tais do Ouro, incenso e mirra. Os que seguiram a estrela, dizem.
O Pablo, que vive na raia e tem amigos do outro lado da fronteira, não entende o facto do seu amigo português Francisco já ter recebido os presentes à uma data de dias. Já pensou em passar o Natal do outro lado para ficar com tudo mais cedo. Entretanto os miúdos brincam com as coisas uns dos outros. Os presentes dos “Pablos” acabarão por chegar.
Só se a estrela não guiar bem o Belchior, o Baltazar e o Gaspar. Outro enigma para resolver.
Agora a sério, apesar dessa magia do Natal de que se fala, não acham que isto é muita coisa para a cabeça de uma criança? E eu que era do tempo do Menino Jesus e da meia ou sapato na chaminé? Dava em doido naquela noite pois, só pela manhã se podiam ir ver as prendas. Tenho saudades da minha camioneta de lata verde.
«Tu sempre a brincar com estas coisas. Não tens cura.»
Fala de Isaurinda.
«Não disse nenhuma mentira. Isto é tudo um jogo de consumir.»
Respondo.
«Lá estás tu! Sempre o mesmo!»
De novo Isaurinda, a mão a fazer o sinal da cruz.
Jorge C Ferreira Dezembro/2019(231)
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Meu querido eu, mais velha do que tu, também sou do Natal da chaminé. Inevitável noite que adorávamos, porque vinha o Pai Natal de barbas trazer presentes. A Avó, as tias e tios e muitas primas e primos. Esperava-se a meia-noite até que a Alcinda( a nossa Isaurinda) gritava que fôssemos porque ele tinha chegado. A minha irmã apostava que o tinha visto. Os presentes eram as meias, pijamas e camisolinhas interiores. Com o teu texto revivi o teu Natal, não tão diferente do meu desses tempos..
Adorei ler e reler e agradeço os tantos anos que voltei atrás. És um mágico neste teu talento.. Crias e fazes reviver recordações boas . Muito obrigada meu querido amigo. É Natal, é Natal, canta-se nas ruas. Nascem crianças nessa noite e, todas, serão natais ?. Pois não serão. Enquanto a solidariedade não for total, nem todas podem viver a alegria da época que tão bem descreves na tua crónica.. Continuaremos a tentar um mundo de meninos-deuses, irmãos de outros meninos-deuses em todo o mundo.Nesse quase final de Ano será NATAL.
Obrigado Ivone. O que tu me ensinas da vida. O nosso desejo comum de um mundo diferente. O nosso amor pelos outros. Nós. Abraço
Muito gira, a crónica. Fez-me rir. Natal, desde que me tornei “ sénior”, dá-me para a brincadeira. Gramo brincar. Recebi alguns postais, um deles diz PEACE e outro com uma carroça e cavalos austríacos, cujo condutor tem longas barbas bracas. Bem apessoado😀. Outro tem uma dançarina de flamenco, com um vestido a rigor feito de tecido e rendas em relevo. Então não é Claro uma brincadeira divertida?! Os postais que enviei este ano desejando as Boas Festas são de cortiça com desenhos de azulejos e calçada portuguesa. Ah! Havia outro que simbolizava o Zé Povinho, à moda do Bordalo. Convenhamos que é uma época mágica que apetece ouvir muita música e saborear o ar. Prendas só a do amigo(a) secreto. Acho que vai ser um livro, quase de certeza ou um CD. Pensar nos que sofrem? Penso todos os dias. Mas tenho direito a brincar e dar liberdade à criança dentro de mim. Boas Festas Amigo. Divirta-se🎄🎼🥂🍾
Obrigado Fernanda. Os Natais de cada um e os sem Natal. Que bom é rir. Que bem que faz. Que continue a enviar muitos postais e a receber muitos livros. Abraço.
A magia do Natal. O brilho nos olhos das crianças. As que acreditam no Pai Natal, como verdade absoluta. As que acreditam, mas questionam como é possível o Pai Natal chegar a tantas casas. As que não acreditam, mas têm dúvidas. As que não acreditam mas fingem acreditar para não quebrar a magia. Vivo esta magia através dos meus quatro netos, que têm idades entre os dois e treze anos.
E depois há os adultos que não acreditam no Pai Natal quando vêem tanta criança com fome. Tanta desigualdade no mundo.
Eu acredito nos amigos que podem correr o risco de se confundirem com o Pai Natal mas escrevem mensagens maravilhosas. Alertas para as injustiças.
Obrigada amigo.
Feliz Natal. Um abraço.
Obrigado Eulália. O nosso Natal é o dos amigos. Dos que nos falam sempre verdade. Nos em quem confiamos. Dar as mãos. Abraço.
Gostei desta prenda antecipada.
O Natal continua a ser mágico para as crianças.
Não gosto da correria desenfreada e ” a obrigação” de dar presentes…
Perde- se o encanto…gosto de estar presente.
Feliz Natal, meu amigo.
Obrigado Idalina. O consumo desenfreado mata a magia. Vamos viver em paz. Abraço
Inteiramente de acordo com o que diz mas não vale a pena quebrar esta magia. As crianças merecem! Um feliz Natal para si e família! Obrigada pela prenda! Um beijinho
Obrigado Madalena. É com passes de magia que se muda o Mundo. Abraço
Se disser que não gosto do Natal para muitos sinto que digo uma blasfêmia,tenho as minhas razões,no entanto enterneco-me com múltiplas leituras que vou encontrando por ai. O teu texto deixou com o coração cheio,talvez eu tenha é de reencontrar o espirito natalício,talvez eu precise de voltar a acreditar no que o Natal me possa oferecer e eu aceitar que no simples existe o meu Natal da minha infância. Feliz Natal meu querido amigo.Abraço
Obrigado Cecília. Fazer desse dia um dia que nos encha. O nome que lhe damos pouco interessa. Abraço.
Um texto de Natal, tanta verdade, embrulhada em ternura. Não receis, não te aceitavam como Pai Natal. Não preenches os requisitos. A crónica de hoje também é prenda de Natal. Abraço grande Jorge.
Obrigado Regina. Que bom ter conseguido dar-te uma prenda. Não calculas a felicidade que sinto. Abraço
Tens razão em tudo que dizes. Mas tens de deixar crescer mais a barba para passares no casting do pai natal dos centros comerciais. No entanto agradeço os presentes que nos ofereces semanalmente, aqui, no jornal . Muitas vezes são temas que nos levam à reflexão. E nós precisamos tanto de parar para reflectir. Abraço muito terno. Obrigada
Obrigado Cristina. Acho que não vou deixar crescer as barbas. Espero continuar a dar prendas. Abraço
Nós agradecemos. Muito.