Crónica de Jorge C Ferreira
As ilhas e os sonhos
Ninguém sabe a quantos picos subiu. Sempre na busca do que sabia que nunca ia encontrar. Na busca do inatingível. Passou pesadelos e jura que viu coisas de nunca ver. Coisas encantadas e de encantar. Ainda hoje não consegue descrever tudo o que viu de uma forma sucinta. É através de estórias com seres desconhecidos que faz desesperar os que esperam a realidade. Há coisas que nos ultrapassam e ultrapassam a própria verdade. Serão sonhos? Serão visões? Será a vida farta de ser séria? Continuamos como no começo, nada sabemos.
Uma ave de altos voos passa por ele e parece querer arrastá-lo para junto do seu amor que na base da montanha espera por ele todos os dias, durante anos e anos. O resto é neblina, o barulho do mar e um jardim bem cuidado. Os dois já têm alguma idade, ela é bonita e vive presa a vivências que não conseguiu ultrapassar. Gosta de tomar o pequeno-almoço a ver o mar, adora cuidar do jardim e falar com as flores. Já sabe das estórias das fadas e dos anjos que rodopiam naquelas nuvens que fazem um anel antes do cume da montanha. Jura que nunca os viu. Diz que um sonhou com isso depois de ele lhe ter escrito um texto a contar-lhe sobre tais avistamentos. Acordou sobressaltada. Era noite escura e tudo estava sereno.
No verão a sua casa enche-se de gente, assim acabando com o seu sossego e com a sua luta consigo própria. Há uma outra ilha em frente à sua. Há um barco que atravessa o canal. Por vezes, foge para lá. É vista dali que a sua ilha é mais bela. Há quem se sente num muro a olhar para ela e espere que o seu ar lhe invada o sentir. Ela sabe, porque ele lhe contou, que também ele esteve sentado naquele muro, sobranceiro ao mar, muitos dias e muitas noites. Tudo aconteceu num dia em que ele foi visitá-la e ela não estava lá. Nem ele sabia quem ela era, nunca se tinham visto nem trocado palavra. Encontros que só férteis imaginações faziam acontecer. Sempre andaram pelos mesmos lugares, mas sempre desencontrados. A vida é feita de encontros e desencontros. Não adianta procurar, só é preciso estar atento. O que tiver de ser vai acontecer por mais inesperado que seja.
Não é destino, não sei o que é. Sei que há coisas que atraem coisas. Há corpos que encontram corpos. Há vozes que falam com vozes até então desconhecidas e entendem que aquela conversa faz sentido, que aquela linguagem também é sua. Há quem tente escrever um romance sobre o que existe entre as brumas que anunciam o sonho das ilhas. Falta o enredo perfeito, o clique que liberta as mentes adormecidas.
A uma ilha, podemos chegar de barco, de avião ou nas asas de um sonho de noite inquieta. Quantas noites já acordámos e ficámos a meio de uma viagem que sempre quisemos fazer. Há que recomeçar tudo de novo, voltar quase ao início do mundo que conhecemos e percorrer novamente os tais caminhos desencontrados. Encontrar a rota perfeita. Ir com os pássaros. Ir ao encontro do futuro.
Viajar sempre.
«Hoje veio-te a nostalgia das ilhas de que tanto falas? Os teus sonhos!»
Fala da Isaurinda.
«Sim, uma maneira de chegarmos a um destino. O resto já te contei.»
Respondo.
«Tu contas, mas baralhas muito as coisas. Deve ser para nos baralhar.»
De novo Isaurinda, e vai, um sorriso de gozo.
Jorge C Ferreira Novembro/2024(457)
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Meu amigo Jorge, levaste-me para o alto: contigo, sobrevoei os picos, senti a bruma e deixei-me cair em voo brando…Parabéns! Sabes o que te digo? O que é mesmo preciso é, como dizes, ” ir com os Pássaros…buscar o futuro”! O meu abraço! CL