Crónica de Jorge C Ferreira
Acreditar
Cheguei a casa com o peito cheio de alegria. Tinha estado com a minha família completa. A minha mulher, o meu filho, a minha genra, a minha afilhada e o marido e o meu neto do coração, a minha querida sobrinha Alexandra. Não sei quantas pessoas estavam na Avenida, por todos os lados aparecia gente, era difícil caminhar. Já não via tamanha manifestação desde aquele inesquecível primeiro de Maio depois da revolução. Finalmente o Povo saía à rua. Um Povo cioso da sua Liberdade e que gritava:
«O POVO UNIDO JAMAIS SERÀ VENCIDO; »
«25 DE ABRIL SEMPRE FASCISMO NUNCA MAIS; »
«SOMOS MUITOS. MUITOS MIL PARA CONTINUAR ABRIL.»
Enquanto se ouvia e cantava o DEPOIS DO ADEUS e a GRÂNDOLA VILA MORENA.
Essas canções que se tornaram hinos. Essas senhas que abriram as portas à democracia.
Muitos amigos que se cumprimentavam. Muita juventude e a sua saudável irreverência. Muita vontade de transformar e criar. Cartazes em cartão feitos em casa, prova da liberdade de criação, da espontaneidade.
Tudo isto foi mundo, foi muito, foi tanto, foi continuar a acreditar que era possível o 25 de Abril que com 25 anos sonhámos. Os que viveram o momento, não esquecem a esperança e a alegria que raiava nos olhos dos outros.
Mas havia mais coisas que me vinham surpreendendo:
Nos Estados Unidos, nos campus universitários deste Nova York à Califórnia, passando pelo Texas, os estudantes estavam em:
manifestações;
rebeliões;
acampamentos;
Os Keffiyeh;
As bandeiras da Palestina.
Tudo para lutar pelo fim da guerra no Médio Oriente. Pelo fim do genocídio na Faixa de Gaza. Contra o envio de armas para continuar a guerra. Pelo fim de todas as guerras.
Agora também em Paris e Londres a mesma luta que alastrou até ao outro lado do Oceano, a outro Continente. Há uma nova luz que se acendeu. Há forças que são indomáveis, que rasgam horizontes, coisas em que ninguém acredita tornam-se realidade, adversidades que se contornam nos braços de uma vontade.
Tudo isto me trouxe à memória a luta contra a guerra do Vietname, o movimento hippie. Uma comunidade que exige uma sociedade diferente. Toda uma luta e um modo de estar que ajudou a acabar com aquela horrenda guerra.
A força da música a superar as armas. As ruas a ficarem diferentes. As fases da lua e as marés imperturbáveis. Os helicópteros e as bombas. Os Veteranos da Guerra. As vidas perdidas. As prisões. As ilusões desfeitas. Os concertos à porta das prisões. As letras das canções a serem armas imbatíveis.
Uma nova maneira de andar pelas ruas. A roupa extravagante, os cabelos compridos, adereços inesperados e os sinais que, todavia, resistem:
O Amor Livre;
O emblema da paz;
Peace and Love;
Make Love Not War;
Flower Power.
Tudo a fazer parte de uma provocação contra a ordem estabelecida. Ordem que se achava intocável. As deserções. A luta a crescer. Apocalipse Now. Give Peace A Chanche. We shall overcame.
Vamos ter esperança de que os movimentos pela paz vão ser mais fortes do que os falcões da guerra. Que os fracos serão mais fortes do que os batalhões da desgraça.
Uma pomba branca de Picasso. Uma flor na orelha de uma mulher. Brincos e colares. A paz finalmente. Acreditar.
«Tu hoje és só esperança. Espero que continues assim.»
Fala da Isaurinda.
«A esperança é a última coisa a morrer. Não é o que tu costumas dizer?»
Respondo.
«Sim, é verdade. Mas nunca nos devemos fiar demasiado.»
De novo Isaurinda e, vai, as mãos postas.
Jorge C Ferreira Maio/2024(435)
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“Tu hoje és só esperança. Espero que continues assim.”
Diz Isaurinda num “grito” de apelo a uma PAZ, cada vez mais esquecida … perdão… ignorada e o calendário continua a rasgar páginas de conflitos, por entre interesses loucos de destruição.
Cada noite, vivo sobressaltos inquietos … e custa-me adormecer na leitura da palavra PAZ.
Estou inteiramente contigo, nesse mar de interrogações guerreiras, onde pergunto: – Qual é o interesse de viver destruindo?
Estranho mundo, que nas suas irregularidades climatéricas já é uma tremenda “dor de cabeça”, e ainda temos mentes conjugadoras do verbo explodir.
Grande amigo, gostaria de acordar e dialogar contigo … num grito – Estamos livres e sorridentes, mas infelizmente hoje o cinismo é o “sorriso” que determina ocupações, prisões, explosões e demais torturas aflitivas.
Afinal esse velha “”língua” nazi não morreu … e curioso muitos comandantes do ódio, celebram a queda dos Nazis, praticando o nazismo ainda pior da destruição massiva.
Como é possível, meu grande amigo termos e vivermos culturas amorfas de aniquilações já nucleares, sem núcleo de respeito pelo SER?
O futuro é uma incógnita, e cada livro da nossa história, não passa da capa ou contracapa sem páginas apelativas de leituras.
Hoje, olho-me e o grito da Liberdade do 25 de Abril bem conquistado, apesar de imensos erros grita-me – TEM CUIDADO, A PAZ UM DIA DESTES É ABOLIDA DO DICIONÁRIO!
GRANDE ABRAÇO!!!!
Obrigado José Luís, meu Amigo, Poeta. Que comentário tão assertivo. Eu, mesmo nos piores momentos, acreditei sempre na vitória da racionalidade e da verdade. Este tempo é muito amargo. Há um odor a ódio na Europa. As guerras continuam a ser alimentadas. Os ditadores mostram a cara. Temos de continuar a lutar. A minha gratidão. Abraço grande.
Esta frase a referir a Esperança que nunca morre, fez- me lembrar um livro de Agualusa creio que é Vendedor de Passados em que se parafraseou o ditado para A Esperança é a última a morrer . E foi. Aquela mulher de cor que não escapou , foi mesmo a última a ser morta e mais uma vez me convenci que os ditados também por vezes fogem à regra.
Gostei deste relembrar do 25 de Abril e da festa dos 50 amos .
Os slogans são uma beleza…
Também me manifestei contra a guerra do Vietname naquela enorme manifestação em Lisboa , não me recordo com que palavras de ordem .
Enquanto pudermos e tivermos vontade, o povo deve vir para a rua , fazer ouvir a sua voz , pois isso é um privilégio que conseguimos com o 25 de Abril
Viva a Liberdade!!!
Obrigado Lénea. Sim, a esperança é a última coisa a perder. Porque merecemos um futuro melhot. Que bonita foi a festa. A minha gratidão. Abraço
Obrigado Claudina. Lutar sempre. Acreditar, não perder a esperança. A minha gratidão. Abraço.
Excelente crónica. Tanta mudança em 50 anos.. Belo regresso ao passado, com os olhos no presente. A esperança e o sonho voltaram encher praças e ruas no dia da Liberdade. O 1º de Maio foi pleno de emoção. Os olhos voltaram a brilhar. As cantigas voltaram a ouvir-se, com a esperança de que o mundo não enlouqueça.
Belas memórias. O movimento hippie que mudou o mundo A Liberdade que mudou conceitos..
O momento que atravessamos , a ambição, a prepotência, a destruição, fazem tremer o planeta.
Vamos esperar que a pomba branca da paz esteja sempre presente na nossa vida.
Obrigada Amigo pela excelência da sua escrita.
Um abraço.
Obrigado Eulália. Que bom ter gostado desta caminhada. Estamos vivos e ainda sabemos gritar. Vamos acreditar. Nunca perder a esperança. A minha gratidão. Abraço.
Maravilhoso texto!! Foi lindo voltar a ver, “ O Povo Unido.” Lembrar com alegria, a Liberdade que há 50 anos, nos foi oferecida. Um momento inesquecível, para quem o viveu. Que lindo ver tanta juventude, alguns com os seus filhos ás cavalitas e de cravo na mãozinha. Felizes, contentes e agradecidos a todos os que contribuíram, para que crescessem em Liberdade.
Foi bom saber de sua alegria e rodeado pela sua querida família.
Grata pelo seu texto, querido poeta, nas suas palavras, há sempre poesia. Adorei, Esperança Sempre. Abraço grande.
Obrigado Maria Luiza. Sim, minha Amiga, foi belo aquele dia, como emotivo foi a celebração 50 anos depois. Nunca perder a esperança. A minha gratidão. Abraço
“uma pomba branca de Picasso”
se me perguntares, dir-te-ei que sim
passaram por mim muitos maios primeiros
tantos que lhes perdi a conta
de todos os dedos da mão
e depois que rasgámos avenidas
levámos recados, atrevimentos, uma paleta de cores e profecias
serpenteámos pelo alcatrão
ou não fossemos um rio de gente
rangendo os dentes e clamando
em direção à liberdade.
e ela ali. tão de perto.
arrancada aos muros e calabouços
e foi na brancura desses entardeceres
mui longe de brumas e neblinas
que nunca se me emudeceu a voz
nunca deixei desfalecer os sonhos
e continuo a escrever como fazem
as cigarras que arreliam o silêncio.
sim, os corpos não tardavam diante
das palavras e por isso íamos navegando como ilhas
permanece em ti a chama de um farol
a lua toda por inteiro
uma espécie de feitiço de corpo
a lembrança detalhada com destino
traçado.
permanecem em ti
deliberadamente.
estórias que o tempo
não se atreve a apagar
ah, só tu desenhas os poemas
que têm na garganta o canto a maio.
Obrigado Mena. Tão belo o que escreveste. Mais um poema de Maio. Como sabemod ainda as canções que nos acompanharam no caminho da liberdade. A esperança continua a viver em nós. A minha gratidão. Abraço
Só quem viveu esses tempos, sabe! A muralha que deixaram os que ainda vivem e os que já partiram para construir a Liberdade, existe.
Passaram 50 anos e ela ergueu-se!
Na avenida desfilaram todos e desfilou a alma de um Povo que lutará sempre pela LIberdade!
Abraço.
Obrigado Fernanda. Tens razão, 50 anos depois daquele dia único, saímos todos à rua. Fomod festa e cravos novamente. As palavras de ordem e as canções que se ouviram de novo. Esperança sempre. A minha gratidão. Abraço
Poema lindíssimo! Muita esperança e Fé que tudo se mantenha…não está facil…vamos lutar para que os valores não se percam! Bem hajas Poeta Amigo Jorge C Ferreira.