“Uma Questão de Língua”
Por Alice Vieira
Há amigos que de repente me fazem muita falta. Numa altura ou noutra, por uma razão ou por outra
Aqui há dias uma amiga minha começou a falar de um amigo basco que já não via há muito tempo—e eu desatei a rir. Claro que ela não percebeu porquê e eu tive de lhe explicar que ,de vez em quando ,tinha muitas saudades do meu amigo António Alçada Baptista, que contava histórias extraordinárias, para lá de termos uma coisa em comum: as tias . Tanto ele como eu tínhamos sido criados por muitas tias. E ele tinha histórias de tias que nunca mais acabavam como aquela de uma empregada ter ido perguntar a uma delas “minha senhora , o que faço eu desta lista telefónica antiga?”, e ela responder sem hesitações, “dê a um pobrezinho”
Eu ainda cheguei a conhecer uma delas que nos alugou uma casa na Serra da Estrela . Era a D. Natividade, mas acudia a tanta coisa e nunca estava parada que nós lhe chamávamos a D. Actividade.
Mas uma das histórias de que me lembro melhor — e rio sempre quando a ouço…— é a de um amigo dele francês que ia trabalhar para a Argentina e lhe pediu que lhe encontrasse alguém que lhe ensinasse a falar espanhol. Ele foi logo bater à porta de um amigo espanhol de longa data, que cá vivia. E lá contou o que se passava, acrescentando: “este todos os anos diz que vai trabalhar para a Argentina, mas até hoje nunca foi… Manias…”
O espanhol, que era do País Basco , riu-se e lá marcou os dias e as horas para as lições. E como ele certamente mais uma vez não iria para a Argentina, não esteve para se maçar e ensinou-lhe o que para ele era mais fácil : basco.
E realmente passaram-se semanas e semanas e o homem não era chamado para lugar nenhum
Até que um dia foi. Para a Argentina, como ele tinha dito.
E semanas mais tarde o amigo, cá em Lisboa, recebia uma carta dele, que dizia apenas:
“Eu não estou zangado, juro que não estou. Mas diz-me lá: que raio de língua é que eu falo?!”
Isto contado pelo Alçada era de a gente se atirar para o chão a rir. Que saudades…
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira