Crónica de Alice Vieira | …E Sobrevivemos!

Alice Vieira

…E Sobrevivemos!

Por Alice Vieira

 

Às vezes penso como foi que nós—ou seja, os velhotes como eu – conseguimos sobreviver.

Como foi que conseguimos ser crianças, adolescentes, andar na escola, aprender.

Para os jovens de hoje deve parecer praticamente impossível imaginar um mundo sem telemóveis, sem computadores, sem power-point, sem zoom, sem e-books, e sei lá que mais.

Até mim, juro!, me custa a acreditar.

Mas a verdade é que existiu.

E sobrevivemos.

E fomos felizes.

Lá em casa, assim que começava o verão, a família ia passar todas as manhãs e tardes à Praia do Guincho. Para quem não sabe, a distância é de cerca de 70 km (e imaginem as estradas desse tempo.)

Saíamos cedíssimo de casa e com um grande cesto onde ia toda a comida para o almoço—e evidentemente pratos de louça, talheres e tudo o que era necessário para uma mesa bem posta.

Antes de sairmos telefonávamos para um bar minúsculo que existia à entrada da praia e pertencia ao Sr. Muxaxo a perguntar como estava o tempo—para sabermos quantos casacos e mantas havíamos de levar (lá fazia sempre muito frio e vento. )

ÀS 11 horas aparecia o Sr. António, um pescador que lá vivia e fazia de banheiro, e então eu e as minhas primas punhamo-nos em fila e ele agarrava numa de cada vez apertava-nos o nariz e deitava-nos ao mar—terrível, cheio de ondas e a gente que se desenvencilhasse-

Nunca nos constipámos e aprendemos todas a nadar na perfeição.

Mas havia outros malucos como nós: os Condes de Barcelona, que viviam ali perto.

Por isso eu sempre chamei Juanito ao filho deles, que brincava connosco—e que hoje é o  Rei Emérito de Espanha.

Afinal, mesmo sem computadores nem telemóveis, estes tempos também tiveram a sua graça.

Fiquem bem.

E tranquilos — se puderem.

 

Alice Vieira


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


 

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