Crónica de Alexandre Honrado – Há tanta ideia por pensar – Terceira parte

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Há tanta ideia por pensar
Terceira parte

 

O ato de nascer é uma impureza.

No momento inicial, somos seres muito próximos da natureza, é certo, pelo que nenhum ato cultural nos pode ser exigido como atividade consciente.

A idealização da inocência é contrariada pela veracidade da agressão. Batem-nos para que choremos. As secundinas, pasta inexplicável para o leigo, composta de placenta e de membranas expelidas connosco dão-nos – a todos nós! – a aparência suja da matéria impura.

O meio relativiza-nos.

Entre a clínica luxuosa ou a enxerga mais pobre, não fica qualquer nivelação. Seremos mais tarde qualquer coisa.

É claro que todos nascemos vindos de processos idênticos, o momento da fecundação, e ao morrermos seremos  em (des) fragmentação a matéria prima do que nos possa sobreviver. O ciclo cumpre-se e não deixa de ser animador. Mas está longe da essência do pensamento que virá mais tarde.

O ato da sobrevivência é imediato: procuramos habituar-nos à luz, ao ar, deixamos um meio aquoso para entrar num meio aéreo, temos todas as sensibilidades, frio e calor,  sede e desconforto, esbracejamos e nada nos segura, há espaço onde outrora uma caverna bem aclimatada nos garantia a ilusão de uma pacífica continuidade.

Nascer é um novo empreendimento, uma nova travessia, um não pensamento à espera de quimeras feitas de renovadas utopias.

Há quem grite anos depois que se soubesse o que iria passar nunca teria nascido, como se essa escolha fosse sua ou voluntária.

Se procuramos um sentido para a vida, é depois. Naquele instante já longe do inicial sabia-nos bem um gole de líquido amniótico e sobretudo que tudo voltasse a ser o que era pouco antes de nos violentarem com a nova etapa.

É preciso estimular. A criança, o animal, o homem, a planta.

Piaget, biólogo, psicólogo e famoso teórico da epistemologia, sugeriu que o desenvolvimento cognitivo nas crianças recém-nascidas dá-se de maneira contínua desde os primeiros dias.

No início, a criança ainda não representa internamente e não “pensa” conceitualmente. O seu pensamento é constituído pelas suas sensações (sensório) e movimentos (motor), ou seja, ela descobre as propriedades dos objetos do seu ambiente manipulando-os.

A criança necessita de estimulação visual, auditiva e táctil para que a sua inteligência se desenvolva.

Empurramos o ser humano, desde a primeira hora, para que veja, oiça e apalpe. Para que pense. Horizonte e distância. E um longo caminho. Por vezes com enormes limites.

 

Alexandre Honrado

Historiador

 


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