Crónica de Eugénio Ruivo — Congresso de Aveiro de 1973

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Crónica de Eugénio Ruivo
Congresso de Aveiro de 1973

 

Congressistas idos de Lisboa em 7 de Abril de 1973, são travados em Leiria pela GNR e a PIDE/DGS, de participar 3º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro

Uma centena de congressistas antifascistas desloca-se em 3 camionetas no dia 7 de Abril de 1973, pelas 8:30 horas do Marquês de Pombal, para participarem no 3° Congresso da Oposição Democrática em Aveiro.

Durante o trajeto cantaram-se várias canções de intervenção, se conversou sobre a falta de liberdade, dos presos politicos, da Guerra Colonial.

Em surdina, fala-se da ação do então Ministério da Educação da expulsão de muitos jovens dirigentes associativos universitários, sobretudo a partir da crise académica de Coimbra em 1969, e obrigados a serem incorporados no Serviço Militar Obrigatório (SMO).

Alguns jovens trabalhadores-estudantes aproveitavam o tempo, conversando sobre as dificuldades das empresas em os dispensarem algum tempo para a deslocação para as escolas do ensino noturno, assim como as elevadas “propinas” que teriam de pagar para as atividades circum-escolares.

O acesso ao ensino era uma miragem para centenas de milhares de crianças e jovens, que bem cedo começavam a trabalhar, mesmo para os trabalhadores estudantes as dificuldades eram imensas, levando muitos à sua desistência.

Diagnóstico que importava levantar e aprofundar no Congresso era o propósito de jovens que integravam o Movimento de Juventude Trabalhadora (MJT criado na região de Lisboa a partir de 1971), no sentido de aí resultar dum Manifesto dirigido aos Jovens trabalhadores.

Conversavam sobre a forma de intervir no Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa (MAEESL) e da preparação de uma lista unitária candidata às eleições semi-legais previstas para os anos 1973-1974.

Chegados a Leiria uma patrulha da GNR acompanhada por elementos da PIDE/DGS, impedem as camionetas de prosseguirem em direção ao Congresso.

Os participantes não desistem, e convencem o motorista e proceder à inversão de marcha dando a ideia às forças de segurança e à PIDE, que rumavam para Lisboa, mas deslocaram-se em direção à Figueira da Foz.

Durante o trajeto os participantes cantavam canções de intervenção de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Cilia, José Mário Branco, José Jorge Letria, e de Francisco Fanhais animando todo o grupo na luta contra o fascismo.

Finalmente os congressistas conseguiram atingir Ilhavo, para espanto das forças segurança e da PIDE/DGS, a alegria dos muitos participantes que se encontravam já em Aveiro, eram saudados por muitos que se encontravam já em Aveiro.

 

Contributo para os 50 anos da realização do 3º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro em 1973

 A minha participação ocorreu no âmbito da discussão das teses ao congresso, relativas aos problemas do ensino em Portugal, que foi apresentado na seção/ensino.

Dos dados que dispúnhamos à época, em 1964-1965, 65% das crianças portuguesas não continuavam os seus estudos para além do ensino primário. Os filhos dos trabalhadores, que constituíam 74% da população ativa do país, em 1964 formavam apenas 4,2% do total dos estudantes universitários, sendo de salientar que só 2% da população tinha acesso à universidade.

Em 1968 as despesas com a educação atingiram apenas 1,4% do produto nacional (PN), enquanto a Espanha consagrava 2,2%, a Turquia 3,8%, o Senegal 2,8% (1965), o Chile 3,4% (1964) e a Holanda 6,3%.

A percentagem indicada era a mais baixa da Europa e uma das mais baixas do mundo e corresponde a cerca de 12$50, à época, por pessoa e por mês.

No Ensino Secundário os programas encontravam-se em vigor desde 1954 (sofrendo poucas modificações), visando mais a quantidade do que a qualidade dos conhecimentos a ministrar. A questão dos exames, os processos de avaliação dos conhecimentos, eram antipedagógicos, selecionando os estudantes sem ser em função da sua capacidade intelectual. As disciplinas apresentavam um conteúdo conservador, não enquadrado no panorama da sociedade, procurando não permitir aos estudantes e trabalhadores-estudantes que estes pusessem em causa o sistema elitista do ensino.

 

Deste modo, se assinalava que o ensino era essencialmente teórico, desligado das realidades.

De uma forma global, os alunos e os trabalhadores-estudantes não dispunham de materiais de investigação e de laboratórios convenientemente apetrechados, nem de instalações adequadas às novas exigências da educação e do ensino (salvo em alguns colégios particulares, que, por serem muito dispendiosos, não eram acessíveis à maioria da população estudantil e dos trabalhadores-estudantes).

Apontava-se a escassez de escolas, e as que existiam encontravam-se distribuídas, na sua maioria, pelas zonas citadinas, enquanto se descuravam outras zonas de grande densidade populacional e as zonas rurais, como no concelho de Mafra.

Apontava-se para a clara insuficiência de professores nas escolas, assim como a deficiente formação pedagógica-científica.

O modelo de ensino implementado encontrava-se virado quase exclusivamente para a memorização das matérias por parte dos alunos, não havendo espaço para discussão, análise critica e reflexão.

Uma das questões colocadas eram as dificuldades no acesso ao ensino por parte de milhares de crianças e jovens, que desde cedo entravam no mercado de trabalho, sendo mais grave nas zonas rurais onde desde cedo as crianças e jovens iniciavam com os seus familiares a labuta nos campos como no concelho de Mafra.

 

O analfabetismo rondava nos anos 60 os 35%, sendo mais grave nas mulheres.

O sistema educativo não universitário encontrava-se estratificado, em Liceus, Escolas Comerciais e Industriais, sendo uma crítica ao acesso a outras áreas do conhecimento que se encontravam vedadas aos filhos dos trabalhadores. Era o chamado “determinismo”, que imperava, os seja, filho de operário (caso tivesse condições económicas) ingressaria nas escolas industriais, os filhos dos empregados de escritório nas escolas comerciais, e os filhos dos doutores nos liceus.

Devido a este conjunto de factos, o 3.o Congresso da Oposição Democrática em Aveiro apontava, como prioridade fundamental, para a necessidade de uma Democratização do Ensino, lutando por melhores condições de acesso ao ensino para todas as crianças e jovens, como aos trabalhadores-estudantes, que servissem os interesses do país.

Em suma, acesso ao ensino de todas as crianças e jovens, não de uma “elite endinheirada”, mas que servissem a grande maioria da população portuguesa.

 

Eugénio da Costa Ruivo 2024-03-16

 

Nota da redação: no ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de abril, o Jornal de Mafra pediu a Eugénio Ruivo, um ex-preso político residente no concelho de Mafra, que nos contasse como se vivia em Portugal no período da ditadura. Serão 12 crónicas em 12 meses, que tendo em conta a atuais guerras na Europa e no Médio Oriente, a situação política em França e na Argentina e as próximas eleições nos Estados Unidos, poderão ajudar-nos a lançar um olhar para trás, olhando para a frente.


Eugénio Ruivo
Nasceu em Lisboa em 1953. Reside no concelho de Mafra e fez o Mestrado em Educação Física e Desporto no Agrupamento de Escolas Professor Armando Lucena. Mantém atividade política desde 1968, tendo passado pela CDE (comissão Democrática Eleitoral), pelo MAESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa) e participado no 3.º Congresso da Oposição Democrática em Aveiro. Em 1970 adere ao Partido Comunista Português. Em janeiro de 1971 é preso pela PIDE/DGS, voltando a ser detido em março e em novembro de 1971, sendo então enviado para o Forte de Caxias. Novamente detido em 1973 e finalmente, a 6 de abril de 1974 é libertado a 27 de abril, com os restantes presos políticos, pelo Movimento das Forças Armadas.

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One Thought to “Crónica de Eugénio Ruivo — Congresso de Aveiro de 1973”

  1. David Monge da Silva

    Tenho gostado muito de ler estas crónicas que relatam uma história de vida com muita dor mas sobretudo om muita determinação, inconformismo e luta para mudar a vida de todos nós.
    Parabéns.
    Tenho sido solicitado para falar do “25 de Abril: a revolução no desporto’. Tenho ainda 6 palestras marcadas.
    A próxima será no dia 23 de Abril a Câmara do Seixal. Espero encontrar o prof Melo de Carvalho.
    Abraço.

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