Crónica de Alexandre Honrado
À procura do nada
Sempre considerei ínsita na minha pessoa não só a ideia de liberdade como a satisfação da procura do vazio. A primeira será talvez a única jornada e, ao mesmo tempo, a via única, para o conhecimento. A segunda, a muito difícil geração da possibilidade do autoconhecimento: estádio de equilíbrio que só é possível quando não sabemos o que somos.
Nada, vazio e infinito sempre preocuparam o homem mais sensato.
Se pudéssemos sair deste pequeno e pouco interessante planeta, recuando quilómetros capazes de o reduzir ao ponto inútil que ocupa no imenso espaço, notaríamos que o tudo que antes julgávamos necessário e determinante não passa da desdenhosa mediocridade de uma poeira reduzida à sua mais ínfima partícula.
João Escoto Erígena, filósofo medieval irlandês, dizia coisas quase como estas, só que dotado de uma profundidade que nunca alcançarei. Quando teve a coragem de afirmar que Deus é puro vazio, Erígena acabou condenado por heresia, não tanto por reclamar esta interpretação de Deus, mas sobretudo por proclamar a liberdade infinita do indivíduo, que, aliás, por ser feito à imagem e semelhança Dele (um erro irresolúvel, e segundo Erígena explicativo da realidade: Se Deus é ilimitado, também nós o somos) fica sujeito ao paradoxo de procurar a liberdade e a autonomia, querendo ser uma lei em si mesmos, a sua própria base, causa fim e origem.
(Alguém me chama a atenção, para palavras de Tomás de Aquino: “quando as pessoas falam de Deus, não fazem ideia do que estão a falar”.)
É claro que tudo isto implica um estado de meditação muito profundo, que conduza o pensamento ao vazio, à inutilidade, ao desprendimento das estranhas materialidades que o prendem. Digamos que nisso sou pouco mais do que um iniciado.
Precisamos de uma anarquia espiritual para chegar a esse conforto. De um lado, pois, a liberdade infinita que vai do Criador ao criar e ao não acreditar. De outro, o despojamento. A imensa pequena partícula do nada que afinal todos somos.
É assim que procuro ser feliz, o que é que mais querem?
Pode ler (aqui) todos os artigos de Alexandre Honrado