Crónica de Alexandre Honrado – Há uma candidata cigana? Felizmente!

Há uma candidata cigana? Felizmente!
Por Alexandre Honrado

 

Erguida sobre as artimanhas dos negócios e com o pragmatismo de não olhar a meios para alcançar os seus fins, aquela que se tornou no dizer de alguns “ a universal burguesia”, parece desconhecer quase sempre a História, menosprezar o próximo e cometer o erro sempre repetido de desdenhar de uma zona social que a amedronta: a cultura!

Tendo como prioridade o lucro e a mais-valia, a “universal burguesia” (chamo-lhe assim por me parecer um termo delicioso) atira para a ribalta os seus mercados, os seus bancos mal geridos a requisitarem apoios aos bolsos dos cidadãos, brande os seus pesadelos a que chama os seus sonhos ultraliberais, exibe a sua mediocridade de deslumbramentos quotidianos, considerando que cultura é apenas uma, a que a serve, mal distribuída e modesta, quanto menos melhor não vá colocar interrogações nas cabeças e desejos de mudança – e vai fechando portas ao intelectual, a tudo quanto é intelectual – termo aliás que, aliás, nem é o seu forte, talvez nem alcance o seu significado.

O poder económico daí extraído é quase sempre o poder de alguns executores, possantes, confrangedoramente inaptos, incapazes para as exigências de uma inteligência capaz de melhorar a vida coletiva. Esse poder – de enormes fraquezas – desconhece que são as imensas minorias – que não respeitam nem consideram defender – as que fazem, sem exceção, o desenvolvimento de uma cultura capaz de contribuir para o desenvolvimento de todos. (Ainda há dias vi um desses poderosos, porta-voz de medíocres sentenças, desdenhar dos subsídios culturais, por serem contrários ao desenvolvimento económico do País. O argumento é sempre o mesmo, não vale a pena tentar demovê-los. Até um burro escravizado numa nora pode ser um protagonista literário – eles não).

As minorias são sempre atraentes. Têm respostas que as maiorias não dominam, porque estão subjugadas ao peso dos seus enormes universos.

Leio num jornal que um sujeito de estatura mínima se indigna contra uma alegada candidata à Presidência da República, chamando-lhe a Candidata Cigana. Feliz da democracia que pode orgulhar-se de ter candidatos assim, que possam falar de minorias, sejam elas quais forem, sem as temerem, sem terem o pavor de as encarar, compreender, tratar como coisa sua.

A candidata em questão é, obviamente, mulher. Não é a única candidata mulher e as nossas eleições já tiveram outros exemplos dessas propostas. Fazem parte por isso de uma minoria política porque normalmente a maioria dos seus adversários será de homens tentando a sua sorte. Feliz a democracia que não teme as diferenças de género e prepara as suas escolhas sem complexos de “universal burguesia”.  É extraordinário índice cultural essa liberdade de oferta e escolha.

Ah, é verdade: a cultura está sempre numa relação de contemporaneidade com os seus públicos – não me lembro de quem me ensinou isto, mas agradeço-lhe a ideia.

Não quero dizer mais nada, por agora.

Alexandre Honrado
Escritor, jornalista, guionista, dramaturgo, professor e investigador universitário, dedicando-se sobretudo ao Estudo da Ciência das Religiões e aos Estudos Culturais. Criou na segunda década do século XXI, com um grupo de sete cidadãos preocupados com a defesa dos valores humanistas, o Observatório para a Liberdade Religiosa. É assessor de direção do Observatório Internacional dos Direitos Humanos. Dirige o Núcleo de Investigação Nelson Mandela – Estudos Humanistas para a Paz, integrado na área de Ciência das Religiões da ULHT Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Lisboa. É investigador do CLEPUL – Centro de Estudos Lusófonos e Europeus da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Gabinete MCCLA Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes da CIDH – Cátedra Infante D. Henrique para os Estudos Insulares Atlânticos da Globalização.

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