Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – 6º. Episódio Se tivesse um buraco tinha-se metido por ele abaixo. Mas calou, a fazer de conta que não era nada com ela, as mãos a tremer, ainda por cima na altura crítica de lacrar um envelope. Continuava firme nos seus princípios sobre as regras de bem viver: “Ca-da ma-ca-co no seu ga-lho!”. Silabava o aforismo, espaçadamente. Uma frase inteira sem “erres” era para ela um raro prazer de oratória que não podia dar-se ao luxo de desperdiçar. Cumpria o seu dever o…
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Folhetim por Licínia Quitério | “Dona Clotilde” – (5º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – 5º. Episódio Conversas sobre este assunto não eram frequentes, mas, quando aconteciam, Dona Clotilde parecia perpassada por um diabinho que vivia dentro dela, e que então se deixava avistar, num ápice, um pequenino luzeiro, no fundo dos olhos cor de mel, ao mesmo tempo que o corpo dela se contorcia, ligeira, muito ligeiramente. A vida levou uma volta, se levou. Quando os apanhou em flagrante delito, no seu próprio quarto, no seu próprio leito, num desaforo, foi como se uma bomba buum! lhe…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | “Dona Clotilde” – (4º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – Capítulo 4º. Na escola, Fatinha só deu alegrias aos Pais. Boa aluna, embora sem grandes brilhos, bem comportada, respeitadora dos senhores professores a quem levava prendinhas pelo Natal e pela Páscoa. Pouco amiga de brincadeiras arrapazadas, quase não sujava as batitas de colarinhos brancos, tesos de goma. Já no liceu, o corpito começou em estremecimentos anunciadores de floração próxima. Dona Clotilde sentiu uma estranha angústia quando a sua menina anunciou que já era senhora, o que significava o despertar confuso da mulher com…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | “Dona Clotilde” – (3º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – (3º. Episódio) Choramingou, soltou ais do fundo da alma em rebuliço. Lamentava que a alegria não contagiasse o seu protector, mas não perdeu muito tempo com lamentos. Após os preparativos algo apressados, fez mesmo a cama, deitou-se nela e gostou. Era finalmente uma senhora casada com um pedaço de homem que só de o olhar sentia os braços em pele de galinha. Para que a felicidade fosse completa, naquele lar apenas faltavam as risadas de crianças, no plural (que filhos, ter só um,…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Dona Clotilde – (2º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” – (2º. Episódio) Retirava os selos que chegavam das mais distantes paragens para engrossarem a colecção do patrão que por eles esperava, com impaciência. “Não demorra nada, senhorr doutorr”. Carregava nos “erres”, mas fazia questão de esclarecer não ter nada a ver com Setúbal. O Padrinho, senhor finíssimo e rico, que a criara com esmeros de bordados, piano e francês, falava assim. Não lhe herdara os bens (que Deus tivesse a sua alma em descanso), mas os “erres” e as boas maneiras. Ao fim…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Dona Clotilde (1º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério “Dona Clotilde” (1º. Episódio) Dona Clotilde era madurona. O cabelo pintado de negro, avolumado por muita laca, com transparências indiscretas. Peladas, não senhor, coisas dos nervos que apanhara. Os lábios, pintados de escarlate, ganhavam a forma de coração em caixa de bombons. Passada que fora a beleza consentida pela frescura dos anos, ficara-lhe o ar de boneca de papelão abandonada em sótão, um pouco amachucada, mas ainda colorida e risonha. Mamalhuda, de perninha fina, sempre encavalitada em saltos altos, inclinava-se para a frente ao andar, lembrando…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (26º. e último episódio)
Folhetim por Licínia Quitério Casa de Hóspedes (26º. e último episódio) Adelaide acordou tarde. Desde que rompeu com o Gil, e porque tinha dificuldade em dormir, o médico receitou-lhe uns comprimidos para tomar à noite e passou a ter longos sonos, longos demais, dizia ela, que se levantava tarde para tanta lida, só para tratar da sogra, agora totalmente dependente, eram horas de esforço e paciência. Nem ligou o rádio, pegou na alcofa das compras e quando ia a descer a escada encontrou a D. Laura e a D. Balbina…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (25º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério Casa de Hóspedes (25º. Episódio) A campainha da porta tocou uma vez, duas vezes. Dona Júlia acordou, levantou-se, em susto, olhou o relógio na mesinha, viu seis horas, corredor fora, quem será, quem será a umas horas destas, espreitou pelo ralo da porta, um polícia, credo, boa não é, abriu, reparou que estava em camisa de noite, que importância tem isso para um polícia a estas horas, devo ser parva, faça favor de dizer, é aqui que mora o guarda fulano, não senhor, aqui não mora…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (24º. Episódio)
Folhetim por Licínia Quitério Casa de Hóspedes (24º. Episódio) No outro dia, Dona Júlia encontrou Lucrécia na rua e, sorrateira, olá, Menina, bons olhos a vejam, sentimos a sua falta ontem ao jantar, ah comi qualquer coisa em frente ao Coliseu, em pé, ao balcão, que não podia perder tempo, tinha de conseguir um lugar, posso saber o que houve lá por esses lados, pode, claro, como é que hei-de explicar, houve o maior e mais emocionante espectáculo musical que eu vi até hoje, Dona Júlia, cantores, poetas, músicos, sim,…
Ler maisFolhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (23º. Episódio)
[sg_popup id=”24045″ event=”onLoad”][/sg_popup] Folhetim por Licínia Quitério | Casa de Hóspedes (23º. Episódio) Casa de Hóspedes (23º. Episódio) Foi-lhe fácil o relacionamento com colegas de trabalho, raparigas e rapazes que, como ela, chegavam de todo o país, numa onda migratória que ajudava a despovoar o interior. Nessa Lisboa pardacenta, fechada à novidade, vigiada, Lucrécia foi descobrindo uma outra cidade, inconformada, de músicos e poetas e cantores, de palavra passada de casa em casa, de rua em rua, de bairro em bairro. De Paris chegavam discos e livros, embrulhados na roupa…
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