É um resfriadinho (comparado com a loucura de alguns) Doem-me os sentidos. Repete-se em eco aos gritos a palavra Whuan, mas não faz muito sentido. Um vírus não se fabrica, nem se exporta assim. E todas as teorias da conspiração são possíveis. O terror instala-se. Mas não se instala porque morrermos, ou porque vemos morrer, mas porque vemos que alguns querem safar-se, salvar a sua pele, deixando os mais desprotegidos ou impreparados, os mais pobres e os menos preparados, para a pilha que arda, para o forno crematório, não…
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Crónica de Alexandre Honrado – O que fazer na minha ilha
Leituras muito variadas – não necessariamente em livros, ou em artigos dos muitos jornalismos ou das emanações académicas -, leituras feitas olhos nos olhos, a maior parte das quais assentes na observação do que somos, do que estamos a deixar de ser e resultantes da mundividência (isto é, do modo de ver o mundo) e sobretudo da mundivivência (em neologismo, o modo de viver o mundo, palavra que nenhum dicionário aceita), levam-me a interrogar as ideias que construí da condição humana, do humanismo, da produção identitária e da evidente dispersão…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Sonhar dá muito trabalho
Há uns bons anos (mas não muitos, apesar de tudo…) uma escola de Timor recebeu uma prenda: um quadro preto. Um quadro preto, banalíssimo, daqueles para os quais, nesta era da tecnologia acelerada, os alunos olham quase com desdém. E muitos haverá que nem sequer sabem para que é que aquilo serve. Uma prenda que certamente ninguém se lembraria de oferecer hoje a nenhuma escola do nosso país. Se o fizesse, cairia o carmo e a trindade, seria decerto motivo de primeira página dos jornais, abriria telejornais, os pais protestariam…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Paixão à chuva
Paixão à chuva Alice Vieira Toda a gente sabe que, em alturas de temporal, as coisas tomam sempre outras proporções. Neste momento acabei de fechar todas as portas e janelas, sobretudo estas aqui da sala onde vejo televisão. Acontece que estas minhas janelas dão para o telhado do prédio. E raramente me lembro de que elas existem, porque o telhado de um prédio de sete andares não é propriamente um sítio onde as pessoas passeiem. Por isso há bocado, estava eu a re-ver e a re-ouvir as maravilhas do…
Ler maisFolhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (6º. Episódio)
FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério BENVINDA – Uma História de Emigração (6º. Episódio) Os olhos de Benvinda brilhavam como costumam brilhar os olhos das mães quando falam dos filhos. Seja por alegria, por saudade, por desgosto, brilham. Foi quando arranjei trabalho como “concierge” que tivemos direito a casa, pequena, mas uma casa, foi uma vida melhor, foi, depois daqueles dois anos tão maus, mas tão maus, que até me dói falar deles. Às vezes ainda tenho sonhos ruins de voltar a morar no contentor, de ver as crianças…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Ele há cada palavra…
Ele há cada palavra… Alice Vieira Se depender de mim, os correios nunca irão à falência e hão-de ter sempre vida longa e próspera. Não há-de haver muita gente, concordo, que, nestes tempos websummíticos escrevam cartas e postais todos os dias. Mas MESMO todos os dias. E muitos. Ainda não há muito tempo, Novembro era o mês em que eu inundava as duas estações de que “gasto” em Lisboa, com cartas e encomendas para amigos que viviam em terras para lá do sol posto. Das primeiras vezes, o funcionário…
Ler maisCrónica de Alexandre Honrado | A ordem é sempre estranha
A ordem é sempre estranha Sentado a uma mesa, com uma tarefa preciosa: pensar. Se alguém tivesse lido Virgílio Ferreira, notaria a contradição. Há uma diferença em que se insere a interminável discussão entre os sistemas do pensar – e a indiscutibilidade daquele que é o nosso (sim, o nosso pensar, o nosso pensamento, o eu imperfeito que nos move). Por isso, trocarei o verbo PENSAR pelo substantivo masculino alheamento. Isso! Isso mesmo! Reformulo. Estava eu a executar uma tarefa preciosa: a alhear-me. Repare-se que é na abstração que se…
Ler maisFolhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (5.º Episódio)
FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério BENVINDA – Uma História de Emigração (5º. Episódio) – Tempo muito bera, senhora, muito bera mesmo. Perdidos no mundo, era como a gente se sentia. O melhor que arranjámos foi um contentor de obras para fazer de casa, muito calor, muito frio ali se passou. O trabalho apareceu, os “chantiers” eram muitos e eles gostavam dos portugueses que trabalhavam bem e refilavam pouco. Moirinhos de trabalho, é o que éramos. Eu arranjei umas senhoras onde fazer a “ménage”, passei a chamar-me Maria,…
Ler maisCrónica de Alice Vieira | Dia de finados
Dia de finados Alice Vieira As tias que me criaram tinham todas o culto exacerbado da morte. Não ligavam muito aos vivos—mas ninguém lhes levava a palma no choro pelos mortos. Podiam estar anos sem ver uma pessoa mas, no dia do seu enterro, não largavam o caixão até ele descer à terra, sendo sempre muito acarinhadas pelos presentes que, diante do seu choro convulsivo, as tomavam por familiares muito próximas do defunto quando, na maior parte das vezes, não passavam de simples conhecimentos das termas de Caldelas. Uma…
Ler maisFolhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (4.º Episódio)
FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério BENVINDA – Uma História de Emigração 4º. Episódio – Tiveram pena de nós. A gente não falava a língua deles nem eles a nossa, mas a gente entendeu-se, ainda hoje estou para saber como. Trouxeram-nos pão e queijo e água com picos, lembro-me como se fosse hoje e já lá vão tantos anos. A senhora que nos trouxe o pão perguntou-me se eu tinha filhos pequenos, fez assim com a mão à altura deles e a outra mão no peito, do lado coração.…
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