Da parvoíce à Liberdade por Jorge C Ferreira Há um tempo em que nos perdemos um pouco. Pensamos menos. Ficamos vaidosos, ficamos convencidos que somos donos do mundo, imortais. Acho que, quase todos, passámos por isto. Um caminhar desequilibrado. Um caminhar sempre sobre um fio muito estreito. Muita parvoíce. Um tempo em que passeávamos com as namoradas e tínhamos um cuidado desmesurado pela roupa que vestíamos. Roupa em que gastávamos demasiado. Os tecidos comprados a metro. As camisas justas ao corpo, com pinças e colarinhos grandes. Tudo feito…
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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – O meu computador
O meu computador por Licínia Quitério Desbravar um computador, nos finais do século vinte, teve o seu quê de aventura para quem como eu aprendeu a escrever com caneta de pau, aparo de folha molhado em tinteiro de vidro, salpicos de tinta na folha de papel, no bibe e no chão. Aventura talvez comparável a ser largado de noite numa cidade grande aonde vamos pela primeira vez. Tudo o que sabemos é que ela existe, está ali à nossa volta, mas não sabemos por onde seguir, nem o…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A educação de um tempo
A educação de um tempo por Jorge C Ferreira Desde pequeno a minha Mãe ajoelhava-se comigo junto à cama, antes de me deitar, e ensinava-me orações. (Ainda tenho esse missal marcado com as velhinhas pagelas.) Pedíamos por todos, pela paz no mundo e também que nos ajudassem a fazer o bem. Em seguida persignávamo-nos e benzíamo-nos. Depois de eu me deitar a minha Mãe aconchegava-me a roupa e dava-me um beijo. Todos esperávamos uma noite serena. Foi assim que aquela base judaico-cristã foi crescendo em mim. O passo…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O tempo a passar
O tempo a passar por Jorge C Ferreira Desde cedo aprendíamos os caminhos. A rua era a nossa vida. As árvores enormes da placa central faziam-nos mais pequenos. As travessas, as calçadas, os becos e as escadinhas. Um jardim de todas as descobertas. Procurar sempre os novos caminhos. Os caminhos que nos levariam a vidas diferentes. Encontrar o estranho numa casa de luzes coloridas. Tudo era aventura, descoberta, caminho e descaminho. Muitas horas de jogos e conversas. Sonhos que povoavam a nossa cabeça e que pareciam ainda muito…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | A vida
A vida por Jorge C Ferreira Por vezes fazemos corridas demasiado rápidas para a Maratona que é esta prova. Uma marcha que parece curta, mas que demora muito tempo. No meu tempo muitos começámos cedo a ter de tomar decisões. Nem sempre acertávamos à primeira. Era o tal modo tentativa erro. De erro em erro fomos aprendendo. A tropa era um cutelo sobre a nossa cabeça. O malfadado serviço militar obrigatório. Quarenta meses que roubaram à minha vida. Não fui à guerra. Tive sorte. Foi um tempo de…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Um tempo parado
Um tempo parado por Jorge C Ferreira Anda no ar um receio imenso. Há quem lhe chame medo. Andamos todos a começar a ter sinais de uma maleita que nos cerca. Qualquer sinal nos faz ficar alerta. Nos faz criar ilhas. Nos faz ficar sozinhos. Há dois anos que andamos nisto. Há tanto tempo que andamos mascarados! Os testes, as vacinas, as várias doses e apesar de tudo ainda não nos sentimos à vontade. Chegamos a desleixar outros cuidados de saúde por causa disto. Desde que isto começou…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – No Tem-Tudo
No Tem-Tudo por Licínia Quitério – Traz lugar? Pergunta o homúnculo por detrás do balcão, por debaixo dos capachos e dos mata-moscas pendentes do tecto, entalado entre os grandes frascos de rebuçados e a pirâmide multicolor dos alguidares de plástico. Ao silêncio de incompreensão do cliente, repete, aparentemente agastado: – Traz lugar ou precisa de um saco? É que temos poucos. Assim se fala na Drogaria Moderna, de João Cipriano (Herd.os), Lda, mais conhecida no bairro pelo Tem-Tudo. Fica numa dobra de velha Calçada de Lisboa, sinuosa como…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | O correr do tempo
O correr do tempo por Jorge C Ferreira Esta travessia que se vai tornando longa. Os dias que caminham nas páginas dos calendários. Calendários que não tenho em casa. Os meus relógios parados tremem por não dar horas. No entanto o tempo continua o seu caminho. A terra continua o seu caminho. As nuvens passam e deixam um sonho a voar em nós. Gosto de ver a dança das nuvens. O seu deambular. Por vezes imagino-me seu companheiro. Quantas viagens inventadas. Quantos mundos por inventar. Uma doçura que…
Ler maisCrónica de Jorge C Ferreira | Ano Novo
Ano Novo por Jorge C Ferreira É apenas uma noite apontada no calendário. Mais um dia que brota da madrugada. Mas quem construiu este calendário assim o decidiu. Uma volta ao sol e mais um ano. Lembro-me dos calendários pendurados nas casas. Os dias riscados, os meses rasgados quando acabavam. Sempre tive pena de fevereiro, sempre o vi como um filho enjeitado. Os calendários de casa e os dos camionistas de longo curso, das garagens, os calendários famosos inundados de beldades. Esse tempo em que os mecânicos se…
Ler maisCrónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Peixe fresco
Peixe fresco por Licínia Quitério Claudino assomou ao patamar dos degraus de mármore que davam acesso ao piso inferior. Havia um número considerável de fregueses na zona do peixe fresco. Um vozear de mulherio percorrendo as bancadas, avaliando tamanhos, preços, grau de frescura. Pareciam muito zangadas as mulheres. Não encontravam o que queriam e já iam na segunda volta. Poucos os homens, calados, dando só uma volta. Os vendedores gritavam, uns para os outros, com vozeirões de sotaque de mar, arrastado. O chefe dos vendedores distribuia ordens a…
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