Crónica de Alexandre Honrado – O que escrever quando é inútil a escrita (dois)

Alexandre Honrado

  Crónica de Alexandre Honrado O que escrever quando é inútil a escrita (dois)   Ao ser impossível a poesia – depois do triunfo da barbárie – a aceitação da derrota do Homem interior (aquele que descobre as vias da experiência interna,  capaz da produção de leituras superiores de si, dos outros e do mundo  que o rodeia, mesmo do intolerável), o homem ficar-se-ia pelo Real, impedindo o Irreal, ou o que, na sua capacidade de criar, permite suportar a realidade e vê-la de um modo elevado e amplo. Ou,…

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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Coisas velhas

  De ontem e de hoje – Coisas velhas por Licínia Quitério Nas casas sempre habitam coisas velhas, antigas, gastas, feridas pelo tempo, pela desatenção, preteridas pelas novas recém-chegadas, com outro brilho, outra utilidade, diferentes no desenho e na cor. Nas mudanças de casa, nas mudanças de gente, escaparam à devora de usurários e ao lugar dos lixos. Foram-lhes concedidos sótãos esconsos, gavetas, arcas de memórias. Quando chegaram até mim, procurei-lhes as feridas, tratei-as como pude, fui espreitando as marcas que me contassem histórias de outro tempo, de outra gente.…

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Crónica de Jorge C Ferreira | O Mar e o Respeito

Jorge C Ferreira

  O Mar e o Respeito por Jorge C Ferreira   Cheguei a vossa casa e entrei numa alegria imensa. Primeiro abraçámo-nos e beijámo-nos com muita força. Um abraço de vida. Como se tivéssemos regressado de um tempo antigo. Há sempre um abraço maior na vida de qualquer pessoa. Depois começaste a contar a tua aventura e foi um tempo de sonhos e pesadelos. O mar, o azul imenso. Olhar as nuvens. Ver o seu tipo e trajecto. Navegar. Ser levado pelos golfinhos nas suas danças maravilhosas. Esperar que um…

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Crónica de Alexandre Honrado – O que escrever quando é inútil a escrita

Alexandre Honrado

  Crónica de Alexandre Honrado O que escrever quando é inútil a escrita   Se Adorno[1], a propósito do Holocausto, afirmou que “já não é possível escrever poesia depois de Auschwitz”, é tempo de aceitar uma ideia que há muito me persegue: depois de tudo o que o século XXI tem produzido, já não é possível escrever uma prosa identitária e o que dela restar em afetividade arde no lume brando de todos os impactos traumáticos? (Falo da produção do Mal, para usar uma imagem fácil. Falo dos fundamentalismos, dos…

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Crónica de Jorge C Ferreira | Uma Ilha

Jorge C Ferreira

  Uma Ilha por Jorge C Ferreira   Viver onde se está. Viver como os que lá vivem e com eles. O arroz com feijão. As goiabas. Ao princípio da madrugada uma garrafa de rum. Viver devagar porque o calor era intenso. Acordar muito cedo e ir para o campo. A apanha dos frutos. A plantação de árvores. A vida a crescer. O tempo de todas as flores. Há países que são línguas que nos inflamam de ternura. A música, o canto, a nova trova. Ir à capital de todas…

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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – O PBX

  De ontem e de hoje – O PBX por Licínia Quitério A miúda gostava das tardes quentes de verão na aldeia quando a tia Arminda, encostada a porta da rua da saleta, limpava com um lencinho as pérolas de suor da testa e do decote e se sentava frente ao aparelho do PBX para tirar cavilhas, meter cavilhas, baixar patilhas, levantar patilhas, com o olhinho atento às luzinhas que acendiam ou apagavam. E a voz era doce, delicada, ao dizer, Boa tarde Torres, Dê-me troncas, Ó Torres dê-me o…

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Crónica de Jorge C Ferreira | As guerras

Jorge C Ferreira

  As guerras por Jorge C Ferreira   Há dias que custam a passar. Dias estranhos nesta voragem do tempo. São, por vezes, horas esquisitas que nos incomodam. Tempo que ilustra vontades não alcançadas neste mundo complicado que estamos a viver. Degraus que não conseguimos subir. Escadas que não têm fim. Já se fala tanto da guerra que não me quero atrever a falar de tal. Digo apenas que a Rússia invadiu a Ucrânia. Acontecimento que não aceito de modo nenhum, que me custa compreender. O importante é falar do…

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Crónica de Jorge C Ferreira | Maio minha flor

Jorge C Ferreira

  Maio minha flor por Jorge C Ferreira   Como amo este meu Maio. Mês de flores abertas à vida. Mês de gritar a Liberdade desde o seu dia primeiro. Tanto foi o tempo em que esse dia era proibido de comemorar. Arriscar a ser preso. Cheguei a ouvir tiros no Rossio. Muitos eram presos “preventivamente” antes desse dia. Maio sempre foi luta, sangue, dor, mas também alegria, mais um passo para a liberdade inteira. Primeiro de Maio Dia do Trabalhador. Dia a reviver sempre. Chegou Abril e o mundo…

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Crónica de Alexandre Honrado – O fantoche que há em todos nós

Alexandre Honrado

  Crónica de Alexandre Honrado O fantoche que há em todos nós   Haverá algum mundo paralelo onde sejamos capazes de reconfigurar o sensível? É no mundo sensível que podemos criar um antipoder, onde podemos modificar o mundo egoísta e bélico, produtor dos níveis de dominação e de destruição, que impedem a construção do futuro, um espaço ideal em que (nos) transformamos em seres e coisas sustentáveis e de vocação de proximidade e aceitação de todas as diferenças, afinal aquilo que conhecemos por democracia e que traímos a cada passo.…

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Crónica de Licínia Quitério | De ontem e de hoje – Falência

  De ontem e de hoje – Falência por Licínia Quitério Com voz seca e bem timbrada, a juíza proferiu, nos termos da lei, a sentença: FALÊNCIA. Logo fechou os livros, tirou os óculos e arredou ligeiramente a cadeira para melhor se levantar. Se fosse num filme, teria surgido a palavra FIM sobreposta a uma última imagem definitivamente paralisada. A assistência engoliu por breves segundos a palavra sentenciadora, há tanto esperada quanto temida, que sobre eles acabava de desabar. Os homens e mulheres, de cabeleiras maioritariamente acinzentadas, levantaram-se. Lentamente, sem…

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