Entretenimento ou Cultura?
‘Mafra é musica’ começa a ser uma realidade, mas, mau grado os milhares de pessoas que se deslocam à Vila para assistirem aos concertos, e que chegam 1 hora antes e partem logo após o fim do espetáculo, nada mudou na olímpica falta de iniciativa de reter o visitante por mais uma horas. É pena pois a seguir a alguns espetáculos, é normal que as pessoas em ameno convívio, se sentem nalgum lugar confortável para conversarem sobre o que viram e ouviram. Seria a tertúlia cultural a funcionar numa sala de restaurante, café lounge ou bar de hotel. Mas nada disto existe por aqui. E se por descargo de consciência rumarem às ‘Ericeiras’ encontrarão barulho, bares minúsculos com dezenas de pessoas na rua, restaurantes descaracterizados, mas não encontrarão o fundamental: um lugar para estacionar a viatura.
Mas também não existe um cinema em todo o concelho. O teatro é tão espaçado que não cria raízes, acontecimentos literários nem vê-los, exposições de arte carecem de dinâmicas de promoção e o pouco que vai acontecendo deve-se ao enorme esforço e devoção do ICEA Instituto de Cultura Europeia e Atlântica, uma autêntica pedrada no charco deste marasmo cultural a que nos sujeitam. Entretanto, e porque é necessário alegrar as hostes, lá se vão oferecendo as Festas de.., e de…, e de…!
Em Mafra confunde-se cultura com entretenimento. E porquê? Porque a cultura só surge se existir por parte de quem a promove, um respeito muito grande pela pluralidade de opiniões, uma grande consciência e um grande empenhamento na concretização das ideias dos outros. Para que isso aconteça, seria necessário que os poderes vigentes tivessem uma grande abertura no que concerne à realização cultural do outro, não estigmatizando a criação artística de cada um pela ideologia que lhe está subjacente. A diversidade é a grande riqueza da cultura, que não deve ser vista como uma causa para que não se esgote na realização. As causas normalmente vivem de ‘paixões’ e estas são sempre muito pouco definitivas. Já definitiva é a certeza de que cultura, educação e liberdade estão na origem do pensamento crítico e este conduz de forma inevitável ao aparecimento de vozes capacitadas no questionar da coisa pública enquanto cidadãos que se preocupam em participar de forma democrática e racional, nos destinos da comunidade (leia-se neste caso, nos destinos do nosso concelho).
Não existe um Plano Municipal de Cultura em Mafra. Existe apenas um Plano Estratégico de Turismo 2015–2020 que subjuga de forma esmagadora, a atividade cultural ao interesse turístico. Assim, cultura passa a ser qualquer coisa que se possa vender a quem nos visite, ainda que desvirtue as culturas e histórias locais nas suas diversidades culturais. Não será esta uma forma legítima de dar a ler a realidade.
E qual é a diferença entre o que temos em Mafra e um Plano Municipal de Cultura (PMC)? É que um PMC é um instrumento que não se preocupa com criar ‘cultura’ para vender a curto prazo mas sim em ser instrumento de gestão a longo prazo, através do qual um Executivo assume como responsabilidade a implementação de políticas culturais que sejam transversais às diferentes comunidades que o concelho abrange e que no tempo, ultrapassem os limites do seu mandato de gestão.
Se o interesse pela cultura fosse olhado com respeito, se esse respeito gerasse uma, talvez, ‘Conferência Municipal de Cultura’ onde a comunidade pudesse entender a cultura enquanto motor para o seu desenvolvimento, se o empenhamento legítimo das forças políticas não estivesse amarrado aos interesses da sobrevivência dos seus partidos, e trabalhassem na construção de um entendimento transversal sobre o potencial da cultura, então aconteceria o retrato da comunidade que nos envolve. E isso sim, seria um tesouro que mostrado a quem nos visita; não seria um fogo-fátuo vendido por uma qualquer multinacional da restauração ou um berloque ‘made in China’, mas sim algo que nos diferencia e nos eleva. Esta é a nossa ideia de cultura e para a qual sempre trabalharemos.
Mafra, 12 de Junho de 2018
Mário de Sousa