Das propriedades milagrosas da isca e da bifana
O modo como hoje em dia se constrói a notícia que domina o nosso quotidiano, leia-se informação política, é muito menos neutro do que se pode pensar. A sua seletividade em termos de alvo é cada vez mais assertiva mas cada vez menos percetível àqueles a quem se destina. Por um lado, é oferecida de forma detalhada e meio digerida, o que à primeira vista a torna convincente, mas por outro, fica pelo caminho não raras vezes, informação essencial para a compreensão e inteligibilidade do seu fio histórico e sociológico. Amputada de acordo com a intenção de quem a veicula, a notícia acaba por se transformar no seu contrário, numa não notícia, e este é o ponto fulcral da questão, pois as não notícias têm a particularidade de possuírem memória curta.
Vem isto a propósito de nos últimos tempos, Mafra ter sido palco de uma autêntica tempestade de notícias e consequentes não notícias, sobre o monumento à sombra do qual temos vivido. Primeiro foram os carrilhões e uma vez esgotado o tema por exaustão, logo surgiu uma nova questão chamada órgãos da basílica. Em qualquer dos casos tudo se resume e resumiu no saber-se quem paga, saga que no nosso país é recorrente para tudo, embora se saiba sempre à partida, quem é que terá de puxar os cordões à bolsa. A notícia conta-nos sempre que será uma entidade pública generosamente a substituir-se a quem de direito e a desembolsar a verba, mas a não notícia esconde na sua memória curta, que será o contribuinte a resolver o assunto, muitas das vezes de forma bem mais ´generosa’, e a arcar com a despesa.
Na minha última crónica falei na necessidade de Mafra prender a atenção de quem nos visita de modo a aumentar a permanência e concomitantemente, poder utilizar os bens e serviços que a Vila tem para oferecer. Neste contexto Mafra foi palco de um evento que fez deslocar à nossa Vila umas centenas largas de pessoas. Com um nome assaz curioso, o evento intitulou-se ‘Gala do Porco d’Ouro’ e que foi largamente noticiado, no antes e no depois. E ainda bem. E esta é a Notícia.
A não notícia vem logo a seguir. Diz a página de Internet do Município “A Gala Porco d’Ouro iniciou-se com um concerto de órgãos na Basílica do Palácio Nacional de Mafra, seguindo-se a cerimónia no Claustro Sul do Real Edifício de Mafra,…”.
Há uns meses a esta parte, conforme refiro no início destas linhas, foi anunciado com grito de alarme em horário nobre da RTP 1, que os órgãos iriam parar. E porquê? Porque tal como os carrilhões aguardavam verba que pudesse custear a sua manutenção. Por isso, foi o ciclo anual de concertos suspenso. E agora aqui temos duas razões concorrentes: disse a Camara ‘por falta de manutenção’, disse o Palácio Nacional de Mafra na sua página de Facebook “Por razões técnicas não haverá concertos a 6 órgãos no ano de 2018.”. Tratando-se de engenhos eminentemente mecânicos e acústicos não será difícil de conjugar as duas razões.
O que já não é fácil de entender é que, após o anúncio dramático do iminente colapso dos órgãos e de se ter partido para o cancelamento dos concertos nos primeiros Domingos de cada mês, privando os mafrenses de um dos mais belos e únicos espetáculos musicais, de repente se homenageie com um ‘concerto de órgãos’ a ‘Gala do Porco d’Ouro’.
Diz o resto da não notícia: não foram os 6 órgãos que tocaram. Foram só 3. Os outros 3 já estão em obras para serem ‘mantidos’. Mas então surge-nos a pergunta: Se para este evento podem tocar 3 órgãos, porque é que não o poderão fazer senão mensalmente, de dois em dois meses, para que os mafrenses os possam ouvir? Não surge a pergunta porque a não notícia tem memória curta.
Bom, não existem explicações para o fato de estes três instrumentos terem recuperado a saúde de forma tão rápida. Fala-se por aí que talvez se tenham sentido revigorados pela perspetiva de um bom almoço. Há muito que se especula sobre os poderes milagrosos da isca e da bifana saloia, de longe muito mais retemperadoras que a patanisca com queijo da serra.
Boas férias para todos.
Mafra, 26 de Junho de 2018
Mário de Sousa