Crítica e debate de ideias: procuram-se!
A liberdade de expressão permitiu que um universo de opiniões circulasse de forma rápida e acessível. No entanto, os meios que as veiculam são quase sempre os mesmos e por isso, as opiniões que expressam não correspondem necessariamente às reflexões dos cidadãos em geral, ou seja, a opinião emitida não se harmoniza com a opinião percecionada e refletida. Esta liberdade democrática, por vezes apenas suposta, gera opiniões diferentes, uma desigualdade de opiniões, e assim, por questão de visibilidade a opinião da comunicação social, porque valorizada por meios próprios de exposição, remete para segundo plano a do cidadão.
Neste digladiar permanente entre opinião e expressão, a opinião política escrita tenta a mediação/controlo dos fluxos das divergências de opinião, procurando influenciar o resultado refletivo dos cidadãos. Esta opinião política escrita ganha a designação de ‘comunicação política’ e transforma-se num palco comum para a opinião pública, os políticos e os jornalistas, cada um por si, tentarem alcançar um papel de relevo.
Ora, o espaço da opinião política e o debate das ideias na comunicação social do concelho de Mafra está hoje resumido metaforicamente, a uma cave para onde se atiram objetos sem utilidade, desagradáveis à vista, mas que não se mandam para o lixo com receio de ainda virem a ter uso. Cada vez com menos ar fresco, esta cave tem perdido dimensão arriscando-se, mais tarde ou mais cedo, a ser entaipada por falta de utilidade do espaço e do seu conteúdo.
Cada vez menos artigos críticos e de debate de ideias são publicados, (um por semana?), impossibilitando uma cobertura mínima da atividade do concelho; cada vez mais notícias rápidas que cavalgam a onda de ocasião, muitas, produtos acéfalos, tonitruantes mas de conteúdo vazio, são a notícia do dia (diz que disse inócuo e confortável para quem escreve e para quem lê); o número de caracteres possíveis para o texto é cada vez menor, o que se traduz na dificuldade em fundamentar as opiniões; cada vez mais os espartilhos do poder local mostram como os critérios de visibilidade e conveniência laudatória mandatam as opções de publicação, esquecendo o alimento para a reflexão necessária, quiçá incómoda, dos munícipes.
O arejamento das ideias e da crítica política e social peca por escasso. Há cada vez menos escrutínio resultante dos fatores mencionados. Como consequência, gera-se uma perigosa uniformidade de opiniões que resvala frequentemente para a perpetuação da razão do poder constituído. Uma diversidade ideológica reduzida na discussão política, limita o leque de possibilidades de escrutínio e entendimento, posto que desta discussão crítica nascerá e desenvolver-se-á o sentido crítico e reflexivo dos cidadãos, consequentemente dos munícipes do concelho de Mafra. No panorama atual, a crítica e a reflexão estão arredadas tanto das instituições como dos mecanismos de visibilidade. Neste panorama de escassez e de falta de pluralidade para o exercício da crítica e do debate de ideias, a comunicação social do concelho mostra bem que nem o sentido nem o valor da crítica são relevantes para a circulação de uma hipotética opinião política, afastando das suas redações quem desafie as opiniões e valores dominantes sobre a governação. De resto, o papel de comunicar, de partilhar (communicare) tem vindo a ser transferido para uma comunicação paupérrima do Município que funcionando em circuito fechado promove paulatinamente, a opinião laudatória e uniformizada.
Pode parecer absurdo, mas é o veículo de comunicação que justifica o “poder” do crítico, no tempo em que o seu nome valida os textos que surgem nas páginas impressas. Os nossos políticos locais reconhecem este poder e existe até quem, com mestria, o rentabilize, ainda que a crítica se consubstancie em elogio e que chegue por uma voz de quem por princípio discordam ou até desconsideram intelectualmente.
Nota: Para quem queira aprofundar estas matérias, sugiro a consulta dos seguintes documentos:
http://www.labcom-ifp.ubi.pt/ficheiros/20110826-correia_comunicacao_poder.pdf
http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/docs/santos_correia_teorias_comunicacao.pdf
https://monoskop.org/images/5/56/Nancy_Jean-Luc_The_Inoperative_Community.pdf
Mafra, 16 de Abril de 2018
Mário de Sousa