“Mestre! Porque é mais fácil acreditar em teorias da conspiração do que em dados científicos?
É porque para entender a ciência é preciso estudar…”
Das escolas e do Estudo…
Esta pergunta e resposta que circula na internet alerta-nos para um fenómeno que começa a ser preocupante em Portugal e a que poderemos chamar de confinamento ideológico. Apanhado de surpresa no início do ano passado pela pandemia, os portugueses foram sendo anestesiados pelo medo do vírus. Esse medo tem sido aproveitado sub-repticiamente pelo Governo para em surdina, ir matando a discussão pública e os contraditórios acusando sempre quem não está de acordo de ser como escrevia o Observador a 1 de Fevereiro, “criminoso” criticar o Governo. Fazer oposição é fazer política “com mortos”.[i] Marta Temido em entrevista à RTP.
Mas estas palavras descabidas foram apenas parte do coro ministerial que se ergueu para acompanhar um António Costa a defender a Ministra da Justiça acusando o eurodeputado Paulo Rangel e o ex-ministro Poiares Maduro de aproveitarem a presidência portuguesa da UE para “fazerem campanha internacional contra Portugal”. Arrogância pura de quem se julga tão importante que mereça campanhas internacionais contra si!
Mas se o desnorte em termos de governação é evidente, o caminho ideológico continua a fazer-se dia a dia e é muito preocupante. Em Abril de 2020 quando em pleno ‘milagre português’ professores, alunos e pais lutavam por se entenderem com as aulas à distância, o 1.º Ministro dizia à Lusa “Assumimos um objetivo muito claro: vamos iniciar o próximo ano letivo assegurando o acesso universal à rede e aos equipamentos a todos os alunos dos ensinos básico e secundário“[ii]. Abriu o ano letivo, estamos em Fevereiro 2021 e foram distribuídos apenas 100.000. O problema é que o Governo assinou contrato de compra de 335.000 unidades a 31 de Dezembro de 2020. Se em Abril começarem a chegar os primeiros computadores já não será mau. Um atraso de 8 meses!
Na segunda parte da promessa dizia António Costa “É muito mais do que ter um computador ou um tablet. É ter isso e possuir acesso garantido à rede em condições de igualdade em todo o território nacional e em todos os contextos familiares,…”[iii].
Conhecedor profundo do país António Costa esqueceu-se que em muitos lugares em Portugal o acesso à internet é muito mau e por vezes inexistente mas sempre muito caro. Resolveu então o governo começar a trabalhar AGORA numa ‘Tarifa Social de Internet’ que como diz o ministro do Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Sisa Vieira à Visão, ‘é dirigida a famílias carenciadas, …e estará… disponível “até junho”[iv] deste ano. Resultado: computadores talvez em Abril e Internet no fim do ano letivo. Um primor de planeamento e de visão de futuro!
E foi neste caldo límpido e desafogado que o Ministro da Educação suspendeu o ensino presencial em Portugal obrigando o ensino privado e cooperativo a suspender igualmente as aulas, inclusive o ensino à distância. Porque o Estado não se soube organizar e para esconder a sua ineficiência obriga quem se prepara par um futuro próximo a ter o mesmo comportamento. Para limpar a mãos, apregoa que a ideia é evitar que os alunos do ensino privado ao avançarem, prejudiquem os alunos do Estado. Chama-se a isto nivelar por baixo. Assim se consolida a ideia do facilitismo e não estamos longe das célebres passagens administrativas do PREC de tão má memória.
Dos Livros…
Desde 15 de Janeiro que uma das regras do estado de emergência impede as livrarias de abrir portas e veda o comércio de livros em hipermercados, estações dos CTT ou papelarias. Ora num país onde não se lê e que detém uma das piores taxas de leitura da EU, fechar as livrarias com o intuito de se evitarem aglomerações de pessoas daria vontade de rir se não fosse trágico. Ao Observador, o vice-presidente da APEL ‘acusa o executivo de António Costa de ter uma “visão censória” ao “mandar cobrir os livros de plásticos” nos hipermercados e outras lojas autorizadas a funcionar.’[v]
Nesta altura o país está praticamente sem acesso aos livros. Se hoje eu quiser comprar um livro numa tabacaria ou papelaria que os venda, acontece algo que já não me acontecia há mais de 47 anos, sussurro para o empregado e recebo o livro por debaixo do balcão.
Vivi um terço da minha vida em ditadura e por isso fico preocupado sentindo estes sinais de desleixo e imposição no ensino em Portugal e não tenho dúvidas que esta proibição sobre a venda de livros aproveitando a oportunidade da pandemia é o resultado de um princípio ideológico do Governo de que o livro não é um bem essencial. Estamos perto da classificação do ‘livro perigoso’.
Qual é a diferença entre um jornal e um livro? Hoje posso comprar o primeiro, mas é-me vedado adquirir o segundo. O primeiro transmite-me apenas a espuma dos dias tal o estado do jornalismo de investigação em Portugal e é manipulável pelo Governo, mas o segundo permite-me estudar, adquirir conhecimentos, estruturar o meu sentido crítico, dá-me bases para intervir, põe-me em contato com novos horizontes, novas ideias e dá sentido e rumo ao pensamento. Será por isso?
Mafra, 10 de Fevereiro de 2021
Mário de Sousa
[i] https://observador.pt/opiniao/os-criminosos-segundo-marta-temido
[ii] https://www.tsf.pt/portugal/politica/computadores-e-net-para-todos-os-alunos-costa-quer-muito-mais-do-que-magalhaes-20-12058472.html
[iii] O negrito e sublinhado é meu
[iv] https://visao.sapo.pt/atualidade/economia/2021-02-10-objetivo-e-ter-tarifa-social-de-internet-ate-junho-ministro-da-economia/
[v] https://observador.pt/especiais/venda-de-livros-proibida-apel-fala-em-politica-da-terra-queimada-livrarias-independentes-apoiam-e-ha-quem-compre-na-loja-via-smartphone/
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