Mafra | Supremo Tribunal de Justiça contraria pretensões da Câmara de Mafra

O Instituto Luso-ilírio Para o Desenvolvimento Humano (ILIDH), citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 17 de dezembro de 2020 éuma pessoa coletiva de direito privado, sem fins lucrativos, visando fins de utilidade pública geral, com uma presença relevante no contexto nacional e internacional de Investigação & Desenvolvimento nas áreas da Educação e Formação, desenvolvendo para tanto diversos projetos, em parceria com entidades diversas, desde a Administração Central ou Local até à sociedade civil“.

Em 2010 o ILIDH celebrou um Contrato de Comodato com a Câmara Municipal de Mafra (CMM) “nos termos do qual o Município de Mafra cedeu ao Requerente, a título gratuito, o Palácio dos Marqueses de Ponte de Lima e propriedade envolvente, sito na Rua do Castelo, Vila Velha de Mafra, por um período de 30 anos automaticamente renovável”, cabendo ao ILIDH a recuperação do edifício, que se encontrava muito degradado, correndo a reabilitação do edifício (cerca de 1.300.000 euros) por conta do ILIDL e dos seus parceiros.

A atividade do instituto teve início no Palácio dos Marqueses, já reabilitado, em 2016. [Mais informações sobre a génese e as atividades do ILIDH podem ser obtidas aqui a partir de uma entrevista que Lourenço Carvalho, Vice-Presidente do ILIDH concedeu ao JM em janeiro de 2020]

Como é do conhecimento público, a Câmara Municipal de Mafra adjudicou a construção de uma nova estrada, que liga a Vila Velha à área onde está instalada a Estação de Tratamento de Águas Residuais e daí, ao cemitério de Mafra.

A construção daquela estrada, que ladeia o Palácio dos Marqueses, levou o Instituto Luso-ilírio Para o Desenvolvimento Humano a apresentar no Tribunal de Sintra, uma Providência Cautelar de Embargo da obra, defendendo que estaria a ser violado o contrato de comodato estabelecido entre a CMM e o ILIDH, tendo em conta que “do Contrato, resultavam obrigações de parte a parte […] assumidas pela Requerida na Cláusula Oitava do Contrato, a saber: d) permitir o usufruto integrado da Universidade dos Valores com os espaços lúdicos e desportivos envolventes do Parque Desportivo Municipal Eng.º Ministro dos Santos“, clausula que, no seu entender, não fora respeitada pela Câmara Municipal de Mafra ao fazer o traçado da estrada, daí tendo resultando prejuízos para o ILIDH.

A esta Providência Cautelar respondeu a Câmara de Mafra alegando que o Tribunal de Sintra não era competente para julgar a causa, uma vez que deviam ser aqui aplicadas “as alíneas a) e f) do artigo 4.º do ETAF [Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais], que atribuem aos tribunais administrativos o poder de apreciação” das questões suscitadas pela Providência Cautelar intentada pelo ILIDH.

O Tribunal de Sintra foi sensível à argumentação da Câmara Municipal de Mafra e declarou-se incompetente para julgar a causa, defendendo que devia ser o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a pronunciar-se.

A 27.03.2020, o Tribunal de Sintra profere a seguinte decisão:

«Pelo que, nada mais resta a este Tribunal senão deferir a excepção de incompetência material dos Tribunais Judiciais absolvendo como tal o Requerido da presente instância, tudo nos termos e para os efeitos do exposto no art. 96.g al. a), 97° n.º 1, 99.g todos do Código de Processo Civil».

Inconformado, com a decisão do Tribunal de Sintra, havia de recorrer o ILIDH para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe deu razão, confirmando ser da 1.ª instância (Sintra) a competência para julgar a Providência Cautelar interposta pelo ILIDH, nestes termos

«Acordam os juízes desta Relação em confirmar a Decisão Sumária do relator que concedeu provimento à Apelação, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos, no Tribunal “a quo”, indeferindo assim a Reclamação contra ela deduzida pelo Município de Mafra ora Apelado.»

Desta decisão da Relação de Lisboa, recorrerá por seu lado, a Câmara Municipal de Mafra, para o Supremo Tribunal de Justiça alegando que “o Venerando Tribunal da Relação não podia ter concluído, como concluiu, que a relação jurídica em presença nos autos é de natureza privada“. Esta tese baseia-a a CMM no facto de a obra a embargar ser pública, logo, o julgamento da eventual ilicitude da gestão pública devia ocorrer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, defendendo ainda, que “uma vez que a obra pública levada a cabo pelo Recorrente e em discussão nos autos mostra-se concluída e tendo em conta a verdadeira pretensão do Recorrido: paragem da construção da estrada municipal levada a cabo pelo Recorrente, a presente instância cautelar mostra-se inútil Pelo que deverá ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide”.

Na verdade, contestada pela CMM a aceitação da providência cautelar apresentada no Tribunal de Sintra, obrigando às posteriores subidas à Relação e ao Supremo, a decisão final, chegou já com a obra concluída, mostrando-se substantivamente inexequível.

Em resposta, o ILIDH afirma que “o Recorrido deixou bem claro qual era o núcleo central da matéria em discussão nos autos: a violação do direito pessoal de gozo sobre o Palácio e jardim circundante [resultante da construção da estrada]”, podendo ler-se mais adiante, que “não é a Obra Pública o objeto do Embargo, mas sim os trabalhos realizados, aparentemente necessários à realização de tal obra, na área objeto do comodato, por colidirem, invadirem e violarem, o direito pessoal de gozo do ora Recorrido decorrente do contrato de comodato“.

Na sentença proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça pode ler-se, que “o recorrente usa a invocação de nulidades do acórdão recorrido como uma estratégia para manifestar a sua discordância em relação ao mérito da decisão […] também não houve qualquer violação dos princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade […] A questão a decidir é, assim, a de saber se a competência material para decretar o embargo da obra, levada a cabo pelo Município requerido, pertence aos tribunais comuns ou aos tribunais administrativos”, tendo acórdão da Relação ditado que “«No caso concreto, apesar de a Embargada ser uma autarquia local – o MUNICÍPIO DE MAFRA – não se está perante uma relação jurídica administrativa regulada por regras de direito pública. Pelo contrário, estamos perante uma relação jurídica de natureza privada, consistente na ofensa do direito de gozo emergente (para a Requerente) dum contrato de comodato celebrado com o município requerido e regido por normas de direito privado“.

A relação contratual reportada aos autos assume natureza privada e o regime contratual a que a mesma foi sujeita é igualmente regulado por normas de direito privado, sem que tal contrato haja sido submetido a qualquer procedimento de formação de contratos disciplinado pelo Código dos Contratos Públicos” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça]

Sai assim, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que fará jurisprudência, gorada a intenção da Câmara Municipal de Mafra, de ver a providência cautelar julgada pelos tribunais administrativos, embora, em termos substantivos e tendo em conta que a obra está concluída, não há já nada para embargar. Em função deste acórdão, o caso voltará muito proximamente ao Tribunal de Sintra.

Restará esperar pelo resultado dos pedidos civis de indemnização que baseado nesta sentença, o Instituto Luso-ilírio Para o Desenvolvimento Humano, certamente não deixará de mover contra a Câmara Municipal de Mafra. Por seu lado, a câmara (o estado, o munícipe, o contribuinte) pagou as custas, pagou o aconselhamento jurídico, provavelmente irá defrontar-se com um pedido de indemnização que obrigará a novo aconselhamento jurídico, podendo este emaranhado jurídico acabar no pagamento de uma indemnização. A ser assim, a Câmara Municipal de Mafra (o estado, o munícipe, o contribuinte) terá de voltar a abrir os cordões à bolsa.

O Jornal de Mafra perguntou à Câmara Municipal de Mafra se pretendia pronunciar-se a propósito desta decisão judicial, tendo a CMM respondido que “O Município de Mafra cumprirá, como sempre o fez, as decisões judiciais de que seja destinatário“, de uma câmara municipal, nem outra coisa seria de esperar, cumprir as decisões dos tribunais.

Neste processo, a Câmara Municipal de Mafra foi representada nas três instâncias pelo escritório de advogados “Cavaleiro Machado &Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL” estabelecido em Lisboa. Este escritório é avençado da CMM, por ajuste direto, desde novembro de 2019, ajuste que vale 2.500 € pelo período de um ano, renovável. Trata-se de um valor muito bem negociado pela Câmara Municipal de Mafra. Convenhamos que, consultadoria jurídica pelo valor 2.500 €, pelo prazo de 1 ano e renovável, é uma verdadeira pechincha.

 

 

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