É com muita satisfação que retomo estas crónicas após quase 8 meses de interregno. A saúde, de forma inesperada a isso me obrigou. Mas aqui me encontro, apto para continuar quinzenalmente, a poder contribuir para este convívio imprescindível com todos os Mafrenses
Assiste-se hoje ao dominar da sociedade por extremismos que se manifestam nos mais variados contextos – educacionais, religiosos, políticos, ambientalistas, alimentares, culturais, desportivos, etc, que nos revelam uma sociedade desequilibrada e cada vez mais desinformada, pese vivermos uma época em que a ‘informação’ jorra sobre as nossas cabeças. Mas informação não é conhecimento.
Conhecimento exige práticas educativas que processem a informação transformando-a naquilo que nos é útil para as nossas vidas. É esse conhecimento que nos permite manter no patamar que definimos como ser bom/boa cidadão/cidadã.
A ausência deste equilíbrio, desta falta de noção de pertença, conduz ao radicalismo que se esconde sob a capa de fidelidade a algo ou a alguém, embotando a capacidade de se ver e entender para além da nossa ‘ilha’.
É assim que causas e princípios de grande significado se transformam em atitudes radicais, que de forma rápida deterioram a sociedade. Arrepia, ver que quando alguém radicaliza a sua postura, o outro, que com todo o direito não partilha das mesmas convicções, se transforma num adversário, quiçá verdadeiro inimigo, surgindo como desígnio combate-lo pela indiferença e pela utilização de ideologias políticas.
Ignorar estes radicalismos é lavrar terreno fértil a problemas de segurança pública, ao desrespeito pela dignidade e integridade do outro e favorecer a miséria moral e a exclusão. Só a partilha do conhecimento e a inclusão social podem contribuir para a consciência comunitária.
Embora os extremismos sejam fenómenos globais, começam em manifestações quotidianas, primeiro individuais e depois coletivas, inviabilizando o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária.
A parte menos visível destes fenómenos é o seu aproveitamento pelos poderes instituídos, centrais e locais, que capitalizam a seu favor, os desequilíbrios causados. Dividir para reinar é provérbio antigo, mas não se duvida da eficácia das ações ou da sua ausência, de não partilhar o conhecimento da coisa pública, dando aos seus detentores a aura de providencialismo necessária à manutenção do poder. A contínua aplicação destes princípios diluem a literacia necessária ao exercício da cidadania. Pequenos despotismos sim, mas inibidores da capacidade de expressão do cidadão comum levando-o à adesão incondicional à palavra de quem manda, numa atitude de ‘o respeitinho é muito bonito!’
E enquanto o cidadão se entretém a combater o vizinho do outro ‘clube’, não questiona o poder vigente sobre o que este planeia para atender à crise que aí vem. Mafra que era conhecida pelo pleno emprego começa a acusar problemas complicados:
Agosto 2020 – 2.164 Desempregados
226 inscritos em Agosto dos quais 134 trabalhadores precários.[i]
Significa isto duas coisas: 1 – o número de precários que andava escondido mostra o tipo de emprego do concelho; 2 – as empresas estão a lidar mal com a crise.
O que se irá passar em Outubro? Seria bom que o executivo fosse questionado pelos Mafrenses no sentido de ir adiantando cenários para o nosso Concelho.
Por isso, “…a prática da cidadania constitui um processo participado, individual e coletivo, que apela à reflexão e à ação sobre os problemas sentidos por cada um e pela sociedade. …/… Enquanto processo educativo, a educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo.”[ii]
A bipolarização da discussão, 46 anos passados sobre o 25 de Abril, sobre se a escola deve ou não lecionar uma disciplina sobre cidadania fala por si. Se se discorda das linhas programáticas (sendo necessário conhecê-las) que se procure melhorá-las. Essa discussão faz parte da cidadania. Mas enquanto se discutir a Festa do Avante, a concentração em Fátima, o IVA das touradas e outros assuntos quejandos, o essencial fica para trás e não nos preocupamos com os 2.164 desempregados do nosso Concelho.
Mafra, 23 de Setembro de 2020
Mário de Sousa
[i] Jornal de Mafra https://jornaldemafra.pt/2020/09/22/desemprego-nos-concelhos-de-mafra-e-de-torres-vedras-aumentou-no-final-de-agosto/?fbclid=IwAR2rXid95kBnFuSs6ORJTFC-lqljalgf8UOZdOji4BUt2W3yUy-M9MxELk4 consultado em 23/04/2020 pelas 10:54.
[ii] https://www.dge.mec.pt/educacao-para-cidadania-linhas-orientadoras-0
Pode ler (aqui) outros artigos de opinião de Mário de Sousa
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