OPINIÃO POLÍTICA | José Martinez – 20º aniversário da atribuição do prémio Nobel a José Saramago

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(Saramago no Centro Trabalho Vitória no dia do regresso a Lisboa depois de receber o Nobel)

 

Vinte anos depois da atribuição a José Saramago do prémio Nobel da literatura, único Nobel da literatura atribuído a um escritor de língua portuguesa e porque a escrita de José Saramago sempre me encantou, passei em revista as minhas relações com o escritor.

Não tenho pretensões de ter conhecido a pessoa José Saramago. A minha relação pessoal com ele foi meramente institucional quando a Sociedade de Instrução e Beneficência A Voz do Operário resolveu conceder a José Saramago o importante título de “Sócio Honorário”, homenageando-o em jantar comemorativo do centésimo oitavo aniversario da Instituição, corria o ano de 1991.

A escolha de José Saramago como personalidade a homenagear foi fácil. Não me recordo como surgiu, mas recordo-me de ter recolhido a unanimidade da Direcção. Penso que todos nós já tínhamos lido livros de Saramago. A troca de opiniões recaiu, lembro-me, a esta distância temporal, sobre os “levantados do Chão”, provavelmente exclusivamente ou quase, penso que nem todos tínhamos lido “O Memorial do Convento”.

Saramago era um escritor amado pelos portugueses e não só.

Foi nestas circunstâncias que o recebi e com ele e outros camaradas, constituímos a mesa que presidiu ao jantar de aniversário de “A Voz do Operário”.

O jantar foi em Fevereiro de 1991, sete anos antes da atribuição do Nobel e um ano antes do veto do censor, episódio patético, triste e mesquinho do então subsecretário de Estado da Cultura, Sousa Lara. Não teria sido ainda lançado “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”.

Foi a singela homenagem de uma instituição de trabalhadores ao trabalhador da escrita que nunca desprezou quem trabalha.

Para mim e penso que para ele, não é importante conhecer a pessoa. Para mim o importante é o conhecimento da sua obra. Penso que li toda a sua obra publicada, com excepção do último livro, “Os Últimos Cadernos de Lanzarote”, que faz com que, não conhecendo a pessoa conheça bem o autor.

Conheço o “meu” Saramago por isso não fiquei surpreendido quando o cidadão José Saramago, na cerimónia comemorativa da atribuição do Nobel, por coincidência no dia 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmou:

“A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante. Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia.»

O “meu” Saramago coincide com o Cidadão Saramago.

O porquê da comemoração do 20º aniversário da atribuição do prémio Nobel a José Saramago numa crónica no “Jornal de Mafra” é óbvia. José Saramago está na crista da onda da divulgação de Mafra ao país e ao mundo.

“O Memorial do Convento” faz-nos sentir que o palácio não é só a elegia do barroco, que o palácio não é a glorificação do poder absoluto de um rei com forte formação religiosa (jesuíta) que, se foi bastante para a promessa de construção do palácio, não o foi para o afastar da vida promiscua e para não desbaratar o ouro vindo do Brasil de que o palácio é um exemplo.

Quem visita o palácio depois de ler “o Memorial do Convento” não vê nele a obra de exploração, subjugação, humilhação e morte do povo de Mafra, símbolo do poder absoluto, mas a obra de um povo trabalhador que com amor e esperança conseguiu sonhar e realizar o sonho, mesmo que não fosse o seu.

José Saramago dignificou o povo de Mafra e por seu intermédio, o povo português.

Mafra (as suas autarquias) tem esquecido Saramago.

Esta crónica é a “minha” evocação pública, a minha reflexão pessoal. Não deixarei, no entanto, de me associar à sessão evocativa, reflexão colectiva, promovida pelo meu Partido, no Centro de Trabalho Vitória, com a presença do Secretário Geral do PCP, Jerónimo de Sousa.

 

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