Folhetim | Benvinda – Uma História de Emigração (12º. Episódio)

FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério

 

FOHETIM – A História de Benvinda (12º. Episódio)

 

Havia ainda o irmão, o Basílio, rapaz tão bonito como apreciador de boa vida, miúdas, farras e o mais que viesse que não fossem livros, uma chatice, isso era com a irmã, a das manias de vir a ser doutora. Ainda experimentou trabalhar no “chantier” onde o pai agora era “maître”, mas não lhe agradou, aquilo era bom para os pieds noirs que não tinham ambições andava a ver se arranjava coisa melhor, tinha uns amigos aí com uns esquemas que davam umas massas. Por estas e por outras, e antes que as coisas levassem mau caminho, Berta achou que era chegada a altura de arranjar onde viver fora da casa paterna. A colega Brigitte, amiga já de há vários anos, fez-lhe a proposta, vens morar comigo e pagamos as despesas a meias. Não demorou muito a dar a resposta, afirmativa, pois claro, os pais barafustaram, mas lá no fundo sentiram um certo alívio, a rapariga quer liberdade pois que a tenha, que faça o que a cabeça lhe mandar e que Deus a proteja.

Qual Louvre, qual quê? Sei lá se tenho pena. Nem nunca subi à Torre, para quê, ainda para mais eu sou dada a tonturas. Fomos uma vez com os miúdos ao Jardin des Plantes e de resto dávamos uns passeios à beira da Seine que isso era de graça. Tenho saudades desse tempo, os catraios pequenos, nós a conseguirmos mandar uns dinheiritos para o nosso país, a sonhar com obras na casa dos pais do Bento. Sabe a senhora, o meu homem foi o filho que sobrou dos três irmãos. Pois foi como lhe conto. A irmã, a mais nova de todos, morreu de parto. Dantes morria-se muito de parto. O anjinho, era um menino, também não se salvou. A ti Belizária fazia o que podia, foi ela que aparou metade da aldeia. Morreu aqui há um ano, de velha, muito velha, sem ninguém, filhos não teve que a bem dizer foi mãe de todos os que fez vir ao mundo. Como eu estava a dizer, eram três irmãos, o mais velho, o Bibiano, foi às sortes, foi apurado, ainda tiveram a esperança que ele fosse livre por causa daquele defeito na vista, era assim com um olho meio metido para dentro, vesgo, é como se chama, eu sei, mas nem isso o livrou, disseram lá na tropa que isso não era coisa de monta. Foi, coitado do Bibiano, era bom rapaz, e foi parar à guerra nas Áfricas, aquela guerra com os pretos que matavam os nossos rapazes, a senhora já não é desse tempo, sim, mas sabe, claro, uma doutora sabe muita coisa mesmo o que não viu nem sofreu, tem os livros, como a minha Berta. Voltar, voltou, ou o que sobrou dele, que a caixa de madeira que chegou já não se podia abrir e ouvia-se dizer que às vezes só vinham pedras lá dentro, o corpo tinha sido feito em migalhas e desaparecido lá por aquelas selvas. Isto não se podia dizer naquela altura, que os polícias à paisana andavam a rondar o funeral e a casa nos dias a seguir. Ainda me lembro como uivava a que veio a ser a minha sogra, não era chorar, era uivar de desgosto, nesse tempo as mulheres uivavam como fazem as lobas quando lhes matavam as crias.

 

(continua)

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