EDITORIAL | O PSD assegurou mais 20 anos de poder em Mafra

 

É assinalável a mestria política do PSD Mafra sob a batuta de Hélder Sousa Silva. O reconhecimento da singularidade do monumento de Mafra por parte da UNESCO, a reabilitação dos 6 órgãos históricos da Basílica, a reabilitação dos carrilhões do Palácio Nacional de Mafra, a vinda para Mafra do Museu Nacional da Música, a remunicipalização da água, com entrega de um lugar na administração ao maior partido da oposição, o recurso a bem conhecidas políticas de alcatroamento pré-eleitoral, a utilização de refinadas e caras técnicas de marketing político, a colocação de militantes do PSD à frente das muitas associações, clubes desportivos, entidades culturais e empresas, que com maior ou menor sucesso, com maior ou menor mestria e saber, como maior ou menor frequência, desenvolvem atividade no concelho, e o controlo substantivo de quase todos os órgãos de comunicação social do concelho, têm assegurado ao PSD mafrense, nos últimos anos, retumbantes vitórias eleitorais.

Deste controlo político avassalador consolidado pelo partido da maioria ao longo de decénios resultou a redução das oposições ao seu grau  mínimo, sempre com muita dificuldade em mobilizar quadros — ao contrário daquilo que ocorre no partido do poder, como se demonstrou nas recentes eleições autárquicas, onde foi bem visível a participação e a integração nas suas listas, de jovens quadros — sempre com muita dificuldade em mobilizar financiamento para as suas campanhas, mantendo-se quase sempre na penumbra, até porque a generalidade da comunicação social, muito dependente, só reconhece a existência de forças da oposição e só lhes dá voz durante as duas semanas das campanhas eleitorais e só para arrecadar os euros que o estado concede por via da emissão dos tempos de antena.

As últimas autárquicas representaram uma singularidade política com dois braços, como se de uma equação matemática se tratasse. Sendo certo que o mandato que agora se iniciará será o último de Hélder Silva à frente do município — uma oportunidade sobrestimada por algumas forças políticas — na verdade, esse mandato será também único por outra importante e decisiva razão, será o tempo em que os fundos europeus se somarão ao Plano de Recuperação e Resiliência, uma arma pouco secreta, mas muito poderosa ao serviço dos partidos que estiverem no poder no próximo mandato autárquico.

Hélder Silva — cujo destino político próximo depende muito do desempenho do PSD nacional e da forma como ele próprio conseguir gerir a sua presidência dos Autarcas Social Democratas no quadro da guerra de sucessão a Rui Rio — deverá fazer só metade do mandato, deixando os 2 últimos anos de mandato ao seu “Delfim” ou à sua “Delfina”, para que se possa afirmar, antes de ir a votos em 2025. Aparentemente, Aldevina Rodrigues parece levar a dianteira nesta corrida, embora não tenha nem a experiência, nem o conhecimento, nem a influência, nem a “estaleca” política de Hélder Silva. Irá correr ainda muita água sob esta ponte, mas uma coisa parece certa, o PSD manter-se-á com toda a certeza, como a força dominante no concelho durante muitos mais anos.

O PSD manter-se-á como a força dominante no concelho, e nos tempos de transição de Hélder Silva para o desconhecido, os fundos da “bazuca” serão o seu alimento. O PSD continuará a beneficiar da inércia do sistema político local e da cadeia de interesses e de pequenas autoridades que foi criando ao longo dos decénios. As oposições, por seu lado, não têm fôlego político, não saíram da caixa, não criaram quadros políticos, não mostraram trabalho na esmagadora maioria das instituições culturais ou nos movimentos associativos do concelho, nem conseguiram criar centros alternativos, a partir dos quais pudessem mostrar novas formas de olhar para a realidade do concelho.

O principal partido da oposição parece ter-se acantonado em torno de uma estrutura política local da capital do império, tendo perdido apoio eleitoral no concelho e parecendo não ter capacidade de crescer e/ou de polarizar os votos da esquerda social, seja absorvendo-os (os votos), seja liderando coligações capazes de se opor ao hegemónico PSD. O PCP e o BE sentem aqui as dificuldades com que se debatem a nível autárquico, no resto do país. As restantes forças políticas da oposição, por se situarem à direita, se conseguirem crescer tenderão a apoiar o poder que for maioritário à direita, ou seja, o PSD, perpetuando-o durante muitos anos.

Os próximos 20 anos darão continuidade ao poder do PSD no concelho de Mafra. Nos dois mandatos que Hélder Silva já cumpriu, a marca Mafra foi muito bem vendida na comunicação social nacional, muito à custa do empurrão dado pela Lusa, pelo Diário de Notícias, pela SIC e ultimamente pela TVI. Hélder Silva utilizou as principais obras do regime mafrense, nas áreas do património e do turismo, a par dos seus excelentes e consolidados resultados eleitorais e do conhecimento que tem da máquina do PSD, para assegurar a presidência dos autarcas social democratas portugueses, cargo que, uma vez livre da gestão municipal, poderá ter-lhe conferido um peso político acrescido capaz de o guindar a outros voos.

Para a história do consulado de Hélder Silva ficarão (antes dos milhões da bazuca) a reabilitação dos carrilhões e dos seis órgãos da Basílica, a instalação de uma loja do cidadão que presta um importante serviço aos munícipes, o alindamento turístico da vila da Ericeira, a oferta de parques urbanos à Venda do Pinheiro e à Malveira e uma consistente sementeira semanal de iniciativas culturais em Mafra e na Ericeira, sobretudo no plano musical. Fica também o grande, importante e estratégico impulso dado à fileira do surf, quer no plano desportivo, quer no plano turístico e económico. Finalmente, imagine-se, deixa-nos uma maior abertura cultural, um pensamento mais moderno, uma visão com mais mundo e uma maior influência política — a que não será alheia a passagem do atual presidente pela Assembleia da República —, quando comparamos o consulado de Hélder Silva com os tempos de Ministro dos Santos à frente do concelho.

Do lado do dever, Hélder Silva deixa uma política de ajustes diretos, de consultas prévias e de concursos públicos que é tudo menos irrepreensível, deixa instalada uma clique dirigente laranja em todos os centros de poder formais ou informais do concelho, deixa um domínio absoluto das muitas associações que pulularam como cogumelos por todos os cantos do território, deixa uma tradição de pouco respeito pelos direitos das oposições e deixa um domínio sub-reptício, mas muito eficaz, sobre a maioria dos órgãos de comunicação social local, deixa também uma rede viária de segunda e de terceira linha muito deficiente, um edificado a desmoronar-se, visível logo que saímos das estradas principais, deixa em pleno século XXI várias zonas do concelho sem rede de esgotos, deixa um concelho onde, fora dos centros, os passeios para peões continuam a ser um luxo, deixa um concelho fraturado entre um interior abandonado e um litoral reluzente.

Hélder Sousa Silva deixa muito trabalho para o seu PSD fazer em Mafra nos próximos 20 anos.

 

Paulo Quintela
Diretor do Jornal de Mafra

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