Crónica de Alexandre Honrado | George-Steiner – Morre a cultura em palavras e silêncio

De repente apetece-me confessar que todos os textos, mesmo aqueles onde mais ficcionamos, são textos escritos na primeira pessoa, textos no singular, mesmo os menos singulares. Este é portanto um texto desses. Um texto na primeira pessoa e magoado, mal refeito das emoções, uma tatuagem mal cicatrizada, por outras palavras: um texto à flor da pele. Estive duas vezes ao pé de George Steiner. Numa, com timidez, apertei-lhe a mão, julguei-me eleito, um privilegiado. Foram encontros ocasionais, Steiner falava publicamente, e eu estava numa das filas sombrias mas não frias…

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Crónica de Alexandre Honrado | Como me afogo nestes dias secos

Um copo de água e eu. Tento fixar os olhos na aparente, quase chocante transparência do líquido; são os meus olhos que se turvam e perdem. Vejo à minha beira uma barcaça cheia de foragidos. Chamam-lhe refugiados, chamo-lhe gente perdida no labirinto dos que lhes impõem o rumo. “A Polícia Marítima detetou na madrugada desta quarta-feira uma embarcação com 11 imigrantes ilegais a bordo junto a Olhão, três dos quais tiveram de ser transportados ao Hospital de Faro para despistar problema de saúde“. Bebo um gole de água, para disfarçar.…

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Crónica de Alexandre Honrado – Não nos doí o que já esquecemos

De vez em quando, por falta de tema, um órgão de comunicação social traz das profundezas dos tempos os moais, ou naokis, essas enormes estatuetas de pedra que ainda hoje se erguem na ilha de Páscoa, e, a propósito, fala-nos daqueles que as terão feito e que, com algum mistério para nós, desapareceram deixando-as apenas como prova da sua existência. Se procurarmos na História, esse desaparecimento não é exceção. E passo a enumerar alguns dos muitos exemplos possíveis. O debate mais recente retoma a discussão sobre o desaparecimento do homem…

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Crónica de Alexandre Honrado – Levarei os meus olhos cheios do que não vi

Não tenho saudades do passado. A minha terra, quando eu era pequeno, era um local cinzento e cheio de cicatrizes, assim uma espécie de sarjeta – dessas onde aquele deputado isolado do parlamento, a quem eu chamo o Menino Mussolini, gostava de ver de volta. Não tenho saudades da ordem na ponta das espingardas e dos escândalos atrás das portas. Prefiro armas à vista, de preferência entregues para abate, e escândalos que possam ser julgados pelo Estado de direito, à vista e de preferência entregues à justiça, para abate. Não…

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Crónica de Alexandre Honrado – C 3 I, Paranóia, Trump, Novo Ano.

Alguém me disse, com olhos doces mas com emoção acesa, que tinha tido a ilusão de um mundo melhor durante a passagem de ano e a desilusão de sofrer com o apocalipse e o fim do mundo nos dias imediatamente a seguir: as mortes nos pavorosos incêndios na Austrália; e o terrorismo protagonizado por Donald Trump, a procurar, em última e derradeira jogada, impedir a sua suspensão como Presidente dos Americanos, dando-lhes em troca o que a seu ver é um paraíso de justiças duvidosas: mais uma guerra. Não sei…

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Crónica de Alexandre Honrado – O meu conto de Ano Novo

Há uma estranha acalmia, agora. O vento é como as velhas bisbilhoteiras, que sem andarem por aí não sabem o que contar. Também há velhos bisbilhoteiros, bem sei. Não seria correto olvidá-los. São diferentes. Sentam-se à porta de casa ou em velhos cafés que são tabernas promovidas e contam o que veem com olhos de reinventar. Às vezes vão a um ou outro velório e sentam-se também, os velhos. E contam histórias antigas como se fossem o que de mais recente os rejuvenescesse. Dizia haver uma regra para esses velhos,…

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Crónica de Alexandre Honrado – Feliz hipocrisia – a minha história de um banco de Natal

Confundo-me com a multidão que corre para os descontos, afinal a época natalícia trouxe umas surpresas. Lá vou eu, pequenote entre a multidão e dirijo-me ao Carmo, no coração da cidade (capital, portuguesa). É uma praça cheia de magia com um quartel e uma fonte com golfinhos de pedra; gosto de fontes. É o Carmo! O Carmo de tanta história e maiores recordações, da saída da GNR a cavalo para dar umas porrinhadas nos opositores do regime (como diria Pepetela), às glórias de abril, pois foi ali que Marcelo Caetano…

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Crónica de Alexandre Honrado – Aprender a fazer cerveja, primeiro

Assinala-se de forma estranhamente modesta e quase envergonhada a data da morte de Václav Havel – ocorrida a 18 de dezembro de 2011. Talvez por ser escritor, o que não é valor acrescentado nesta sociedade inculta neoliberal, sempre ocupada com os seus mercados e analfabetismos crónicos e o seu desespero dos orçamentos para a cultura, que desdenham e contestam; talvez por ser dramaturgo e hoje o teatro é o último patamar das artes, quem sabe se a balaustrada de uma varanda onde alguns suicidas teimam em celebrar a vida; talvez…

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Crónica de Alexandre Honrado – Sorrisos velhos

Era o velho mais velho que todas as tardes cumpria, sem saber, a arte de fascinar-me. Eu era garoto, muito garoto, não entendia quase nada do que se passava à minha volta, mas sabia sem qualquer dúvida que o tempo em que existíamos era de podridão; vivíamos debaixo do capricho de um cérebro doente de um velho de outra espécie, sem escrúpulos nem patriotismo, que definhava com a pátria usando-a como um capacho, promovendo a sua miséria e a morte por opção. Ao outro velho, ao que conto agora, a…

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Crónica de Alexandre Honrado | O cano apontado – um texto de Natal

Crónica de Alexandre Honrado O cano apontado – um texto de Natal   Certo chefe de redação – figura e categoria profissional que caiu com o uso, desgastado e tido por supérfluo – de um jornal que, na época, considerámos como uma referência, vaticinava que, um dia, nem na data impressa na capa daquele ou de outro periódico podíamos confiar, até porque as “gralhas”, na altura tipográficas, dizia ele, não perdoam. Uma das coisas mais comuns nos dias de hoje é o somatório das notícias falsas ou de uma ardilosa…

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